• Entrar
logo

Crise na cúpula das Américas

A VIII Cúpula das Américas ocorreu entre os dias 13 e 14 de abril, na cidade de Lima, Peru, e não contou com a presença, por motivos distintos, do presidente dos EUA, Donald Trump, e do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro – duas das principais lideranças do continente. O evento aconteceu em um contexto internacional caracterizado por tensões econômicas e instabilidade geopolítica. Assistimos, portanto, a um período no qual as disputas entre os Estados nacionais voltaram ao cerne da agenda política. Isto foi condicionado pela crise econômica internacional, iniciada em 2008. A isso se deve a atual política intervencionista dos EUA, que buscam por todos os meios recuperar sua zona de influência nas Américas (disputada diretamente com a China).

O presidente norte-americano anunciou que não participaria da reunião de chefes de Estado em questão para seguir de perto o desenrolar dos embates na Síria, país que mandou bombardear em uma manobra conjunta com a França e o Reino Unido. Desta maneira, Trump não apenas cancelou o que teria sido sua primeira viajem à região, como também se converteu no primeiro presidente dos EUA a não participar de uma Cúpula das Américas. Em seu lugar, enviou o vice-presidente, Mike Pence, uma figura política sem prestígio e sem poder para negociar a anulação das tarifas sobre o aço e o alumínio com os representantes latino-americanos presentes no evento.

Por outro lado, a situação de Maduro é bastante diferente. Foi o próprio governo peruano, a pedido dos Estados Unidos e com o apoio do Grupo de Lima (um ente político na América do Sul de oposição à administração Nicolás Maduro), quem vetou a participação do presidente venezuelano. Esta havia sido uma das exigências de Trump, que foi prontamente apoiada pela dúzia de países que formam o Grupo de Lima e cujo único objetivo é defender, na esfera regional, a política de ingerência imperialista sobre a Venezuela.


Combate à corrupção? 


Se a ausência de Trump e Maduro retiraram grande parte do "brilho" da Cúpula, o eixo temático sob o qual se organizou o evento não deixou de ser um tema polêmico. A VIII Cúpula das Américas, intitulada “Governabilidade democrática frente à corrupção”, se realiza no mesmo país cujo presidente, Pedro Pablo Kuczynski, renunciou em virtude dos supostos escândalos de corrupção. Kuczynski deixou o cargo poucas semanas antes do evento, em meio a uma investigação acerca de sua relação com a construtora Odebrecht, e que terminou com a acusação de compra de votos no Congresso para evitar a sua queda. Seu sucessor, o vice-presidente Martín Vizcarra, havia se "auto exilado", no ano passado, como embaixador no Canadá, teoricamente para fugir das denúncias de haver permitido e promovido o desvio de dinheiro público para empresas privadas.

Entretanto, o paradoxo desta "cúpula anticorrupção" não se encerra nos escândalos do país anfitrião. No mesmo evento, estiveram presentes o presidente golpista brasileiro, Michel Temer, acusado por diversos escândalos de corrupção; o argentino Mauricio Macri que, junto a seu staff, não para de abrir contas offshore nos principais paraísos fiscais do mundo e os presidentes de Panamá, Guatemala y Honduras, acusados por evasão de divisas, subornos e fraude.

É interessante perceber que tanto Michel Temer quanto Maurício Macri foram elementos impostos pelo imperialismo. O primeiro, em um golpe de Estado, que teve como principal desculpa o suposto combatendo à corrupção, e o segundo através de uma fraude na eleição burguesa contra o governo de frente popular da ex-presidente Cristina Kichner. De fato, o “combate a corrupção” é uma fantasia do imperialismo estadunidense, que nunca se furtou de usar de corrupção quando seus interesses em países mais atrasados eram colocados em cheque. No Brasil, este exemplo é claro. Muitos políticos comprovadamente corruptos, mas que aplicam os interesses do capital internacional na política brasileira, continuam com seus cargos, enquanto outros, como a ex-presidenta Dilma Rousseff, são tirados sem nenhuma comprovação – o que mostra que toda essa história de corrupção é usada somente quando de interesse imperialista.

Ainda que diante de uma situação tão nefasta, os chanceleres dos países participantes firmaram um acordo que deverá ser assinado pelos presidentes, que inclui a aceitação de métodos absolutamente antidemocráticos, como a delação premiada, e um conjunto de medidas que favorecem a interferência direta do imperialismo estadunidense na região.

