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“Tudo isso poderia ter sido evitado se o lobby das mineradoras não tivesse atuado”

O Jornal Gazeta Operária (JGO) entrevistou o coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Pablo Dias, sobre o crime da Vale – o rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG).

Jornal Gazeta Operária (JGO): O recente rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), já deixa um rastro de mais de 100 mortes, o que o coloca como o maior crime ambiental e social da história do Brasil. Qual a situação atual das vítimas e famílias? Como tem sido a atuação da Vale?

Pablo Dias: Ainda não dá para dimensionar necessariamente o tamanho do impacto ambiental e de todo o impacto social. Mas, sem dúvidas, é o maior crime com perda de vidas humanas da história do Brasil. A gente tem dito que é um massacre e, de fato, é um massacre porque são mais de cem mortes (121 contabilizadas só até o último dia 3 de fevereiro), e cerca de 350 desaparecidos, o que é, disparado, o maior crime contra as vidas humanas. É necessário acompanhar, monitorar e avaliar os impactos socioambientais, mas sem dúvidas, é um dos maiores, comparado a Mariana, mas existe um elemento que é muito preocupante que é a dimensão do rompimento. Se a lama continuar descendo, ela vai passar e cair no Rio São Francisco e, do local do rompimento até a foz do Rio São Francisco, são 2100 km de rio, o que causaria problemas sociais de acesso à água, problema de acesso à plantação, mortalidade de peixes e pescadores que vão deixar de ter acesso a renda etc., o que causaria danos sociais e ambientais gigantescos e, provavelmente, ultrapassaria em largas proporções o crime da Samarco-Vale -BHP no Rio Doce.

JGO: Quais serão as consequências desse rompimento em curto, médio e longo prazo? Existe a possibilidade de outros rompimentos?

Pablo Dias: Avaliamos que os rompimentos de barragens fazem parte do mecanicismo de funcionamento da lógica da mineração em Minas Gerais e no Brasil, que é um modo privatista. Ou seja, as empresas privadas transnacionais da mineração que atuam aqui, elas atuam interessadas no lucro. O meio ambiente, as vidas humanas, a vida da população etc. é secundária diante do lucro. Então todo o processo de fiscalização é secundário, os licenciamentos são todos acelerados, enfim, todos os mecanismos que poderiam inviabilizar ou impossibilitar que crimes como esses voltassem a ocorrer não acontecem. Temos ainda um processo de impunidade diante dos crimes que são cometidos, como o caso de Mariana. O juiz da 12ª vara, responsável pelo caso, a cada dia toma decisões que são sempre favoráveis às mineradoras. O processo criminal até hoje não foi levado a cabo e ninguém foi preso diante do crime da Samarco, em Mariana, no Rio Doce – temos uma série de decisões que são favoráveis às mineradoras e contra a população, contra os direitos. Então, essa impunidade possibilita que novos crimes, como o de Brumadinho, aconteçam. Existem diversas outras barragens em situação de risco. Só aqui em Minas Gerais são mais de 50 barragens em situação de alto grau de risco, com problemas de estrutura etc. Temos indícios profundos que há riscos que novos desabamentos ocorram e, só para ter uma dimensão, no Brasil tem ocorrido praticamente um rompimento por ano desde 2012. Houveram alguns maiores, o de Mariana, em 2015, que foi gritante, esse agora de Brumadinho, mas houveram outros rompimentos  de menor porte, com menos vítimas fatais e menor tamanho de impacto, mas têm acontecido e temos denunciado isso em todas as ocasiões.


JGO: Qual o impacto da privatização com os crimes da Vale?

Pablo Dias: As privatizações sem dúvida são um elemento fundamental dos crimes que têm acontecido, referente ao rompimento de barragens. Quando uma empresa deixa de atuar vinculada ao interesse de desenvolvimento de um Estado, de uma nação, da população, do meio ambiente e da sociedade, ela sem dúvidas fica passível de cometer crimes como esses. Os acionistas, aqueles que dominam os rumos, as construções, as prioridades, as velocidades das decisões tomadas, da implementação e construção de abertura de novas minas, construção dessas barragens etc., eles estão sempre interessados nos lucros. Então, quanto menos gastos se tem com a segurança, quanto menos gastos se tem na preocupação com a população, maior a possibilidade de que crimes como esses aconteçam. Os acionistas estão motivados e movimentados a partir do lucro. A partir do momento em que você privatiza, ou coloca uma lógica privatista na administração e na condução das decisões de uma empresa do porte da Vale, você coloca toda a população, todo o meio ambiente e toda a sociedade em risco. Sem contar que essas empresas atuam sistematicamente no judiciário e no legislativo através dos seus Lobistas. Só para se ter uma dimensão, existem na Assembléia legislativa de Minas Gerais e no Congresso Nacional diversos Projetos de Lei, após o crime de Mariana, que foram inviabilizados pelo poder econômico e pela pressão das mineradoras diante do Executivo, Legislativo e, inclusive, do Judiciário. Esses projetos que foram barrados nesses últimos três anos, acompanhamos mais de perto os de Minas Gerais, têm a política de direitos das populações atingidas por barragens, o que faria com que as mineradoras pensassem duas vezes antes de cometer crimes como esses, e tem a política de segurança de barragens, que inviabilizaria a construção de barragens como essas; inviabilizaria a ampliação da mina, como a que foi aprovada e realizada em Brumadinho, e que foi um dos elementos que proporcionou o crime de Brumadinho; ampliaria o poder de fiscalização e de acompanhamento, monitoramento do Estado sobre essas barragens, e colocaria dispositivos, mecanismos e ações de segurança para as populações que vivem abaixo de barragens. Então, tudo isso poderia ter sido evitado se o lobby das mineradoras não tivesse atuado através do seus grandes tentáculos no Estado sobre o Executivo, legislativo e judiciário, sobretudo.


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