No capítulo “A Política do Partido na Arte”, do livro “Literatura e Revolução”, de Leon Trotsky, ele faz uma importante reflexão de qual deveria ser a política do Partido Bolchevique para a arte, no período pós-revolucionário. Neste sentido, o líder revolucionário russo inicia a discussão demonstrando como o período em debate (1923, seis anos após a Revolução de Outubro) é bem diferente dos períodos anteriores: “tudo, agora, corre de outro modo. A lei da gravidade social, que atua em favor da classe dirigente e que, em última análise, determina o trabalho criador dos intelectuais, opera, atualmente, a nosso favor. Deve-se considerar esse fato na elaboração de uma política em relação à arte”.
Contudo, isso não quer dizer que apenas os operários são capazes de criar arte revolucionária. Trotsky explica que isso ocorre “precisamente porque a Revolução é operária, ela liberta – repetimo-lo – fraca quantidade de energia da classe trabalhadora no terreno da arte. A burguesia francesa, ocupada com a Revolução, não tinha forças suficientes para recriar e perpetuar suas impressões. Isso ainda é mais verdadeiro para o proletariado: sua cultura artística é bem mais fraca que a sua cultura política. Os intelectuais, além de todas as vantagens que lhes concede a sua qualificação, dispõem do odioso privilégio de guardar uma posição política passiva, em que se mesclam maior ou menor simpatia e hostilidade em relação a Outubro. Não surpreende que eles deem melhores imagens da Revolução – embora mais ou menos deformadas – que os trabalhadores, ocupados em realizá-la”.
Isso não significa, porém, que o Partido, contradizendo seus princípios, adote uma posição eclética em relação à arte. “O marxismo oferece diversas possibilidades: avalia o desenvolvimento da nova arte, acompanha todas as suas mudanças e variações, através da crítica, encoraja as correntes progressistas, porém não faz mais do que isso. A arte deve abrir por si mesma o seu próprio caminho. Os métodos do marxismo não são os mesmos da arte. O Partido dirige o proletariado, não os processos da história. Sim. Há domínios nos quais ele dirige de forma direta e imperativa. Há outros onde apenas inspeciona e ajuda. E, finalmente, alguns onde somente se orienta. A arte não é um domínio que chame o Partido a comandar. Ele pode e deve protegê-la, estimulá-la e só indiretamente dirigi-la. Deve conceder sua confiança aos grupos que aspiram, sinceramente, a aproximar-se da Revolução e encorajar, assim, a sua formulação artística. Não pode, em hipótese alguma, colocar-se na posição de círculo literário e competir com outros. Não pode e não deve”.
Continua Trotsky, em plena concordância com o método marxista: “o Partido defende os interesses históricos da classe operária no seu conjunto. Prepara o terreno, passo a passo, para a nova cultura, a nova arte. Não vê os companheiros de viagem como concorrentes dos escritores operários, mas como colaboradores reais do gigantesco trabalho de reconstrução. O partido compreende o caráter episódico dos grupos literários do período de transição e aprecia-os não do ponto de vista dos certificados de classe pessoais, que exibem os literatos, mais do ponto de vista do lugar que ocupam ou podem ocupar esses grupos na construção de uma cultura socialista. Se não pode hoje, determinar o lugar desse ou daquele grupo, então o Partido, como Partido, aguardará com paciência e atenção”.
Controle e respeito aos processos históricos
Isso significaria, que um dos flancos do partido, aquele voltado para a arte, estaria desguarnecido? “Isso é exagero. O Partido orienta-se pelos seus critérios políticos e repele, na arte, as tendências nitidamente venenosas ou desagregadoras. É verdade, contudo, que a frente da arte está menos protegida que a da política. Não ocorre o mesmo, com a ciência? Que pensam da teoria da relatividade os defensores de uma ciência puramente proletária? Essa teoria é ou não compatível com o materialismo? Tal questão foi resolvida? Onde? Quando? Por quem? [...] Que dizer da teoria psicanalítica de Freud? Ela se concilia com o materialismo, como pensa o camarada Radek, como eu mesmo penso, ou lhe é hostil? Pode-se propor a mesma questão a propósito de novas teorias de estrutura atômica, etc. Seria maravilhoso se houvesse um sábio capaz de abarcar todas essas novas generalizações, metodologicamente, de estabelecer as suas conexões com a concepção de mundo do materialismo dialético. Ele poderia enunciar os critérios recíprocos das novas teorias e aprofundar, simultaneamente, o método dialético. Temo que esse trabalho – não falo de um artigo de jornal ou de revista, mas de uma obra científica ou filosófica de envergadura, como 'A Origem das Espécies' ou 'O Capital' – não veja a luz nem hoje nem amanhã. Ou, mais ainda, se um livro desse tipo se escrevesse hoje, provavelmente suas páginas só se abririam depois que o proletariado depusesse as armas”.
Trotsky explica, contudo, que a forma que está propondo que o Partido lide com a arte, não é uma simples livre escolha por parte dos artistas, em competição: “o partido, evidentemente, não pode entregar-se ao princípio liberal do laissez faire, laissez passer, mesmo na arte, nem por um só dia. A questão é saber quando deve intervir, em que medida, e em que caso [...]. A República soviética reune operários, camponeses e intelectuais de origem pequeno-burguesa sob a direção do Partido Comunista [...]. Os camponeses e intelectuais não chegarão ao comunismo pelo mesmo caminho que os operários. Seus caminhos particulares não podem deixar de refletir-se na literatura”.
Agora, com “a mudança na lei da gravidade social” sobre a qual Trotsky discutiu no início do capítulo, “o proletariado aproveita a sua posição de classe dirigente e procura aproximar-se da arte, preparando assim as bases para o seu florescimento, como até então a história não conheceu. Os jornais murais de uma fábrica constituem, na verdade, as premissas necessárias ainda que longínquas, da literatura de amanhã. Ninguém contudo dirá: renunciemos a todo o resto, até que o proletariado se eleve dos jornais murais a um nível independente da arte. O próprio proletariado precisa de continuidade na criação artística. Ele atualmente realiza essa continuidade, mais indireta e diretamente, através dos artistas burgueses que giram em seu redor ou buscam refúgio sob as suas asas. Tolera uma parte da intelligentsia, sustenta outra, adota esta e assimila completamente aquela. A política do Partido, na arte, depende da complexidade desse processo, de todas suas ligações internas. É impossível reduzi-la a uma fórmula, a alguma coisa assim tão curta, como o bico de um pardal. E tampouco é necessário fazê-lo”.