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Criminalização do aborto, a quem beneficia?

Os direitos das mulheres, parcela majoritária da população, são alvo dos ataques da burguesia, sendo a questão do aborto um dos carros-chefes dessa campanha. No Brasil, a empreitada está sendo encabeçada principalmente pela chamada bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia), no Congresso Nacional. Não por acaso, uma das primeiras medidas do governo golpista de Michel Temer (PMDB) foi acabar com o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, que foi transformada na Secretaria de Políticas para Mulheres. A secretária escolhida foi a ex-deputada federal Fátima Pelaes (PMDB-AP), indicada justamente por sua postura conservadora e de ataques aos direitos das mulheres, como é o caso do aborto. Enquanto deputada, Palaes chegou a presidir a Frente Parlamentar da Família e Apoio à Vida e se declarou publicamente contraria ao aborto inclusive em casos de estupro, já permitido por lei.

Assim como toda campanha burguesa de ataques aos direitos da população pobre, a questão do aborto é transvestida de a defesa demagógica da “vida” do feto. Esse apelo de cunho moral e religioso é apenas um engodo para ocultar uma questão econômica e social. O aborto representa um problema de saúde pública, uma vez que mesmo sendo considerada uma prática “ilegal”, isso não impede sua realização, independente da classe social. A diferença é que nos casos das famílias de classe média e alta, os abortos são realizados em clínicas clandestinas e, consequentemente, são feitos em melhores condições. Nos casos das mulheres pobres, que não possuem dinheiro para pagar essas clínicas, elas se submetem a procedimentos de alto risco, em situações insalubres, a exemplo dos métodos que se baseiam no princípio da infecção. Em outras palavras, no Brasil, o aborto é legalizado desde que se tenha dinheiro para pagar; caso contrário, são altas as chances de morte materna.

De acordo com uma publicação do Jornal O Globo, do ano passado, “Em 2013, 65 mil mulheres morreram no Brasil por complicações ao dar à luz, durante ou após a gestação ou causadas por sua interrupção. De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil tem hoje 62 casos a cada 100 mil nascimentos. A meta estabelecida até o fim deste ano pelo ODM, da ONU, era chegar a uma taxa de 35 mortes por 100 mil nascimentos”. A matéria afirma ainda que “o abortamento clandestino constitui a quinta causa da morte materna no país, ‘situação que configura um problema de saúde pública de significativo impacto’, afirma o próprio governo brasileiro no relatório elaborado para o evento ‘Pequim + 20’, que acontece na 59ª Comissão sobre o Estatuto da Mulher da Organização das Nações Unidas (ONU). O documento da Secretaria de Política para Mulheres (SMP), declarava que “Ainda que a legalização do aborto seja uma reivindicação histórica do movimento feminista, o tema encontra forte oposição do crescente setor conservador e religioso da sociedade, de grande influência no Poder Legislativo”.

Outro ponto fundamental da luta das mulheres pela legalização do aborto é a questão do direito democrático: o Estado não pode interferir na vida das pessoas, as mulheres tem que ter o direito de escolher sobre seu corpo. Nesse sentido, lutar pela legalização do aborto significa lutar pela vida de milhões de mulheres, sobretudo as mais pobres que não têm outra alternativa senão realizar o aborto, mesmo com a sua vida em risco. Elas são consideradas criminosas por não terem condições de criar um filho ou por, simplesmente, não poderem optar sobre o próprio corpo.

O Estado quer obrigar as mulheres a terem os filhos, prendendo-as caso opte por não tê-los. No entanto, não garante as condições mínimas necessárias: não há escolas, creches e berçários para as mulheres pobres, que precisam trabalhar. A educação pública está sendo sucateada e prestes a acabar. O mesmo com a saúde. O plano de ajustes fiscal do imperialismo condenou a continuidade do SUS, de modo que os trabalhadores, que não têm condições de pagar por um convênio médico, irão morrer sem atendimento. Moradia e alimentação nem se fala.


