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Escola sem partido já é realidade antes de ser aprovado

O Projeto de Lei 7180/14, conhecido popularmente como “Escola sem partido”, teve sua votação adiada pela nona vez, no último dia 22, após pedido de vista coletivo, uma obstrução orquestrada pelos partidos contrários ao projeto. O texto que tramita inclui entre os princípios do ensino, o “respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis”, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa. Sob a égide da moral conservadora burguesa, o projeto busca apoio na sociedade sob a falsa alegação que a “doutrinação comunista” é um fato e um risco para as crianças e jovens e que as questões de gênero não devem ser “ensinadas” nas escolas. O PL visa acabar com a livre discussão política nas salas de aula, mantendo apenas as ideologias das classes dominantes. Por essa razão, foi apelidado por professores em todo o País como “Lei da mordaça”, já que os professores não terão liberdade para apresentar os conteúdos de acordo com sua perspectiva teórica e metodológica, o que viola o princípio constitucional da liberdade de cátedra, além de restringir os conteúdos a serem abordados em nome de preconceitos morais e religiosos. 
O projeto também ganhou as redes sociais com a hashtag “#escolalivre”, que alcançou os assuntos mais comentados do mundo, os chamados “Trending Topics” da rede social Twitter, no dia 13 de novembro, quando a reunião da Comissão da Câmara dos deputados, que analisa o Projeto, foi suspensa. A próxima sessão da Comissão Especial, que pode aprovar o Projeto, está marcada para dia 29 de novembro.


Conservadores propõem que censura comece pelos próprios alunos

 

Antes mesmo de ser aprovado no Congresso Nacional, o Projeto já se tornou uma difícil realidade na vida de muitos professores. Após as eleições deste ano, a direita conservadora tenta colocar a censura em prática nas salas de aula através dos próprios alunos. A deputada pelo PSL e professora de Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo, criou uma página nas redes sociais onde incentivava os estudantes a denunciarem os "doutrinadores" através de filmagens das aulas ou gravações, uma afronta ao trabalho dos docentes. Cabe ressaltar que circulam fotos nas redes sociais em que essa mesma deputada aparece dando aulas vestindo blusas com o rosto de Jair Bolsonaro. Tal fato exemplifica a real proposta do “Escola sem Partido”. Trata-se, efetivamente, de uma forma de impedir que qualquer pauta progressista apareça na sala de aula, ao mesmo tempo em que permitir a apologia aos partidos da classe dominante. O mesmo se dá com relação à religião. Não há nenhuma defesa das “convicções” pessoas, pelo contrário. As religiões de matriz afro, ou mesmo os que não possuem religião e que se consideram ateus, serão perseguidos como se estivéssemos retrocedendo ao período da inquisição. O Estado laico, único capaz de assegurar uma verdadeira liberdade religiosa, está sendo suprimido de uma vez por todas. 
O conservadorismo na sociedade não surgiu agora, com a ascensão de um governo de cunho fascista ao poder. A abordagem de pautas progressistas e científicas, que ferem crenças religiosas e valores pequeno-burgueses, sempre foi alvo de questionamentos por parte dos conservadores. Não por acaso, a fake News do “kit gay” foi a mais propagandeada durante as eleições.
O diferencial deste momento é o avanço assustador das mentiras e distorções sobre o trabalho docente. Pais de alunos  têm ido às escolas “cobrar satisfação” sobre o trabalho de professores acusados de defenderem a inexistente “ideologia de gênero” e a “doutrinação comunista”. Tal prática é estimulada por discursos e ações de grupos de direita, como o MBL (Movimento Brasil Livre), cujos vereadores eleitos têm promovido uma verdadeira caça às bruxas contra professores nas cidades onde legislam. Em Porto Alegre, um professor de língua portuguesa foi sumariamente demitido de uma escola particular sob a argumentação de que o mesmo fazia “apologia a sexualização e ideologia de gênero”, ao pedir a leitura do livro de crônicas “Nu de Botas”, de Antônio Prata. A obra trazia passagens marcantes da infância do autor, relatando parte de sua vida quotidiana, que poderia ser também a realidade de muitas crianças e adolescentes.
No último dia 24, o deputado federal eleito, Daniel Silveira (PSL/RJ), que quebrou a placa em homenagem à vereadora Marielle Franco, gravou um vídeo ameaçando professores e a diretora do Colégio Estadual Dom Pedro II, em Petrópolis (RJ), chegando a declarar que a diretora teria entregue, há dois anos, a chave da escola para “vagabundos da esquerda tomarem a escola e atrapalharem as aulas”, em alusão ao movimento de ocupação da escola que protestou contra o sucateamento na rede estadual de ensino. 
Em virtude dessa patrulha ideológica que vem sendo promovida pela direita conservadora, muitos professores de escolas privadas têm evitado fazer discussões e debates sobre assuntos que podem gerar polêmicas e acabar levando-os à demissão. Em entrevista ao site G1, diversos professores (que não tiveram seus nomes divulgados para resguardar a identidade) relataram a “paranoia” e o medo instaurado em virtude dessa perseguição: "A gente criou uma paranoia tão grande, uma autocensura, que qualquer coisa pode ser motivo para ser ridicularizado ou perder o emprego. Não trabalhamos por hobbie, precisamos levar comida para casa", disse um dos entrevistados.


Reitores e governadores se posicionam


O avanço da direita não está passando sem reação. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), foi um dos primeiros políticos a mostrar uma atitude contrária à proposta. Em sua conta nas redes sociais, Dino divulgou a edição do Decreto “garantindo Escolas com Liberdade e Sem Censura no Maranhão, nos termos do artigo 206 da Constituição Federal”. O governador afirmou ainda que o projeto defendido pelo Presidente fascista Jair Bolsonaro (PSL) “tem servido para encobrir propósitos autoritários incompatíveis com a nossa Constituição e com uma educação digna". 
No mesmo dia, o secretário Educação da Paraíba, Aléssio Trindade, também assinou uma recomendação assegurando que as escolas “não interfiram na liberdade de cátedra dos professores”. O compromisso foi firmado com o Ministério Público Federal (MPF), na presença de representes da prefeitura de João Pessoa e de reitores de universidades públicas e privadas. 
O reitor da Universidade de São Paulo (USP), Vahan Agopyan, também teceu várias críticas ao movimento “Escola sem partido”. Segundo ele, a USP, assim como as outras universidades brasileiras, goza de autonomia e não existe possibilidade de evitar que o debate ocorra dentro delas. Logo após a declaração, professores que lecionam na instituição lançaram uma carta de apoio ao reitor com mais de 100 assinaturas. No documento, os autores afirmam que a defesa dos valores democráticos e a garantia da liberdade de pensamento, expressão e ensino, além da autonomia universitária, são "elementos substanciais para a existência de uma Universidade independente, apta a formar cidadãos". 

 

Escola sem partido e a privatização do ensino

 

O que vemos no corpo do Projeto, que passa por uma comissão na Câmara dos deputados, é o total cerceamento aos conteúdos das disciplinas da área das Ciências Humanas, justamente as que têm por objetivo estimular a criticidade do aluno ao debater a sociedade sob diferentes abordagens. Assim, a proposta casa-se perfeitamente com a intenção privatista da Reforma do Ensino Médio, que prevê a redução e a exclusão de disciplinas de certas áreas do ensino, o que levaria vários educadores ao desemprego ou a condições de trabalho ainda mais sucateadas e precárias. 
Incentivados pelos interesses imperialistas de grupos educacionais de alcance global, como o grupo Kroton, o processo de mercantilização da educação deseja tornar a escola um lugar de transferência de conhecimento, onde o professor é o “fornecedor” e o aluno, o “cliente”, deixando de lado sua função de formar o aluno em cidadãos críticos. Quem puder pagar, será educado, quem não puder, não terá direito ao estudo.
Numa primeira avaliação (superficial), poderíamos dizer que o “Escola sem Partido”, em conjunto com a Reforma do Ensino Médio – que irá retirar a obrigatoriedade das disciplinas de Ciências Humanas (história, filosofia e sociologia) da grade curricular – quer apenas que os alunos não sejam formados para desenvolverem um senso crítico, que apenas aprendam o básico necessário para irem para o mercado de trabalho e se tornarem engrenagens da máquina imperialista. Sem contestação das regras vigentes, o aprofundamento da exploração se tornaria cada vez maior. Mas a questão é mais profunda e está relacionada à crise sem precedentes do capital. O que está previsto para o próximo período é a destruição total da educação pública, junto à exclusão da parte mais pobre da classe trabalhadora do sistema escolar e do emprego. O “Escola sem Partido” tem como verdadeiro objetivo perseguir e calar aqueles que se propuserem a lutar em defesa da educação pública.
O que fica cada vez mais evidente com esses projetos é a precarização e a privatização do ensino público em todos os aspectos, a começar pela redução de postos de trabalho e a introdução do ensino a distância no ensino médio. Todas as mudanças estão focadas em atacar a classe trabalhadora, os jovens e os professores, tudo em busca dos lucros de grandes empresas que tratam o ensino como mercadoria. Devemos defender com unhas e dentes essa que foi uma conquista histórica da classe trabalhadora: o ensino público e de qualidade para todos, em todos os níveis.


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