Escrita em 1845 e 1846, por Karl Marx e Friedrich Engels (nossos ativistas, pesquisadores, fundadores e porta-vozes do socialismo científico), a obra “A Ideologia Alemã” foi dividida em dois volumes: o primeiro voltado para a elaboração das teses fundamentais do materialismo histórico e à crítica dos princípios filosóficos de Ludwig Feuerbach, Bruno Bauer e Max Stirner, filósofos neo-hegelianos alemães; e o segundo dedicado à crítica dos pontos de vista de alguns representantes do “verdadeiro” socialismo, corrente filosófica e política então existente na Alemanha. Este manuscrito foi um importante estudo que, também, serviu de base para Marx e Engels elaborarem “O Manifesto do Partido Comunista” e, sobretudo, ampliar a compreensão de ambos, “ajustando as contas” com sua “consciência filosófica anterior”. É um livro que deve fazer parte “da cabeceira da cama” de todo militante marxista.
A seguir, reproduzimos o prefácio do livro e as teses sobre Feuerbach, no intuito de fomentar o desejo em cada um dos nossos leitores de adquirir, ler e debater toda a obra.
Prefácio
Até o presente os homens sempre fizeram falsas representações sobre si mesmos, sobre o que são ou deveriam ser. Organizaram suas relações em função de representações que faziam de Deus, do homem normal etc. Os produtos de sua cabeça acabaram por se impor à sua própria cabeça. Eles, os criadores, renderam-se às suas próprias criações. Libertemo-los, pois, das quimeras, das ideias, dos dogmas, dos seres imaginários, sob o jugo dos quais definham. Revoltemo-nos contra este predomínio dos pensamentos. Ensinemos os homens a substituir estas fantasias por pensamentos que correspondam à essência do homem, diz um, a comportar-se criticamente para com elas, diz um outro; a expurgá-las do cérebro, diz um terceiro e a realidade existente cairá por terra.
Estas fantasias inocentes e pueris formam o núcleo da atual filosofia neo-hegeliana que, na Alemanha, não somente é acolhida pelo público com horror e veneração, mas apresentada pelos próprios heróis filosóficos com a solene consciência de sua periculosidade revolucionária mundial e de sua brutalidade criminosa. O primeiro tomo da presente obra tem por finalidade desmascarar esses carneiros que se julgam lobos e que assim são considerados; propõe-se a mostrar como nada mais fazem do que balir filosoficamente as representações dos burgueses alemães e que as fanfarronices desses intérpretes filosóficos apenas refletem a derrisória pobreza da realidade alemã. Tem por finalidade colocar em evidência e desacreditar essa luta filosófica com as sombras da realidade, que convém ao sonhador e sonolento povo alemão.
Certa vez, um bravo homem imaginou que, se os homens se afogavam, era unicamente porque estavam possuídos pela ideia da gravidade. Se retirassem da cabeça tal representação, declarando, por exemplo, que se tratava de uma representação religiosa, supersticiosa, ficariam livres de todo perigo de afogamento. Durante toda sua vida, lutou contra essa ilusão da gravidade, cujas consequências perniciosas todas as estatísticas lhe mostravam, através de provas numerosas e repetidas. Esse bravo homem era protótipo dos novos filósofos revolucionários alemães.
Teses sobre Feuerbach
I. O principal defeito de todo materialismo até aqui (incluído o de Feuerbach) consiste em que o objeto, a realidade, a sensibilidade, só é apreendido sob a forma de objeto ou de intuição, mas não como atividade humana sensível, como praxis, não subjetivamente. Eis porque, em oposição ao materialismo, o aspecto ativo foi desenvolvido de maneira, abstrata pelo idealismo, que, naturalmente, desconhece a atividade real, sensível, como tal. Feuerbach quer objetos sensíveis - realmente distintos dos objetos do pensamento: mas não apreende a própria atividade humana como atividade objetiva. Por isso, em A Essência do Cristianismo, considera apenas o comportamento teórico como o autenticamente humano, enquanto que a praxis só é apreciada e fixada em sua forma fenomênica judaica e suja. Eis porque não compreende a importância da atividade "revolucionária", "prático-crítica".
II. A. questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma questão teórica, mas prática. É na praxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não-realidade do pensamento isolado da praxis - é uma questão puramente escolástica.
III. A doutrina materialista sobre a alteração das circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias são alteradas pelos homens e que o próprio educador deve ser educado. Ela deve, por isso, separar a sociedade em duas partes - uma das quais é colocada acima da sociedade. A coincidência da modificação das circunstâncias com a atividade humana ou alteração de si próprio só pode ser apreendida e compreendida racionalmente como praxis revolucionária.
IV. Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa, da duplicação do mundo em religioso e terreno. Seu trabalho consiste em dissolver o mundo religioso em seu fundamento terreno. Mas o fato de que este fundamento se eleve de si mesmo e se fixe nas nuvens como um reino autônomo, só pode ser explicado pelo autodilaceramento e pela autocontradição desse fundamento terreno. Este deve, pois, em si mesmo, tanto ser compreendido em sua contradição, como revolucionado praticamente. Assim, por exemplo, uma vez descoberto que a família terrestre é o segredo da sagrada família, é a primeira que deve ser teórica e praticamente aniquilada.
V. Feuerbach, não satisfeito com o pensamento abstrato, quer a intuição; mas não apreende a sensibilidade como atividade prática, humano-sensível.
VI. Feuerbach dissolve a essência religiosa na essência humana. Mas a essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo singular. Em sua realidade, é o conjunto das relações sociais. Feuerbach, que não empreende a crítica dessa essência real, é por isso forçado: a abstrair o curso da história e a fixar o sentimento religioso como algo para si, e a pressupor um indivíduo humano abstrato, isolado. Por isso, a essência só pode ser apreendida como "gênero", como generalidade interna, muda, que liga de modo natural os múltiplos indivíduos.
VII. Por isso, Feuerbach não vê que o próprio "sentimento religioso" é um produto social e que o indivíduo abstrato por ele analisado pertence a uma forma determinada de sociedade.
VIII. Toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que levam a teoria para o misticismo encontram sua solução racional na praxis humana e na compreensão dessa praxis.
IX. O extremo a que chega o materialismo intuitivo, isto é, o materialismo que não apreende a sensibilidade como atividade prática, é a intuição dos indivíduos singulares e da sociedade civil.
X. O ponto de vista do velho materialismo é a sociedade civil; o ponto de visto do novo é a sociedade humana ou a humanidade social.
XI. Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo.