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Entrevista com Eliene Novaes Professora da UnB e Coordenadora do Portal dos Fóruns EJA do Brasil

Nesta edição, o Jornal Gazeta Operária (JGO) entrevistou a professora adjunta da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Projeto Portal dos Fóruns EJA do Brasil, Eliene Novaes, sobre a importância do fortalecimento da Política de Educação de Jovens e Adultos e a necessidade de manter a pauta em permanente debate para a garantia dos direitos.
 

JGO: Qual é a situação da Educação de Jovens e Adultos no Brasil?

Eliene Novaes: O Brasil tem uma dívida histórica no que se refere à garantia do direito à educação da população brasileira. Somos um país que assumiu tardiamente os compromissos de universalização da educação para toda a população. Há grupos que foram excluídos do direito de ir à escola. A classe trabalhadora que, em geral, começa a trabalhar muito cedo, precisa “escolher” entre o estudo e o trabalho. A opção que predomina é a sobrevivência. As condições de acesso à educação são quase inexistentes para grande parte da classe trabalhadora. Se considerarmos a diversidade brasileira, a situação fica ainda mais preocupante para os povos do campo, da floresta e das águas, indígenas e quilombolas – estes são ainda mais penalizados com a falta de políticas públicas de educação.  

O resultado desse processo de exclusão está evidenciado nos altos índices de pessoas que não tiveram o direito a alfabetizar-se. Aproximadamente, chega a 11,8 milhões o número de pessoas que não são alfabetizadas, segundo dados do IBGE, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2016. Esse dado corresponde a 7,2% da população de 15 anos ou mais. Se consideramos que esse dado é coletada pela autodeclaração, podemos imaginar que a vergonha ou receio de se assumir analfabeto torna este número bem abaixo da situação real. Se considerarmos aqueles que apenas escrevem o seu nome, mas que não conseguem ler ou escrever, a situação é muito pior. Continuamos a reproduzir a desigualdade social e educacional com a precarização das condições de educação e com o fato de grande parte da classe trabalhadora ter dificuldades em frequentar a escola.

JGO: Quais são as principais demandas dos grupos que defendem uma Política de Educação de Jovens e Adultos no Brasil?
 

Eliene Novaes: Os Fóruns Estaduais de Educação de Jovens e Adultos são espaços de articulação e mobilização em defesa de garantias de uma política pública de educação de jovens e adultos. Enquanto muitos gestores fecham escolas e turmas de EJA, os Fóruns lutam para garantir que as turmas continuem existindo e que as demandas da sociedade sejam atendidas pelo poder público, conforme previsto na Lei de Diretrizes Bases da Educação Brasileira (Lei 9394/96). Os Fóruns são formandos por movimentos, organizações sociais que lutam pela EJA, por professores e estudantes das Instituições Públicas de Ensino, por representantes de estudantes da EJA e gestores, todos comprometidos com a luta pelo acesso à educação por aqueles que não tiveram direito à escola.

A Educação de Jovens e Adultos além de ser um direito, historicamente negado a grande parte da população brasileira, tem se mostrado uma estratégia fundamental de formação, de ampliação de escolaridade e de acesso ao trabalho. Cada vez mais os jovens e adultos buscam a escola como forma de ampliar seus conhecimentos para melhorar suas condições de vida, mas também como forma de socialização, de adquirir novos conhecimentos, de conseguir um melhor emprego.  

Mas o que se tem visto é um abandono constante da garantia deste direito, pois para muitos gestores públicos, oportunizar espaços de educação de jovens e adultos não é uma prioridade.

JGO: O que é ENEJA e qual a importância deste Encontro para a Educação de Jovens e Adultos?

Eliene Novaes: Nos dias 18 a 22 de setembro de 2019 acontecerá, em Belo Horizonte, Minas Gerais, o XVI Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos com o tema “Educação de qualidade social como Direito de Trabalhadores e trabalhadoras”. Na atual conjuntura, vale destacar que esse Encontro está sendo realizado de forma autogestionada, com os seus participantes que, através de suas articulações, buscam garantir a realização sem apoio do poder público, por entender que manter a realização do ENEJA, que acontece a cada dois anos, é uma forma de resistência e como espaço de definir estratégias de fortalecimento desta luta.

Participam educadores que lutam pela EJA, que atuam nas escolas, que defendem o direito a educação para a classe trabalhadora, que entendem que o direito previsto em Lei, mas historicamente negado, é um instrumento de emancipação, de melhoria da qualidade de vida dos jovens e adultos. Que a EJA é espaço de aprendizagens, de socialização e de ampliação da visão de mundo de quem nela está envolvida. Por isso, vale destacar que a realização do ENEJA em tempos tão obscuros já é por si uma forma de resistência e perseverança, ação que é parte da própria trajetória da educação de jovens e adultos no Brasil, que tem sua origem na educação popular, nos círculos de cultura, na proposta freiriana de ensinar a ler e compreender o mundo de forma crítica e não somente aprender a ler e escrever palavras sem sentido.

JGO: Atualmente você está na Coordenação do Portal dos Fóruns EJA do Brasil. O que é este Portal e qual sua importância na luta pelo direito de jovens e adultos?

Eliene Novaes: O Portal dos Fóruns EJA é um espaço muito interessante da memória da Educação de Jovens e Adultos no Brasil. Eu diria que, talvez, seja o maior Portal com informações sobre Educação Popular e Educação de jovens e Adultos do Brasil. Ali é possível encontrar toda a trajetória de lutas pela construção e consolidação de Educação de Jovens e Adultos.

O Portal é coordenado pela UnB, mas é um espaço coletivo de deliberação e organização, no qual todos os Fóruns Estaduais participam com a divulgação dos dados, de suas memórias, dos seus eventos. Lá, as pessoas encontrarão um espaço nacional, representado na bandeira do Brasil, no qual terá informações sobre diversos temas, documentos, vídeos, textos, legislação sobre a educação de jovens e adultos em nível nacional etc. Entendemos que o Portal é um grande mecanismo de luta política em defesa da EJA e nossa perspectiva é que ele seja cada vez mais visitado e conhecido, tanto por educadores e estudantes da EJA, mas também por gestores e pesquisadores, tendo em vista que o seu acervo de informações é muito rico e diverso.

A história e memória da educação de jovens e adultos é um patrimônio construído coletivamente desde que o Portal foi criando, por definição do coletivo dos fóruns estaduais. Temos certeza que ampliar o processo de diálogo do Portal com as novas mídias, de modo a ampliar o acesso da população aos seus direitos, é um grande instrumento de mobilização e de educação para a resistência, principalmente diante do que temos assistido, com o Governo Federal apagando informações, dados e pesquisas que subsidiaram a construção de políticas públicas, especialmente para público excluídos historicamente. Manter o Portal cada vez mais atualizado é uma forma de manter um espaço de luta, de diálogo e, sobretudo, de mobilização e articulação política em prol da educação de jovens e adultos. Para os interessados o acesso ao Portal poderá ser feito pelo link: http://www.forumeja.org.br.

Que possamos junto fortalecer a defesa por uma educação de jovens e adultos cada vez mais democrática e de qualidade para a população brasileira, que vem sendo alijada do processo educacional, do seu direito à educação.


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