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Microcefalia: crise na saúde pública e a falta de assistência às famílias

Diante da crise na saúde pública brasileira e do aumento dos casos de microcefalia, que vem sendo associado pelo Ministério da Saúde a uma epidemia causada pelo Zika vírus, surge o drama das famílias das crianças portadoras da doença. Nesse conturbado cenário de falência da saúde pública, somado a outras graves crises pelas quais passa a nossa nação, essas crianças e seus familiares veem sendo lesadas nos seus direitos individuais e sociais, em especial o direito constitucional à saúde.

A grave epidemia da microcefalia chama a atenção para a necessidade urgente de grandes investimentos voltados à melhoria das condições de vida da população brasileira. Não por acaso, a maior incidência da doença surge nas áreas mais pobres, regiões com infraestrutura deficiente que são ideais para a proliferação do mosquito e, consequentemente, da doença.

Nas famílias dos bebês nascidos com danos cerebrais tão profundos, as consequências apenas começam a ser conhecidas. As famílias e as crianças vítimas deste surto da má-formação enfrentam, além das limitações impostas pela doença, a falta de assistência médica adequada, demora nas ações governamentais, desestrutura familiar, pobreza e desigualdade social. A falta de vagas em centros de reabilitação e demora no acesso à atenção especializada são alguns dos problemas enfrentados por essas famílias. Isso sem falar que os centros de tratamento especializados são geralmente concentrados nos grandes municípios, o que dificulta o acesso/transporte das famílias que moram nos vilarejos e municípios distantes das capitais.

Além do descaso dos órgãos governamentais, as crianças nascidas com microcefalia enfrentam o abandono, inicialmente do pai, e agora também por parte das mães, que estão esgoto ceu abertosendo obrigadas a deixar seus filhos para a adoção por falta de condições para cuidar dos bebês. Isso porque essas crianças requerem um cuidado quase que exclusivo. Isso impede, na prática, que as mães consigam trabalhar fora de casa, o que, obviamente, inviabiliza o sustento das famílias. Elas se veem entre a “cruz e a espada”: ou ficam em casa cuidando do filho que requer cuidados mais que especiais, sem poder trabalhar e, consequentemente, sustentar a família, condenadas, portanto, a pobreza e miséria, ou “largam” seus filhos para conseguir trabalhar e colocar comida dentro de casa. Nesse último caso, serão presas e criminalizadas por abandono de incapaz. Como se vê, não há saída viável para as famílias pobres.

Por outro lado, a Lei brasileira só permite a interrupção da gravidez em caso de estupro, risco de vida para a mãe ou anencefalia (ausência de parte ou de todo o cérebro). Em caso de diagnóstico de microcefalia, as únicas opções são o aborto ilegal ou o prosseguimento da gravidez, penalizando mais uma vez as mulheres por falhas nas políticas públicas, sendo que a maioria delas vive abaixo da linha da pobreza.


Ou seja, o Estado obriga que as mulheres pobres levem adiante a gravidez, mas não dão as mínimas condições para que possam cuidar dos filhos. Para a esmagadora maioria da população pobre, não há saúde pública, tampouco creches que cuidem dessas crianças em tempo integral. Os benefícios pagos não passam de uma esmola, incapaz de resolver minimante a questão financeira. Remédios, moradia, insumos, tratamento fisioterápico, etc. são “regalias”, inacessíveis à população trabalhadora.

Tal situação demonstra, mais uma vez, a triste realidade das desigualdades sociais que imperam no País e que abandonam seus filhos à própria sorte.


Relatório de médicos argentinos declara que larvicida foi o principal causador da microcefalia


De acordo com a matéria publicada no Jornal da USP (Universidade de São Paulo), no dia 17 de março deste ano, uma associação de médicos argentinos estaria refutando a teoria de que o vírus da Zika fosse o responsável pelos defeitos congênitos (microcefalia) nos bebês no Brasil. De acordo com a matéria publicada na coluna “Ciência Feliz”, do professor Ciro Marcondes Filho, da Escola de Comunicações e Artes da USP, o relatório dos médicos argentinos argumenta “que o responsável por isso seria a Monsanto ou, pelo menos, seu parceiro estratégico, a Sumitomo Chemical (...). A denúncia foi feita pela Organização Médicos em Cidades Pulverizadas, que afirma que um larvicida químico que produz malformações em mosquitos foi introduzido no abastecimento público de água potável em 2014. De acordo com a Organização Curas Naturais Saudáveis, esse veneno, Pyriproxyfen, é usado em um programa controlado pelo Estado, que busca erradicar os mosquitos portadores de doenças. Essa composição tem o efeito de inibir o desenvolvimento evolutivo e causa defeitos de nascimento. O larvicida parece um fator causal plausível na microcefalia. Muito mais que mosquitos transgênicos que alguns têm culpado pela epidemia de Zika”.

O relatório afirma ainda que "as malformações detectadas em milhares de crianças nascidas de mulheres grávidas que vivem em áreas onde o Estado brasileiro adicionou Pyriproxyfen à água potável não são uma coincidência, apesar de o Ministério da Saúde colocar uma culpa direta sobre o Zika vírus por este dano”.

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) também chama atenção sobre os perigos das abordagens com larvicidas e nebulizações químicas.

Por meio de uma nota técnica sobre microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti: os perigos das abordagens com larvicidas e nebulizações químicas – fumacê, a ABRASCO afirma que “fatos que ainda precisam ser questionados e investigados podem justificar a introdução e a disseminação do vírus Zika. É necessário avaliar quais contextos e contingências existiram e aconteceram em 2014 nos locais de aparecimento dos casos de microcefalia”. Conforme a nota, alguns pontos “soltam aos olhos” como “a utilização continuada de larvicidas químicos na água de beber dessas famílias há mais de 40 anos sem, contudo, implicar na redução do número de casos de doenças provocadas por arbovírus. Em 2014 foi introduzido na água de beber das populações nos domicílios e nas vias públicas um novo larvicida o Pyriproxyfen. Conforme orientação técnica do MS[2] esse larvicida é um análogo do hormônio juvenil ou juvenóide, tendo como mecanismo de ação a inibição do desenvolvimento das características adultas do inseto (por exemplo, asas, maturação dos órgãos reprodutivos e genitália externa), mantendo-o com aspecto ‘imaturo’ (ninfa ou larva), quer dizer age por desregulação endócrina e é teratogênico e inibe a formação do inseto adulto”.

Outro ponto crucial no documento relaciona a doença com a pobreza e a falta de saneamento. “A distribuição espacial por local de moradia das mães dos recém-nascidos com microcefalia (ou suspeitos) é maior nas áreas mais pobres, com urbanização precária e com saneamento ambiental inadequado, com provimento de água de forma intermitente, fato que leva essas populações ao armazenamento domiciliar inseguro de água, condição muito favorável para a reprodução do Aedes aegypti, constituindo-se em ‘criadouros’ que não deveriam existir, e que são passíveis de eliminação mecânica”.

O que fica muito claro é a participação direta do Estado com a tragédia envolvendo a epidemia de Zika e microcefalia, seja pelo uso do larvicita (caso fique comprovado as investigações e suspeitas) ou pela falta de saneamento básico, responsabilidade exclusiva dos governos. Como sempre, quem está “pagando a conta” é a população trabalhadora, a principal afetada pela falta de políticas públicas e falta de assistência.


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