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Governo Bolsonaro e a continuidade do retrocesso na cultura

Mesmo sofrendo um enorme esvaziamento político e uma drástica redução orçamentária nos últimos anos, a resistência e permanência do Ministério da Cultura (MinC) foi uma demarcação institucional do campo das artes e da cultura no País. Muito mais do que uma “conquista setorial” dos artistas, produtores, gestores e fazedores de artes e culturas, tal fato representou uma conquista da sociedade e do povo brasileiro como um todo.


A extinção do MinC pelo atual governo, de extrema-direita, mostra muito claramente sua intenção de atacar, controlar e enquadrar a política de ações culturais do País dentro de seus moldes reacionários.
Ao deixar de ser tema de pasta do primeiro escalão na estrutura governamental, as políticas de incentivo à cultura perdem o status e a integridade como um órgão próprio e exclusivo para a gestão e a execução das políticas culturais em parceria com os estados, municípios e com a sociedade civil. A partir de agora, elas ficarão diretamente vinculadas ao Ministério da Cidadania e Ação Social, além de sofrer uma redução significativa nos seus recursos humanos, técnicos e financeiros.


Contrapondo os resultados da área cultural à suposta economia que a redução e extinção  desse ministério apresentaria, a contribuição econômica da pasta do setor cultural (contradizendo os comparsas do capitão presidente) gera 2,7% do PIB nacional e mais de um milhão de empregos diretos, englobando mais de 200 mil empresas e instituições públicas e privadas, números muito superiores a diversos outros setores tradicionais da economia brasileira. E a tendência seria desses números continuarem em crescimento.
Além de tudo isso, ainda temos a Lei Rouanet, tão injustamente e propositalmente atacada pelos direiristas, crentes nas fake-news criadas pela equipe do presidente que representa os fascistas. A tão criticada Lei representa apenas 0,3% do total de renúncia fiscal da União, mas proporciona o incentivo de milhares de projetos artístico-culturais em todo o País, gerando renda e empregos.

 


Desmantelamento, descaso e censura


O governo anterior, do golpista Michel Temer, já havia iniciado um processo de ataque ao setor artístico e cultural brasileiro, incentivando movimentos de censura à espetáculos, apresentações, performances e exposições, sempre com o apoio de um poder judiciário tendencioso e de uma parcela reacionária da sociedade, com tendências religiosas radicais e conservadora.


Alguns exemplos desses muitos ataques foram os cancelamentos da exposição Queermuseu, no Rio Grande do Sul, a exposição mais comentada e menos vista em 2017. Acusada de promover pedofilia, zoofilia e de desrespeitar as religiões em suas obras, a mostra virou alvo de insanos e raivosos ataques nas redes sociais, obrigando o seu realizador, em Porto Alegre, o Santander Cultural, a sucumbir às pressões e cancelar a programação.


Pouco tempo depois, vídeos e fotos de “La bête”, uma performance do coreógrafo Wagner Schwartz, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), “viralizaram” na internet. Na obra, o artista nu manipula uma réplica de uma escultura da série “Bichos”, de Lygia Clark – 1960, e se coloca em cena como o próprio “Bicho”, composto de dobradiças, permitindo a manipulação pelo público. No vídeo, uma criança, acompanhada da mãe, tocava o pé do artista. De compartilhamento em compartilhamento, somaram-se discursos de preconceito, desinformação e ódio. Schwartz (assim como a mãe da criança) foi ameaçado, acusado de pedofilia e o museu virou alvo de uma maldosa campanha difamatória.


Criou-se então uma onda. Exposições em Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro passaram a ser alvo de um patrulhamento moral-religioso. A CPI dos Maus Tratos, no Senado, convocou os “envolvidos” a depor. O prefeito evangélico do Rio, Marcelo Crivella, proibiu o Museu de Arte do Rio (MAR) de receber “Queermuseu”. Não demorou muito para que políticos quisessem proibir o uso da Lei Rouanet para produções de conteúdo semelhante.


Não bastassem esses ataques, o governo golpista de Michel Temer promoveu o desmantelamento e aparelhamento da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), indicando uma nova diretoria com a tarefa de impor um novo planejamento estratégico de gestão que, entre outras medidas, deliberava que as equipes de jornalismo apenas poderiam produzir reportagens sobre atos oficiais do governo.
Na sequência, veio o incêndio que se alastrou pelo Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista (RJ), no dia 2 de setembro do ano passado. A data ficou marcada como o dia em que a cultura do Brasil perdeu uma de suas maiores, mais importantes e antigas fontes históricas. Por volta das 19h, a instituição que comemorava 200 anos acabou por ter sua construção e, maior parte de seus 20 milhões de artefatos, destruídos pelo fogo.

Tal episódio representa fielmente o descaso, a falta de investimentos e de apoio e a total irresponsabilidade na contenção de recursos por parte do governo golpista.

 

E o pior ainda está por vir


O governo reacionário, de extrema-direita, que tomou posse no início deste ano é bem mais do que a continuação desses ataques iniciados na gestão anterior. Representa o endurecimento do sistema contra tudo e todos que o podem afrontar e enfrentar. E a cultura brasileira, com certeza, com seus artistas e suas manifestações diversas que nos fazem únicos no mundo, somam forças a essa resistência e oposição.


Os ataques já começaram, vide a exposição na Casa França-Brasil, que incluía uma Performance com crítica à tortura. Ela foi cancelada pelo Governo do estado do Rio de Janeiro porque incluiria nudez e, segundo o governador, Wilson Witzel, não foi comunicado previamente, configurando descumprimento de contrato. Uma clara demonstração de autoritarismo e censura, com o apoio do judiciário.
A equipe econômica do atual governo, liderada pelo capitalista liberal-privatista, Paulo Guedes, também afirmou que pretende acabar com os patrocínios do chamado Sistema S (SESC, SESI, SENAC, SENAI) para eventos culturais como teatro, música, dança, exposições e outras atividades para se restringir a formação profissional, na intenção de boicotar, censurar e impedir qualquer atividade artística-cultural apoiada por essas instituições.


Este é um período que exige mobilização em defesa das políticas culturais desenvolvidas em todas as esferas que promovem o acesso aos bens e serviços culturais, o fomento às artes, a preservação do patrimônio cultural e a promoção da diversidade cultural brasileira. A cultura é um direito fundamental e constitucional e é essencial a manutenção de uma estrutura que garanta o acesso e a criação cultural para toda a população, sem censura nem controle por parte do governo e da classe dominante.


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