• Entrar
logo

Carnaval - Uma festa popular com tradição politizada

A folia que tomou conta das ruas do País em 2019 trouxe para as passarelas e avenidas a evolução de blocos e escolas de samba entoando marchinhas e enredos que embalaram a nossa maior festa com um tom crítico e satírico, mostrando a cara do Brasil do golpe, do retrocesso, da injustiça, dos ataques às mulheres, negros, pobres, LGBTs, indígenas, aos trabalhadores em geral, além de mostrar um Brasil de luta e de resistência.


Ao contrário da campanha direitista, o carnaval é uma festa com uma tradição muito politizada na história brasileira. Uma manifestação cultural em disputa que pode ser mais elitista ou mais popular, dependendo da conjuntura, da época e de como ele é tensionado. No século XIX, por exemplo, existia o Entrudo, uma festa extremamente popular de origem portuguesa e, como contraponto, existia o carnaval dos salões, das festas da alta sociedade, mais elitista. Sendo que ambas problematizavam a abolição da escravatura e a disputa pela terra, cada uma defendendo seu ponto de vista e seus interesses.

 
Quando falamos de carnaval de escolas de samba é importante entender que estas não são exatamente instituições de resistência convencional como se imagina que sejam. Desde suas origens, na década de 1930, as escolas de samba negociam com o Estado, com a contravenção, com o turismo, com a imprensa corporativa e com o mercado capitalista, alternando momentos de resistência com momentos de negociação e de adesão. O carnaval das escolas de samba já contou com enredos que foram adesistas ao Estado Novo de Getúlio Vargas e à Ditadura Militar, mas também já desafiou os governos de Floriano Peixoto, de Hermes da Fonseca e de Michel Temer, entre outros, criticando, satirizando e constrangindo os poderosos de plantão.


Carnaval critica Bolsonaro e pede Lula livre em todo o Brasil


O carnaval satiriza, lida com a zombaria, com o simulacro, com a imitação de um determinado período e seus principais representantes. Então, pensar no carnaval como um momento de alienação é um erro, pois o mesmo sempre foi uma festa relacionada à política. E neste momento em que temos governos reacionários, extremistas, neopentecostais, que demonizam o carnaval e um presidente recém-eleito que demonstra claramente sua antipatia por qualquer festa ou manifestação de liberdade do povo, o contra-ataque vem em forma de sátiras e críticas diretas.


Nos blocos de rua e nos desfiles das escolas de samba foram manifestados, Brasil afora, os anseios do povo sobre o cenário político nacional. O grito “Lula Livre” deu o tom do Carnaval em diversos estados brasileiros, e blocos e escolas de samba fizeram duras críticas ao presidente “Bozo” e ao esquema de candidaturas laranja do PSL, seu partido.


A Estação Primeira de Mangueira conquistou o título de campeã do carnaval carioca deste ano com o enredo “História para ninar gente grande”, que contestou a história oficial do Brasil, homenageou heróis populares e deu destaque à vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada em 14 de março de 2018. O carnavalesco Leandro Vieira, responsável pela escola, afirmou que a conquista é "um recado" para Bolsonaro, em resposta aos posts feitos pelo presidente nas redes sociais, onde chegou a divulgar vídeo pornô para criticar a festa popular. "O carnaval não é o que ele (Bolsonaro) acha que é. Ele deveria mostrar para o mundo o carnaval da Mangueira, o carnaval da arte, o carnaval da luta, o carnaval do povo, o carnaval da cultura popular".


O tema crítico do enredo da Mangueira exaltou índios e negros como heróis esquecidos do Brasil, apresentando um carro abre-alas revelando as páginas omitidas e os personagens importantes que não estão nos livros de história, enquanto outro carro mostrava o Monumento às Bandeiras e os Bandeirantes como invasores que massacraram os indígenas. Entre as homenagens, a escola ainda exaltou heróis populares como Zumbi dos Palmares (um dos principais líderes de quilombo), Chico da Matilde (jangadeiro que lutou pela Abolição da Escravatura no Ceará) e Luisa Mahin (líder da Revolta dos Malês, no período imperial). Durante o desfile, a escola também questionou o explorador português, Pedro Álvares Cabral, e criticou o patrono do Exército, Duque de Caxias.


