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Por que lutar contra a criminalização do aborto?

Independe de qualquer opinião “pessoal”, o aborto é comprovadamente um grave problema de saúde pública, responsável pela morte anual de milhares de mulheres. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgados em 2013, 20 milhões de abortos inseguros são praticados no mundo, sendo que, destes, quase 70 mil resultam em morte materna todos os anos. O levantamento ainda mostrou que 95% dessas mortes acontecem em países em desenvolvimento, a maioria com leis restritivas.

No Brasil essa situação é extremamente crítica. De acordo com os números divulgados pelo Ministério da Saúde, o país registra uma média de quatro mortes por dia relacionadas ao aborto. Até setembro desse ano foram relatados 1.664 casos. Já os dados do Sistema de Notificação de Mortalidade (SIM) indicou que em 2014 foram comprovadas 54 mortes em decorrência da interrupção da gravidez. Entre 2010 e 2014, os registros apontavam uma média de 200 mil internações por ano relacionado a complicações por aborto. Os números preliminares de 2016 já chegam a 123.312. Esses dados representam apenas a ponta do iceberg, já que a grande maioria dos casos sequer são notificados. 

O relatório elaborado pelo governo brasileiro para o evento "Pequim + 20", que aconteceu na 59ª Comissão sobre o Estatuto da Mulher da Organização das Nações Unidas (ONU), mostrou que o aborto clandestino é a quinta maior causa de morte materna no país. Essas mortes podem ser facilmente evitadas com a legalização do aborto já que, segundo a associação Grupo Médico pelo Direito de Decidir, o número de mortes para cada 100 mil abortos legais e seguros é de 0,5. Esse indicador é quase zero quando a interrupção é feita até a 10ª semana da gestação.


Em defesa de um Estado realmente laico


A principal polêmica em torno do aborto é motivada por questões religiosas. Não por acaso, a maior investida contra o aborto é promovida no Congresso Nacional pela bancada evangélica. 

É preciso esclarecer que existe uma imensa diferença entre uma opinião pessoal (ser ou não contrário ao aborto) e o que é Lei (crime). Pessoalmente, todos têm direito às suas opiniões, sejam elas conservadores, progressistas ou revolucionárias, mas elas não poderiam jamais gerir o Estado. As opiniões não são leis. As leis são um conjunto de normas jurídicas. Um crime, por exemplo, é uma conduta que viola essas normas e que está passível de punição pelo Estado, independe de qualquer questão religiosa ou pessoal. Para a religião, por exemplo, cometer um homicídio é um pecado imperdoável. Já para as leis, tal ação pode ser ou não passiva de punição – é o caso de um ato em legítima defesa em que o réu pode ser inocentado.

Nesse sentido, proibir o aborto apenas por questões morais ou religiosas é um atentando a laicidade do Estado. Esse é um ponto central da discussão: não se trata de ser a favor ou não do aborto – essa é uma questão de fórum íntimo. Trata-se de uma luta contra a criminalização das mulheres que optem por interromper a gestação e para acabar com as milhares de mortes resultantes de abortos inseguros, feitos de forma clandestina. Ou seja, o fato de uma pessoa ser ou não contra o aborto não pode ser motivo para que o Estado prenda as mulheres que desejem interromper sua gravidez ou, ainda, de permitir essa verdadeira matança em “clínicas clandestinas” – mortes que, como foi dito, poderiam ser facilmente evitadas.


Criminalizar o aborto: uma medida contra as mulheres pobres e trabalhadoras


Independentemente de o aborto ser ou não considerado crime, na prática, essa é uma ação legalizada. De acordo com um estudo feito pela Organização Mundial de Saúde (OMS), os países com leis que proíbem o aborto não conseguiram reduzir a prática e são responsáveis pelas taxas mais altas.

Segundo os dados da pesquisa, em 1990, os países ricos registravam 46 casos de aborto por cada mil mulheres. Esse número caiu para apenas 27, em 2014. Nos países em desenvolvimento essa redução foi insignificante - de 39 para 37 casos (por cada mil). No total, o levantamento aponta que cerca de 56,3 milhões de abortos são realizados a cada no ano mundo, seis milhões a mais que em 1990 – uma média de 35 casos para cada mil mulheres.

Esse é um fenômeno típico dos países pobres, que são responsáveis por 88% desses casos. Em termos proporcionais, os números cresceram de 39 milhões - em 1990 - para 50 milhões. O contrário do que ocorreu nos países ricos, que conseguiu reduzir de 12 milhões para sete milhões. 

Como se vê a proibição do aborto nada tem a ver com uma possível defesa à vida, até porque fica evidente que proibir a prática serve apenas para aumentar o número de mortes. O que está em jogo é um importante direito democrático das mulheres, que devem decidir sobre o seu corpo. Legalizar o aborto significa que o procedimento será feito de forma segura pelo SUS, obrigando o Estado a investir na área e em profissionais para dar um melhor acompanhamento médico às gestantes.


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