Um breve resumo histórico sobre o aborto



abort2O aborto não é uma questão típica da sociedade capitalista. Trata-se de uma técnica milenar, com registros inclusive de experiências realizadas na China, datada entre 2.737 e 2.669 a.C., quando o Imperador Shen Nung citou em um texto a receita de um remédio para abortar, provavelmente à base de mercúrio.

Na Grécia antiga, os principais filósofos, Aristóteles, Platão e Sócrates defendiam o aborto como forma de controlar a natalidade. Era também uma forma de estabilizar a economia, além de preservar a raça dos guerreiros. Na Roma antiga, foi registrada a prática abortos por meios cirúrgicos. Já os Gauleses defendiam que o aborto era um direito natural do pai, o chefe incontestável da família.

Na sociedade capitalista, a proibição do aborto se relacionada com questões econômicas. Em plena revolução industrial, a proliferação do aborto passou a ser vista como um grave problema, pois diminuía a oferta da força de trabalho e, obviamente, os lucros dos capitalistas. Em 1869, durante o Papado de Pio IX, a Igreja Católica considerou o aborto como uma prática criminosa.

A proibição do aborto ficou valendo na grande maioria dos países até a Revolução Russa de 1917. No texto “O Trabalho Feminino no Desenvolvimento da Economia”, a revolucionária Alexandra Kollontai, falou dessa experiência na União Soviética. “Em 20 de novembro de 1920, a república operária sancionou uma lei que abolia as punições atreladas ao aborto. Qual é a motivação por trás dessa nova atitude? A Rússia, afinal, não sofre de superprodução de trabalho vivo, mas sim de sua falta. A Rússia é esparsa, e não densamente povoada. Toda e qualquer unidade de força de trabalho é preciosa. Por que, então, estabelecemos que o aborto não é mais uma infração penal? A hipocrisia e a intolerância são opostas à política proletária. O aborto é um problema ligado à questão da maternidade e, do mesmo modo, tem origem na posição insegura ocupada pelas mulheres (não falamos aqui da classe burguesa, para a qual o aborto tem outros motivos – a resistência a “dividir” uma herança, a sofrer o mínimo de desconforto, a sair de forma ou perder alguns meses da temporada, etc.).

O aborto existe e prospera em toda parte, e nenhuma lei ou medida punitiva foi capaz de eliminá-lo. Sempre há um modo de burlar a lei. Porém, as “soluções” clandestinas apenas debilitam as mulheres; elas se tornam um peso sobre o governo operário, e a força de trabalho é reduzida. Quando realizado em condições médicas adequadas, o aborto é menos prejudicial e perigoso, e a mulher pode voltar ao trabalho mais rapidamente. O poder soviético entende que a necessidade do aborto somente desaparecerá, por um lado, quando a Rússia tiver uma rede ampla e bem desenvolvida de instituições de educação social e de proteção da maternidade, e, por outro, quando as mulheres compreenderem que dar à luz é uma obrigação social. O poder soviético, portanto, permitiu que o aborto seja realizado livremente e em condições clínicas.”


A libertação da mulheres somente pode acontecer com a destruição do capitalismo



A questão do aborto, longe de ser um problema moral, está pautada, principalmente, nas questões sociais e econômicas. A libertação das mulheres somente pode ser compreendida dentro do processo de luta pela destruição do poder do capital e a construção da sociedade socialista. Sem viabilizar as condições materiais para a libertação da mulher, falar em igualdade real de direito não passa de uma ilusão. A visão de que mudanças na linguagens resolvem o problema é uma posição pequeno burguesa, própria das camadas médias da população. Neste sentido, é que deve ser planteada a luta pelos direitos democráticos das mulheres.

Os ataques da direita contra o aborto têm na base o ataque contra os direitos democráticos das mulheres, que sequer tem autonomia sobre seu corpo. Com o aprofundamento da crise capitalista a burguesia tenta se valer da religião, e principalmente da Igreja Católica, para impulsionar a campanha da volta ao lar da mulher. Por um lado, há o sucateamento dos serviços públicos, tais como a educação, saúde e creches, e o crescente desemprego. Mas o objetivo principal se relaciona com a tentativa de colocar fora da cena social as mulheres trabalhadoras, que representam a metade da população.


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