• Entrar
logo

ENEM digital: avanço ou retrocesso?

O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), Alexandre Lopes, e o atual ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciaram a aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em formato virtual. No ano de 2020, 50 mil provas serão aplicadas em 15 capitais seguindo o novo modelo. A ideia é que as provas sejam totalmente substituídas até 2026. De acordo com o presidente do INEP, o ENEM digital vem para diminuir os custos com impressões e gastos com a aplicação. Ainda segundo o governo, somente em 2019, mais de 10,2 milhões de provas serão impressas para o Enem. Os custos da aplicação superam R$ 500 milhões para os mais de cinco milhões de participantes confirmados na edição. Algumas questões, no entanto, chamam a atenção: quanto seria economizado com as provas digitais? Como os jovens dos rincões do País terão acesso aos computadores? E aqueles que não tiveram acesso ao ensino de informática?

A nova modalidade gera mais dúvidas do que certezas. O ENEM tem locais de aplicação em todo o território nacional, e o ingresso da população à universidade depende, em grande parte, da prova. Com o ENEM digital, é impossível afirmar que as cidades pobres e distantes de grandes centros urbanos serão contempladas pelo programa. Jovens carentes terão que se locomover até cidades grandes para fazerem a prova e os gastos para as famílias pobres serão aumentados. Outro ponto é a validade das provas, pois ainda não se sabe se a dificuldade da prova em papel será a mesma da prova virtual. Em um teste aplicado anteriormente pela Universidade do Estado de São Paulo (USP), na pesquisa Provinha Brasil, alguns dos itens da versão em tela apresentaram variação no nível de dificuldade em relação à edição em papel. Com relação aos valores, ao ser questionado pela revista VEJA sobre o exame, o INEP não informou o montante previsto e afirmou que “como a empresa aplicadora será selecionada, essas informações internas não podem ser divulgadas para que não ocorra qualquer favorecimento”.  Diante da reforma empresarial que vem atingindo toda a educação pública no País, é fácil concluir que tal medida visa favorecer grupos que comercializam plataformas educacionais digitais, que atualmente exercem grande influência nas políticas públicas do setor.

Outra questão que deve ser avaliada é que a medida acentuará a vantagem dos alunos da rede privada sobre os alunos de escolas públicas, uma vez que as escolas privadas acelerariam o processo de adaptação dos alunos ao novo sistema. Segundo a pesquisa TIC Educação, realizada anualmente pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), a maioria dos estudantes de escola particular tem computador de mesa, portátil ou tablet em casa. Já os de escola pública são minoria. Por estarem mais familiarizados com os meios digitais, os alunos de escolas privadas terão vantagem sobre os alunos de escola pública, que tem acesso reduzido a esse tipo de tecnologia.

Também chama a atenção que a proposta está sendo levantada justamente no momento em que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, alega está sendo vítima de hacker, rompimento da segurança e invasão do seu celular. Dentre as conversas divulgadas, estão os diálogos entre o então juiz Moro e o procurador Deltan Dallagnol acerca da Operação Lava Jato e do processo envolvendo o ex-presidente Lula, escancarando toda uma trama de perseguição política. Ou seja, o governo quer utilizar um instrumento colocado em xeque por conveniência de sua própria equipe. As provas do ENEM digital, por estarem alocadas em vários computadores, também poderiam ser roubadas por hackers, ter o programa para aplicação ou até mesmo os resultados alterados por grupos especializados em vender resultados de provas. Grupos estes que cobram altos valores para “prestar os seus serviços” e, portanto, de alcance apenas pelos filhos da elite econômica, nos cursos mais concorridos das melhores universidades.

A mudança no ENEM é certamente um avanço tecnológico, mas, como qualquer avanço dentro dos moldes capitalistas, é excludente. As classes abastadas serão privilegiadas, enquanto os filhos da classe trabalhadora serão ainda mais prejudicados. O cerne do problema vai muito além da prova, que é apenas o termômetro da precarização do ensino público que assola o País, inserindo em espaços que deveriam ser para todos, apenas os jovens burgueses que tiveram um resultado considerado “bom” pela indústria de provas que organiza, atualmente, a educação escolar. O acesso à universidade pública deveria ser um direito garantido para toda a população e não condicionado ao resultado em um exame. Os estudantes e a classe trabalhadora devem se unir para defender o ensino público, gratuito, de qualidade e o fim do vestibular, possibilitando o acesso direto dos jovens às universidades públicas.

 


Topo