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“É o descaso por parte dessa empresa que assassina vidas à canetada fria, com requintes de crueldade”

Publicaremos nesta edição um trecho do relato dado por Andresa Rodrigues, membro da comissão das famílias das vítimas do crime de Brumadinho, durante a Audiência Pública, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, convocada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a Vale.

“Meu único filho, Bruno Rocha Rodrigues, foi vitimado por essa empresa assassina que continua, de forma perversa, assassinando Brunos. Ela assassina de forma cruel os familiares daqueles que foram lá enterrados vivos e assassina também os seus trabalhadores. Onde já se viu, perguntar o que é um sobrevivente? Como se eles não soubessem o que é um sobrevivente. (...) Sobrevivente é aquele que conseguiu, quer seja empregado, quer seja terceirizado, o direto de não estar ali naquele momento. Esse é o sobrevivente, e que a Vale está assassinando, também, de forma cruel. Temos as nossas 22 joias que continuam, nesse momento, sepultadas naquela lama sangrenta e assassina ou no IML (Instituto Médico Legal), no Instituto de Criminalística, porque as coisas continuam sendo muito, mas muito difíceis para que a gente tenha os resultados.

Trago, aqui, algumas informações porque a gente conversa com funcionários e familiares, que também são funcionários e sobreviventes. Uma delas é sobre o PAEBM (Programa de Ação de Emergência de Barragens), que, na época, até o dia 25 de janeiro, às 12h28min30s, eu não tinha nenhum conhecimento sobre o que era, de como as barragens são construídas – hoje estou bem escolada. O PAEBM é um treinamento feito para o caso de a barragem romper. Tem uma marca, uma mancha, indicando onde a lama irá sair e, ao ser tocada a sirene, o funcionário precisa evacuar a área. As pessoas ali presentes disseram: com menos de três minutos, isso é impossível. Outras disseram que precisava-se de 15 minutos para chegar ao ponto apontado pela Vale. A lama demorou menos de um minuto para chegar. A Empresa não sabia? Ela não conhecia a lama, a rota que ela passaria? Nós tentamos conseguir esses documentos informando o que apontava o PAEBM, mas não conseguimos retorno até agora – nosso pedido foi feito lá em abril, maio. Queremos saber, enquanto familiares, qual era a mancha que esse PAEBM apontava. Sabemos que, pelos documentos, o tempo tem que ser jogado sempre para mais. Despois de romper, qual parte foi coberta por essa lama assassina e sangrenta? Essas são respostas que muito nos interessa, até mesmo para ajudar a clarear esses fatos.

Hoje, vivenciamos o crime de Brumadinho. Antes, vivenciamos o crime de Mariana. Qual será a próxima barragem a romper? Quem de nós estará lá? Porque não é só na barragem, não é só atuando na ajuda do resgate de corpos que esses operadores de máquinas, que dão manutenção e estão na zona quente, estão fazendo. Porque se eu estou lá operando a máquina, como já foi colocado aqui, e encontro um seguimento, estou ajudando no resgate dos corpos. Quantos, aqui, conheciam o Bruno? Quantos trabalharam lá, os 105 dias, buscando pelo corpo do meu filho? Quantos estão lá hoje buscando por essas 22 joias? A Empresa matou e continua assassinando, e continua atuando na cena do crime, porque ela continua mandando e desmandando. Prova é que hoje ela não esteve na Comissão Parlamentar de Inquérito. Os funcionários vieram para fazer a acareação? Não. Conseguiram um habeas corpus. As nossas joias não conseguiram. Vocês, funcionários, às vezes, não conseguem um relatório médico, um atestado – têm que ir trabalhar na zona quente, trabalhar resgatando os corpos”.

 

Denúncias

 

“Eu passo, agora, a fazer as denúncias enquanto membro da comissão das famílias, e começo dizendo duas coisas: o lucro acima de tudo, a lama é acima de todos, sem exceção. Porque não sabemos quem é a próxima vítima, quem está indo para o matadouro. Eu posso estar trafegando com meu carro e uma barragem dessas rompendo, porque são todas bombas-relógio. A julgar pelos resultados que o Estado apresentou (órgão que é responsável a ajudar a vistoriar), está tudo em perfeitas condições – a barragem B1 estaria intacta, a julgar pelos laudos apresentados dentro da CPI que eu e os familiares acompanharam e que continuamos a acompanhar. O que nos deparamos, na semana passada, em visitas dos familiares a zona quente, em pleno domingo? Com quatro frentes de trabalho operando com 104 máquinas. Essas quatro frentes são de obras da Vale, são áreas que têm pouquíssimas chances de resgatar fragmentos ou corpos. As manchas que as máquinas estão passando e que as ondas de calor e as imagens apontam, nesses locais - BH1, Pontilhão Dique, Dique 2 e Ponte Alberto Flores - têm pouca possibilidade de resgatar corpos, de acordo com a inteligência dos bombeiros.
 
