No último dia 28 de junho, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker; da Argentina, Mauricio Macri, e do Brasil, Jair Bolsonaro, anunciaram, ao longo da cúpula do G20 em Osaka (Japão),um acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul. O acordo, fruto de uma negociação que se arrastava desde 1999, prevê a diminuição de tarifas sobre 91% dos produtos vendidos pelos países da União Europeia (como Inglaterra, França e Alemanha) para o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e de 92% dos produtos vendidos no sentido contrário. Dentre outros fatores, o acordo também facilitará a liberação do comércio de serviços e o reconhecimento de propriedade intelectual de diversos produtos.
Uma importante pergunta que surge deste fato e que não aparece na imprensa burguesa é: por que esse acordo comercial demorou 20 anos para ser selado? Certamente há motivos para que os governos de frente popular que estiveram no poder na América Latina, principalmente durante a década de 2000 e possuíam características minimamente nacionais-desenvolvimentistas, não tenham selado esse pacto, enquanto governos neoliberais com políticas fortemente entreguistas, como é o caso de Mauricio Macri, na Argentina; Mario Benítez, no Paraguai, e Jair Bolsonaro, no Brasil, tenham assinado tão rapidamente.
Este fato se desprende do que já ocorre nas trocas comerciais realizadas entre os blocos econômicos. Pela divisão internacional do trabalho, os países do Terceiro Mundo, inclusive os da América do Sul, vendem, aos países do Primeiro Mundo, produtos advindos da exploração dos recursos naturais e do setor da agropecuária, enquanto compram produtos industrializados e prestação de serviços. Leia-se: vendem carne e soja e compram aviões e serviços bancários.
Os governos frentepopulistas que compunham o bloco Mercosul na década de 2000, apesar não terem uma política nacionalista que fizesse frente aos interesses imperialistas possuíam uma base popular de sustentação que lhes obrigava a incentivar um nível de desenvolvimento econômico capaz de gerar emprego e o mínimo de bem-estar social, o que implica em proteção à economia nacional. No caso dos atuais governos neoliberais, a política de “terra arrasada”, com a entrega das riquezas naturais, promessas de privatizações para favorecer corporações estrangeiras e acordos que prejudicam a economia nacional foram, inclusive, promessas de campanha. Os países do Mercosul, que já são tratados como neocolônias pelo capital estadunidense, agora também serão fonte de exploração para o capital europeu.
O caminho já estava sendo preparado. Reformas que retiram direitos dos trabalhadores, como a trabalhista e previdenciária são passos importantes para ampliar a exploração da população, tendo em vista a desestruturação da economia nacional. Mais garantias e menos oneração para que o capital internacional possa explorar ainda mais a mão de obra barata, o suor e o sangue do trabalhador sul-americano – está é a “bola da vez”. No acordo com a UE, as isenções fiscais, por exemplo, garantirão a entrada de produtos e serviços que simplesmente quebrarão qualquer tentativa de manutenção de indústrias e prestadoras de serviços nacionais no Mercosul. A garantia a “reconhecimento de propriedade intelectual” irá diminuir ainda mais a inovação em países que estão cortando gastos em educação, ciência e tecnologia. A “fuga de cérebros”, cooptados pelas instituições de ensino e tecnologia da Europa, será ainda mais facilitada. Este é o cenário que está descortinando do acordo selado.
Ainda mais desindustrialização no Brasil
A atitude de Jair Bolsonaro em relação a assinatura do acordo é de dever cumprido. O presidente, eleito através de uma fraude política orquestrada pela burguesia imperialista, com o discurso conservador nos costumes e neoliberal na economia, consegue fazer exatamente aquilo que queria aqueles que o elevaram ao poder. Em suas redes sociais, anunciou: “Histórico! Nossa equipe, liderada pelo Embaixador Ernesto Araújo, acaba de fechar o Acordo Mercosul-EU, que vinha sendo negociado sem sucesso desde 1999”.De fato, é histórico. O momento em que um presidente anuncia com tanta alegria a completa subserviência de seu país em relação ao capital estrangeiro entrará como uma das maiores vergonhas da história do Brasil.
Em entrevista ao site Diário do Centro do Mundo, o professor e economista, Luiz Gonzaga Beluzzo, afirmou: “Os europeus, que estão desconfortáveis com as medidas protecionistas do presidente dos EUA, Donald Trump, viram no acordo uma oportunidade de expansão do seu setor industrial. Especialmente nossa indústria química, que vinha experimentando um respiro com a produção de medicamentos genéricos, vai sofrer bastante”. Ou seja, para resolver o problema entre os capitalistas internacionais, Bolsonaro joga a indústria Brasileira para o buraco.
É importante observar que o Brasil já sofre com a desindustrialização desde a década de 1990, fruto dos choques econômicos vividos pelo mercado nacional nos anos 1980, da abertura comercial no começo dos anos 1990, do abandono das políticas desenvolvimentistas e do emprego da taxa de câmbio como ferramenta no combate à inflação da era FHC. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto o total da produção brasileira era de 33%, na década de 1980, hoje, corresponde à meros 11%. Com a livre entrada de produtos europeus, este setor será ainda mais afetado. O acordo irá destruir o que ainda resta da capacidade de barganha do Brasil no mercado internacional.
Benefício à agroindústria e entreguismo
Enquanto em países europeus, nos Estados Unidos e Canadá a desindustrialização é um sinal de maiores investimentos no setor terciário, de prestação de serviços, no Brasil significa apenas investimento em extrativismo (ainda assim privatizado, sem receitas sendo convertidas para o Estado) e na agroindústria.
Prova de que este acordo só beneficiará a agroindústria é o fato de que, conforme veiculado na BBC News Brasil, agricultores alemães estão “reclamando” da “injustiça” do acordo, uma vez que não poderiam competir com produtos de qualidade e custos de produção inferiores. O Partido Verde alemão, teoricamente voltado para as questões ambientais, que já aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto no País, alerta que o acordo irá contribuir para mais desmatamento na Amazônia. Segundo a deputada eleita pelo PV alemão, Katharina Droge, “esse acordo é uma péssima decisão para o meio ambiente e para o combate às mudanças climáticas. No fim das contas, é para trocar carros europeus por carne bovina da América do Sul”.
Ora, os próprios agricultores e ambientalistas europeus já reconhecem o real objetivo do acordo que aos trabalhadores e à economia brasileira, não irá trazer nada além de desemprego, miséria e recessão. Devemos nos posicionar, imediatamente, contra a política econômica entreguista, lesa pátria e suicida de Jair Bolsonaro.