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Candomblé e Umbanda: os ataques às religiões afro-brasileiras

O debate sobre a intolerância religiosa tem ganhado espaço na imprensa recentemente. Casos como o da menina Kaylane Campos, atingida por uma pedrada na cabeça, aos 11 anos de idade, no bairro da Penha, na Zona Norte do Rio, quando voltava de um culto reacendem a questão: por que os adeptos da umbanda e do candomblé, e suas variações, são tão atacados por conta de sua religião? Não é nenhuma coincidência o fato de Kaylane estar trajada de vestimentas religiosas candomblecistas no momento do atentado, assim como também não é eventualidade os constantes incêndios nos terreiros de candomblé, a exemplo do ocorrido em Brasília.

Segundo alguns especialistas, duas explicações destacam-se entre tantas. Por um lado, o racismo e a discriminação que remontam à escravidão e, desde os tempos do Brasil colônia, rotulam tais religiões pelo simples fato de serem de origem africana. Por outro, a ação de movimentos neopentecostais que nos últimos anos tem usado, de maneira falsa e descontextualizada, de mitos e preconceitos para "demonizar" e insuflar a perseguição contra umbandistas e candomblecistas.


Contexto histórico



Os ritos africanos que cultuam os orixás e outras divindades africanas têm início no Brasil nos meados do século XVI, trazidos pelos negros africanos escravizados através do tráfico atlântico.

O Candomblé, de acordo com alguns pesquisadores, teve sua origem na Bahia e constituiu-se, até a metade do século XX, numa instituição de resistência cultural à escravidão e aos mecanismos de dominação da sociedade branca de maioria cristã, mecanismos estes que por um longo período marginalizaram os negros africanos e os afro-brasileiros, mesmo após 1888, ano em que ocorreu a abolição da escravatura.

Constituída inicialmente como religião de preservação étnico-cultural, o Candomblé transformou-se numa religião de dimensão universal, desprendendo-se das amarras étnicas, raciais, geográficas e de classes sociais no final da década de 1940 e início da década de 1950.

Enquanto isso, já no início do século XX, formou-se uma nova religião afro-brasileira no Rio de Janeiro, que recebeu a denominação de Umbanda, nascida a partir da síntese do Candomblé Bantu e de Caboclo, que foram transportados da Bahia para o Rio de Janeiro e criou o discurso que prometia ser a única religião afro-brasileira capacitada para ser universal e estar presente em todo o Brasil. Chamada por muitos de “religião brasileira”, a Umbanda juntou o catolicismo branco, a tradição dos orixás da vertente negra africana, símbolos, espíritos e rituais de referência indígena.

Por sua vez, o Candomblé alargou seus laços territoriais expandindo-se da Bahia para todo o Brasil. Cabe ressaltar ainda que, recentemente, o Candomblé requereu sua constituição como religião autônoma, abandonando os símbolos, práticas e crenças católicas, num movimento chamado de africanização do Candomblé.


Dificuldades e ataques contra as religiões afro-brasileiras



Apesar das constantes transformações no cenário das religiões afro-brasileiras, resultados da sua busca pela legitimação social, pelo crescimento e pelo reconhecimento como religiões universais, atualmente o conjunto das religiões afro-brasileiras passa por dificuldades, principalmente a perda de adeptos e os constantes e intensos ataques contra as suas livres manifestações.

Segundo pesquisas, em 1980, apenas cerca de 0,6% da população se declaravam membros das religiões afro-brasileiras, caindo para 0,4%, em 1991. Mais recentemente, em 2000, somente 0,3% da população no Brasil declararam-se membros das religiões afro-brasileiras, o que corresponde a pouco mais de 470 mil seguidores. Esses números revelam o declínio do segmento das religiões afro-brasileiras.

Não bastasse o problema da perda de adeptos do conjunto das religiões afro-brasileiras, nos tempos atuais, o Candomblé e a Umbanda continuam sofrendo agressões e perseguições, agora não somente pela polícia e pelos órgãos oficias, mas pelos seus rivais, principalmente os de orientação neopentecostal, e seguem atacados pelo enorme preconceito.

Mesmo nos dias de hoje, quando uma suposta liberdade religiosa parece fazer parte da vida brasileira, muitos adeptos das religiões afro-brasileiras ainda se declaram católicos, fazendo com que as religiões afro-brasileiras apareçam subestimadas nos censos e pesquisas oficiais do Brasil.

O suposto “declínio” do conjunto das religiões afro-brasileiras não se resume apenas às suas condições históricas, mas também a razões como as novas condições da expansão das religiões no contexto do mercado religioso criado pelos ferozes ataques das igrejas neopentecostais.

 

A influência do mercado religioso



O mercado religioso vem impondo mudanças constantes em seu cenário, que as religiões afro-brasileiras não podem assumir.

Muito vinculadas às suas tradições, elas não conseguem se atualizar e entrar no dito mercado religioso de maneira competitiva e enfrentar os seus “concorrentes”, que agem de forma agressiva, impiedosa e nem sempre verdadeira, crescendo às custas dos ataques aos deuses e entidades do Candomblé e da Umbanda.

As religiões afro-brasileiras se constituem como reunião de grupos pequenos, que são os terreiros, ao contrário das religiões de massa, como é o caso da católica e, especialmente, das neopentecostais, que a partir dos anos 1980 transportaram suas reuniões religiosas para grandes templos e igrejas, localizados em regiões de grande visibilidade, fluxo intenso e contínuo de pessoas, utilizando a grande mídia, principalmente o rádio e a televisão, para oferecerem seus cultos, disponibilizando às pessoas seus discursos religiosos, de forma rápida e fácil, além de treinarem seus pastores para uma pregação uniforme, imediatista e alienante (no caso das igrejas evangélicas neopentecostais), e criarem grandes espetáculos para uma quantidade enorme de pessoas em missas dançantes celebradas por padres cantores (no caso da igreja católica).

De fato, o que assistimos é a transformação da lógica religiosa do cristianismo em uma lógica puramente mercadológica. O capitalismo atua, dialeticamente, em todas as vertentes da sociedade, seja ela econômica, política, social ou cultural. Com as religiões não é diferente. Ocorre que, por sua própria lógica de culto, as religiões afro-brasileiras não podem e não devem aderir a essa “lógica de mercado da salvação das almas”.

Além disso, como dito, o principal fator para o declínio do número de adeptos às religiões afro-brasileiras é justamente a perseguição sofrida pelos seus praticantes. Inúmeros são os casos, principalmente no Rio de Janeiro, de mães ou pais de santos perseguidos por traficantes, correndo riscos de vida, que atuam à mando dos “seus” pastores.

Por isso, é necessário um amplo trabalho de explicações sérias sobre as religiosidades africanas, para que a racista demonização que sofrem seja impugnada. A liberdade e a não mercantilização religiosa são bandeiras que devem ser defendidas com unhas e dentes. Afinal, muito ainda se mata em “nome de Deus”.


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