Para contrapor as quatro frentes de trabalho que são de interesse da Vale, onde estão acontecendo as obras, temos outras 19 frentes que é onde, de fato, há maiores possibilidades de encontrar corpos e fragmentos. Lá tem 124 máquinas atuando. Como assim? Onde tem a possibilidade maior de encontrar nossas joias são 124 máquinas de trabalho, já em outras quatro frentes de trabalho da empresa Vale, temos 104 máquinas. Importante destacar que todas as máquinas precisam ser acompanhadas pelos bombeiros. O que concluímos com isso? Que os bombeiros também estão lá na frente de trabalho da Vale, não por vontade deles, mas porque se remover o minério, o bombeiro terá de acompanhar.

Segundo ponto:  há listas de insumos e reagentes – estamos oficializando a entrega dessa lista hoje à deputada Beatriz Cerqueira – necessários para fazer os exames de DNA e que estão com estoques baixos. Há mais de quarenta dias foi solicitada a compra desse material pela Vale e, até agora, não tivemos resposta. O Ilumina, um aparelho que foi adquirido pelo IML -solicitado depois de 30 tentativas nos segmentos, fragmentos, que estão lá para fazer DNA e não tiveram nenhum resultado -  deverá chegar nos próximos dias, mas não tem insumos e reagentes para operá-lo. De nada vai adiantar o aparelho.

Terceiro ponto: os cães, extremamente necessários nas buscas. Há mais de três meses, os bombeiros apontavam para Vale: ‘nós precisamos comprar cães, porque os cães estão com alto teor de infecção no sangue pela questão do contato com essa lama assassina’. Os cães são responsáveis por mais de 90% do encontro de segmentos ou corpos. Semana passada, não tinha cães. E a resposta da Vale é que a obrigação não é dela: ‘Isso não é da minha responsabilidade’. Como não é da responsabilidade dela? É da minha? É de quem está debaixo da lama? É de quem está aqui, quem é trabalhador? De quem é a responsabilidade? É do setor público? Porque na hora de cometer o crime, é uma empresa privada que faz, mas na hora de ir lá tentar minimizar ou consertar, é o poder público, são os bombeiros que estão lá, é o nosso dinheiro, porque somos nós que pagamos impostos. Somos nós que estamos lá. Essa semana tinham dois cães que vieram de Goiás, mas a compra de cães não foi efetivada”.

 

Descaso de quem assassina com requintes de crueldade

 

“Eu busquei pelo meu filho 105 dias. Hoje, faz 168 dias que ainda buscamos por outras 22 joias e essa empresa nunca fez um contato conosco. Nunca. Ninguém de lá nunca me ligou e disse: ‘Andresa, seu filho, Bruno Rocha Rodrigues, estava aqui trabalhando e a barragem rompeu e ele foi enterrado vivo’. Não, ele fez hora extra por 105 dias, e essas 22 joias estão fazendo hora extra também. É o descaso por parte dessa empresa que assassina vidas à canetada fria, com requintes de crueldade. À canetada fria porque quem comprou e quem vendeu aquele laudo de estabilidade sabia que não havia estabilidade nenhuma. Levaram nossas joias para o matadouro, e eles sabiam que a qualquer momento poderia romper. Por que à canetada fria e com requintes de crueldade? Aonde estão as sirenes? Sirenes de carnaval foram utilizadas! Não tinha sirene naquele local ou, se tinham, estavam desligadas. Nenhum trabalhador ali conhecia o soar das sirenes. Por que as sirenes estavam desligadas? Quem fez o teste com as sirenes? A Defesa Civil não tem que ir lá acompanhar? Quando é que isso foi feito? A responsabilidade não é só de um, precisamos responsabilizar todos, para que nenhuma vida mais seja ceifada por causa da exploração predatória e criminosa do minério”.


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