Entre as escolas de samba de São Paulo, o destaque foi a Mancha Verde, campeã do carnaval paulista de 2019, que levou para a avenida o enredo sobre a princesa africana Aqualtune, avó de Zumbi dos Palmares, desfilando e contando na avenida a história da escravidão, da luta pelos direitos de negros, das mulheres e contra a intolerância religiosa. Outra escola paulista, a Acadêmicos do Tucuruvi, fez um desfile sobre liberdade e trouxe os versos de canções imortalizadas na Ditadura Militar como “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso, e “Apesar de você”, de Chico Buarque, apresentando ainda, no fim do desfile, integrantes fantasiados com boias de patos amarelos da FIESP controlados por fios, como marionetes, numa clara alusão à manipulação capitalista na política e na sociedade.


Na Zona Sul da capital paulista, o Bloco do Hercu desfilou a temática “Lula Livre”, já o tradicional MinhoQueens, voltado para o público LGBT, ocupou as ruas do centro de São Paulo com o tema “Resistência”, onde o público entoava o grito “Ele Não”, usado na campanha contra Bolsonaro nas eleições de 2018.


Carnaval de críticas e ironia, mas também de repressão e censura


"Ei, Bolsonaro, vai tomar no c*!". Este foi o refrão cantado em coro por uma multidão monumental de foliões que não poupou a voz para entoar ao presidente, em ritmo de samba, uma ordenança nada elogiosa que se tornou a marca do carnaval de 2019 por todo o Brasil, deixando um claro recado das ruas ao governo de extrema-direita e à toda classe política.
O nível de insatisfação pôde ser visto ainda nas divertidas, ousadas e criativas fantasias ridicularizando o caixa 2 praticado pela família Bolsonaro, o esquema envolvendo laranjas e ao ministro da Justiça (imperialista), o ex-juiz Sérgio Moro.


No Carnaval de Belo Horizonte, Bolsonaro também foi criticado pelo povo nos diversos blocos nas ruas, e os foliões aclamaram o ex-presidente Lula da Silva, relembrando o grito “Olê olê olê olá! Lula, Lula!”. O tom se repetiu nos blocos Ladeira Abaixo e na abertura do tradicional cortejo do "Então, Brilha". Críticas à reforma da Previdência também marcaram o evento. Faixas com os dizeres "65 anos é falta de humanidade" demonstravam a insatisfação do público em relação ao aumento na idade mínima para a aposentadoria, proposta pelo governo privatista. O bloco Tchanzinho Zona Norte, que saiu na região da Pampulha, foi vítima de repressão e censura por parte da Polícia Militar que fazia a segurança da atração, após puxar grito de repúdio contra o presidente. O bloco transcorria normalmente, quando o chefe do policiamento ameaçou suspender a segurança caso houvesse nova manifestação contra Bolsonaro. Foi em vão. Após a abordagem da PM, os organizadores orientaram a bateria que cessasse os protestos, contudo, o público continuou com os protestos dirigidos ao presidente. “O Tchanzinho respeita as minorias, que na verdade é a maioria. Somos um bloco que respeita a democracia. Todo mundo é bem-vindo, mas, se por acaso, não concordar, vai se incomodar porque vamos falar o bloco inteiro: Bolsonaro é o caral**. Lula livre. Thanzinho é um bloco politizado, assim como o Carnaval de BH. Não vamos parar, pois, oficialmente, ainda não estamos em uma ditadura”, disse o vocalista do bloco.
E esta foi a tônica, em todo o País.


Notadamente, os carnavais em momentos de crise são mais potentes porque a festa é um instrumento de subversão, é um exercício de cidadania por canais que não são formais, é uma cultura de escape. Diante disso, politizar o carnaval, foi, é e continuará sendo fundamental na história do nosso País, principalmente quando faz a crítica aos governos reacionários e imperialistas e incentiva a luta das “minorias” e da classe trabalhadora.
 


Topo