Publicaremos nesta edição a segunda parte dos artigos sobre o livro “Compêndio de O Capital”, de Carlo Cafieiro, referente aos capítulos III, IV e V da obra.
O primeiro debate é sobre a jornada de trabalho, que segundo o autor, é o primeiro meio empregado pelo capitalista em benefício do seu capital. Contudo, a jornada de trabalho tem seus próprios limites, já que um dia não tem mais do que 24 horas. Ocorre que estes limites são, por si mesmos, muito elásticos e deixam muito espaço para manobra. Basta ver que existem jornadas de trabalho que variam entre 6, 10, 12, 14 horas etc.
“O tempo durante o qual o operário trabalha é o tempo durante o qual o capitalista consume a força de trabalho, que ele comprou do operário (...). O capitalista não se apoia em outra coisa que não seja a lei das trocas das mercadorias. Ele, como todo comprador, procura tirar da mercadoria, do seu valor de uso, maior benefício possível”, explica o autor. Assim, continua Cafieiro: “O capitalista mantém seu direito como comprador, quando procura prolongar a jornada de trabalho o máximo possível e tentando fazer de dois dias um só. Por outro lado, a natureza especial da mercadoria vendida exige que o seu consumo pelo comprador não seja ilimitado, e o trabalhador mantém o seu direito como vendedor, quando quer restringir a duração da jornada de trabalho a uma duração normalmente determinada. Direito contra direito, entre o capitalista e o trabalhador, de acordo com a lei de troca das mercadorias, há um empate. E, o que decide entre dois direitos iguais? A força".
As longas jornadas de trabalho, o excesso de trabalho, tornou-a destrutiva para o homem. Diversos são os exemplos apresentados pelo autor para descrever as atrocidades cometidas pela grande indústria, que chegava a matar seus operários de tanto trabalhar, com jornadas que duravam até 26 horas.
É inegável que o capital tortura o trabalhador, o qual, depois de muito sofrer, procura, finalmente, defender-se. “Os trabalhadores se organizam e exigem que o Estado determine uma duração para a jornada de trabalho. E o que pode esperar disso? Resposta fácil, considerando que a lei é feita e aplicada pelos mesmos capitalistas: os operários deverão estar sempre atentos às medidas tomadas pelos patrões e unidos para protegerem as suas vidas”, constata Cafieiro.
A mais-valia relativa
“A força de trabalho, produzindo um valor maior do que ela vale, isto é, uma mais-valia, gerou o capital: aumentando ainda esta mais-valia através do prolongamento da jornada de trabalho, conseguiu o capital o alimento suficiente para a sua primeira idade”, explica Cafieiro. Contudo, conforme o capital vai crescendo, a mais-valia precisa ir aumentando, algo que até então era feito pelo aumento direto da jornada de trabalho.
Entretanto, graças ao limite natural da jornada de trabalho (24 horas que compõem o dia), a mais-valia encontra um obstáculo intransponível. Como fazer para "burlar" esse obstáculo? A “resposta” do capitalista é: “por meio do aumento do sobretrabalho – pela redução do tempo de trabalho necessário para a produção”.
Para facilitar o entendimento, vamos ao seguinte exemplo: temos um trabalhador que recebe R$ 100 de salário para trabalhar por 10 horas. Com a primeira metade da sua jornada (as primeiras cinco horas de trabalho) esse operário produz o valor do seu salário, e, com a outra metade, produzia R$ 100 reais de mais-valia. Essa primeira parte da jornada chamamos de trabalho necessário, enquanto que a segunda parte chama-se trabalho excedente ou sobretrabalho. O capitalista então, “observa que o sobretrabalho tem dois limites, um B (o fim da jornada) e o outro é C (quando acaba o tempo de trabalho necessário). O limite B é irremovível: o capitalista não pode criar um dia com mais de 24 horas. Mas o mesmo não acontece com o limite C”. Logo, diminuindo o tempo de trabalho necessário, o sobretrabalho aumenta a sua extensão. “A mais-valia encontra, assim, uma forma de continuar crescendo; agora, não mais de modo absoluto; isto é, simplesmente prolongando a jornada de trabalho. A partir desse momento, a mais-valia cresce em relação ao aumento do sobretrabalho e à correspondente diminuição do tempo de trabalho necessário. No primeiro tipo de exploração, que chamamos de mais-valia absoluta, o patrão esticava a jornada de trabalho de 10 para 12 horas; no segundo tipo de exploração, que chamamos de mais-valia relativa, o capitalista a embolsa, diminuindo o tempo de trabalho necessário”.
Assim, explica o autor, “o fundamento da mais-valia relativa é a diminuição do trabalho necessário. A diminuição do trabalho necessário se fundamenta na diminuição do salário; a diminuição do salário se fundamenta, por sua vez, na diminuição do preço dos produtos necessários ao trabalhador; portanto, a mais-valia relativa é fundamentada no barateamento das mercadorias que servem ao operário”. Por mais “honesto” que possa ser o capitalista (o patrão) ele fará uso dessa forma de exploração, pois essa é uma das leis do sistema capitalista.
Cafieiro finaliza esse ponto esclarecendo que “quando este aumento de produção atinge os produtos necessários ao trabalhador e sua família, cai o preço da força de trabalho e com isso diminui também o tempo de trabalho necessário, aumentando o sobretrabalho, que constitui a mais-valia relativa”.
Cooperação
O crescimento acelerado do capitalismo traz novas necessidades. Assim se estabeleceu o trabalho cooperativo, “que é o trabalho realizado com a união de muitas forças. Naquela fábrica, que antes empregava uma só força de trabalho, hoje atuam muitas forças de trabalho em cooperação. O capital saiu de sua infância e se apresenta, pela primeira vez, com o seu verdadeiro aspecto”, elucida o autor.
Mais quais são as vantagens da cooperação? Pelo menos quatro, afirma o autor. A primeira é a de “realizar a verdadeira força de trabalho social. Já vimos: força de trabalho social é a força média entre um número de operários, trabalhando com grau médio de habilidade e intensidade, em um determinado centro de produção”. A segunda “está na economia dos meios de trabalho. O mesmo prédio, as mesmas instalações etc., que antes serviam apenas a um, hoje servem para muitos operários”. A terceira é o aumento da força de trabalho: “o poder de ataque de um esquadrão de cavalaria ou o poder de resistência de um regimento da infantaria difere essencialmente da soma de forças individuais de cada cavalariano ou de cada infante. Do mesmo modo, a soma de forças mecânicas dos trabalhadores isolados difere da força social que se desenvolve quando muitas mãos agem simultaneamente, na mesma operação indivisa, por exemplo, quando é necessário levantar uma carga, girar uma pesada manivela ou remover um obstáculo. A quarta vantagem é a possibilidade de combinar a união de forças de trabalho para a execução de trabalhos que uma força isolada jamais conseguiria; e se o tentasse o faria de modo muito imperfeito.
E conclui: "A cooperação é o modo fundamental da produção capitalista”.