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Idade das Trevas para Quem? A África da Idade Média.

No período da história ocidental que ficou conhecido como Idade Média (476 a 1453), a Europa mediterrânea vivia uma época de descentralização política e baixo volume de trocas comerciais em relação à época anterior, que diz respeito à Grécia e Roma Antiga, e que somente a partir do século XIII que vagarosamente estes fatores passaram a se alterar. Também foi época de predomínio das explicações das questões cotidianas pela fé em lugar de explicações embasadas na razão, dada a força política e econômica da Igreja Católica. De forma exagerada, como vem sido discutido na historiografia, mas ainda assim recorrente no senso comum e nos materiais didáticos de história para ensino fundamental e médio, a época ficou conhecida como “Idade das Trevas”.

mansaO grande problema desse tipo de análise, que deveria levar em consideração apenas o contexto europeu, é englobado para todo o mundo. Passa a impressão de que o mundo inteiro viveu uma época sombria, parada, sem grandes inovações. E não é isso que realmente aconteceu. O período marca o apogeu da civilização Maia e Inca nas Américas, bem como várias sociedades orientais.

Especificamente em África, várias civilizações apresentaram notável exuberância política e econômica. O Reino de Axum, o Império de Gana e o Império de Mali são bons exemplos deste momento.

O reino de Axum se tornou conhecido por volta do ano 100 e seu poder se estendeu até 940. Ao longo do século III, esta organização política conquistou parte da Península Arábica, a Etiópia do Norte e parte da Antiga Pérsia, o que o tornou um dos maiores e mais poderosos impérios deste período. Com as conquistas, Axum passou a dominar as importantes rotas de comércio que circulavam por toda a Península Arábica até além do Mar Vermelho, chegando a estabelecer trocas comerciais com a Índia e a China. Para controlar este comércio, o reino cunhou uma moeda própria.

Um fator relevante do Reino de Axum foi sua cristianização. De acordo com a tradição oral, o rei Ezana, no século IV, foi convencido daigreja doutrina cristã por um monge chamado Frumêncio. Depois da conversão de seu líder, o reino sofreu forte influência do cristianismo e boa parte do reino se converteu, fazendo de Axum um reino cristão. Algumas das construções da época permanecem em pé, como as onze igrejas que foram esculpidas em rochas e se tornaram patrimônio cultural da humanidade. A decadência de Axum tem relação direta com o nascimento e ascensão do islã, que se expandiu por toda Península Arábica.


O Império de Gana foi fundado por volta de 750. Ao contrário do que aparenta esse Império não tem nenhuma relação com o atual país homônimo. De fato, surgiu onde hoje é o sudeste da Mauritânia e no oeste de Mali. Assim como Axum, o Império de Gana se converteu a uma grande religião monoteísta, o islã. Este fato se deu pela forte ligação comercial entre Gana e o norte africano, notadamente uma região muçulmana. Desta forma, o islã foi incorporado pelas elites comerciais e políticas da região.

O comércio transaariano, ou seja, que fazia o transito entre a África ao sul e ao norte do deserto do Saara, era extremamente importante para esta formação política. Localizada próxima a importantes minas de ouro, como Bambuk, os mercadores ganenses tinham em suas mãos um produto valioso para as trocas comerciais com a África do Norte e Europa, uma vez que o ouro sempre foi um metal raro na região mediterrânea. Este comércio ajudou Gana a alcançar grande resplendor, tal que sua capital Kumbi Saleh teve a população estimada entre quinze a vinte mil habitantes.

O fim do Império de Gana se deva a um lento processo de desintegração a partir do momento em que a região foi invadida pela dinastia dos Almorávidas Berberes e teve seu momento final por volta de 1240 quando foi subjulgado pelos mandingas do Império de Mali.

O Império de Mali tem origem, segundo as tradições orais , por volta de 1230. O herói fundador do Império foi Sundjata Keita, após derrotar os sossos, antigos inimigos dos mandingas, se tornando o primeiro Mansa – título mandinga que se assemelha ao título ocidental de imperador – do Mali. Mandinga, como se percebe, ao contrário do que o sentido que o senso comum atribui, não é uma expressão pejorativa sobre religião. De fato, é o nome de uma das várias nações africanas. Estendeu-se pelo território onde hoje é Mali, Senegal, Gâmbia, Guiné, Guiné Bissau e Burkina Faso.
Assim como o Império de Gana, o Império de Mali tinha importante participação nas rotas transaarianas, graças à proximidade das minas de ouro, e sua população era islamizada. Um bom exemplo da relação direta entre islã, ouro e comércio através das rotas transaarianas se dá através da peregrinação de Mansa Musa à Meca. A sua viagem se tornou lendária, tendo em vista que em seu caminho o soberano teria distribuído grandes quantidades de ouro. Talvez por isso tenha ficado tão famoso a ponto de ser representado iconograficamente na Europa, no Atlas Catalã em 1375, feita por Abraão Cresques na cidade espanhola de Maiorca.


O Império de Mali também teve um lento processo de decadência até seu completo desaparecimento em 1545, causado por disputas internas de sucessão e invasões de povos marroquinos. Também pelo fortalecimento das localidades próximas ao litoral oeste africano, fortalecimento este causado pelo advento do comércio atlântico, que gerou poder econômico, e consequentemente político e militar, das localidades próximas à costa. Apesar do desaparecimento do Mali, outro império dos mandingas surgiu graças a estas trocas mercantis por vias atlânticas, o Kaabu, que durou até o século XVIII.

Percebe-se através desta rápida apresentação destas três formações políticas africanas que ao contrário do que acontecia na Europa mediterrânea, a África subsaariana vivia pujante comércio inter-regional através do deserto do Saara e também possuiu formações políticas de grande esplendor. Porém, parte da historiografia tradicional e do que é repassado ao público, apresenta a Idade Média como um período de declínio da história, um grande limbo entre a decadência do Império Romano e as grandes navegações atlânticas empreendidas pelos europeus.

Continuaremos colonizados no campo das ideias ou vamos buscar ampliar nosso conhecimento? Não devemos aceitar passivamente as informações. As bases explicativas da história do mundo não devem girar em torno da história dos europeus. O caminho para o fim da subalternidade passa por todos os aspectos, inclusive de dar cor e voz à história daquelas localidades que não fazem parte do bloco capitalista hegemônico.

Felipe Silveira de Oliveira Malacco

Referências Bibliográficas

História geral da África, II: África antiga / editado por Gamal Mokhtar. – 2. ed. rev. –

Brasília: UNESCO, 2010.

História geral da África, III: África do século VII ao XI / editado por Mohammed El Fasi. – Brasília: UNESCO, 2010.

História geral da África, IV: África do século XII ao XVI / editado por Djibril Tamsir Niane. – 2. ed. rev. – Brasília : UNESCO, 2010.

FERNANDES, Cláudio. "O reino de Axum"; Brasil Escola. Disponível em . Acesso em 02 de junho de 2016.


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