Ao longo das nove edições da Cúpula das Américas, oito Reuniões de Cúpulas e uma Reunião Especial (em Monterrey, México, em 2004) foram utilizados, indistintamente, tópicos como a "luta contra o narcotráfico", os "acordos de livre comércio", ou ainda, a "estabilidade democrática" para atar os países da região aos interesses dos Estados Unidos. Agora, o tema fantasia da vez é a "luta contra a corrupção", maneira que o imperialismo encontrou para submeter e derrotar a soberania dos países latino-americanos. O caso mais evidente desta política é o brasileiro, no qual, mediante as delações premiadas e a interferência direta de uma justiça imperialista, buscam modificar não apenas a estrutura econômica, mas também a estrutura política do país. Tendo o juiz Sergio Moro como “testa de ferro”, um personagem formado diretamente pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, buscam um modelo de ingerência que permita atacar as empresas estatais e o capital nacional que compete com as multinacionais norte-americanas de uma forma mais efetiva, além de modificar o mapa político para melhor atender aos seus interesses.


Tentativa imperialista de ingerência na Venezuela 


Embora o tema “Venezuela” não esteja na agenda oficial, seguramente é crucial à Cúpula, sendo impulsionado pelos países do Grupo Lima. É de interesse deste grupo político que tal discussão caminhasse no sentido de veto à participação de Maduro na cúpula das Américas, de construção de uma política de apoio a direita golpista venezuelana e que procurasse aumentar a pressão em prol de um maior controle e um aumento das sanções ao governo venezuelano.

Outro aspecto que poderia gerar discussões está relacionado ao comércio. Não faz muito tempo, os EUA iniciaram uma acirrada guerra comercial contra os produtos chineses. O secretario de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross, adicionou um pouco de tensão sobre este ponto ao afirmar que "Washington não deixará a liderança comercial em seu próprio continente cair nas mãos de países autoritários", em uma clara alusão à China.

O que se busca com tudo isso é retirar da agenda a discussão sobre o fracasso retumbante das políticas neoliberais, que, desde os anos 80, foram promovidas como as “únicas alternativas coerentes” para tirar da pobreza e do atraso secular que padecem nossos países por sua condição semicolonial.

Os principais argumentos da direita americana, que empunha a bandeira do imperialismo para avançar em sua ingerência para com a Venezuela, são: a “crise humanitária” e a ausência de “democracia”. Não obstante, o uso das calamidades que o povo Venezuelano sofre por parte dos países imperialistas, sob a caracterização de “crise humanitária”, não passa de uma propaganda política. 

Na realidade, este é um argumento cínico, que busca dar cobertura a uma maior ingerência, uma vez que o imperialismo estadunidense vem sendo responsável por inúmeros desastres humanitários nas mais variadas regiões do mundo – basta observar as ondas migratórias resultantes dos conflitos no Oriente Médio. Pior, conduzem uma política criminosa dentro de suas próprias fronteiras, principalmente contra os milhares de migrantes, destilando a xenofobia e o ódio. 

Por isso, o verdadeiro conteúdo das preocupações “humanitárias” na Venezuela não é outro senão encobrir os arroubos intervencionistas em busca do petróleo que existe no país e legitimá-los diante da opinião pública internacional, com o respaldo deste tipo de Cúpulas, como a que se realizou no Peru. Em outras palavras: não passa de mais uma iniciativa imperialista de fazer ingerências em outros territórios, tal qual foi a prática dos Estados Unidos no Iraque, Palestina e mais recentemente, na Síria. A “defesa da democracia”, que os estadunidenses utilizam como justificativa para realizar esse tipo de ataque não passa de uma mentira deslavada. Essas ações, de fato, só servem para salvaguardar os interesses do grande capital onde ele é ameaçado.

Devemos denunciar categoricamente todo o tipo de sanções imperialistas contra a Venezuela e qualquer ameaça de intervenção, seja com pretexto "humanitário", "anticorrupção" ou "narcotráfico". O imperialismo não tem qualquer interesse nesse tipo de questão, a não ser para “recuperar” a Venezuela segundo seus interesses, com um governo marionete, tal como já o faz com a maioria dos países da América Latina. 



Topo