O ministro da economia do governo de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, tem anunciado a privatização de empresas públicas, em conjunto com reformas que acabam com os direitos trabalhistas e previdenciários, como “tábua da salvação” para a economia brasileira. Nesse sentido, o Governo Federal afirmou, no último dia 21 de agosto, que abriria o processo de privatização de 17 empresas, entre elas os Correios, Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO) e a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (DATAPREV). Mas é verdade que as privatizações são provas de sucesso econômico? De melhores serviços prestados à população?
De acordo com o Transnational Institute (TNI - Instituto Transnacional, em tradução livre), centro de pesquisas que se debruça em estudar democracia e sustentabilidade, sediado na Holanda, pelo menos 884 serviços foram reestatizados no mundo. “Misteriosamente”, lideram os processos de reestatizações os países centrais do imperialismo. Na Alemanha, foram 348 empresas reestatizadas; 152 na França; 67 nos Estados Unidos; 65 no Reino Unido e 56 na Espanha.
Segundo o próprio TNI, as reestatizações ocorreram porque a iniciativa privada prioriza o lucro, logo, os serviços eram caros e ruins, com baixo retorno à população. Dentre os setores reestatizados, destacam-se os serviços públicos essenciais, como o fornecimento de água e energia, coleta de lixo e programas habitacionais.
Outro fator importante de ser frisado é que, segundo Lavinia Steinfort, coordenadora dos projetos do TNI, em entrevista à UOL, é que os processos de reestatização estão em franco crescimento, sendo que 83% dos processos foram feitos a partir de 2009. Este simples fato já seria mais que suficiente para destruir o argumento de Paulo Guedes e sua trupe. A crise econômica pela qual passa o capitalismo estourou em 2008, logo, o fato de os Estados centrais do capitalismo estarem reestatizando empresas, em vez de privatizá-las, mostra que para quem realmente controla economicamente o mundo, a solução não é diminuir o Estado, mas aumentar sua participação na economia.
Estudos de reestatizações
Na Alemanha, país que passou por mais processos de reestatizações, o grosso dos serviços reestatizados foram os de abastecimento de eletricidade, gás e aquecimento. Na década de 1990, auge do neoliberalismo, o governo vendeu parcial ou totalmente as redes municipais de abastecimento e passou a comprá-las novamente a partir de 2007. Em Hamburgo, populosa cidade alemã, a própria população, em referendo de 2013, exigiu do governo que comprasse novamente as redes locais de energia.
A França decidiu, em 2008, não renovar a concessão à iniciativa privada dos serviços de água e esgoto em Paris. Em seu lugar, foi criada a Eau de Paris, uma companhia municipal que ainda gerencia a distribuição da água e das redes de esgoto. O motivo foi o alto custo que a iniciativa privada cobrava pela prestação do serviço. Um estudo realizado em 2013 pela entidade de defesa dos consumidores, chamada UFC Que Choisir, mostrou que nas cidades francesas com mais de 100 mil habitantes, as menores tarifas para o abastecimento de água eram daquelas que as empresas gestoras eram públicas.
Além disso, na França, foi reestatizado o transporte público em 20 cidades, na contramão do que pretende o governo Bolsonaro, que quer privatizar a CBTU. O mesmo processo ocorreu no Reino Unido. A TFL (Transporte de Londres), que deveria ser um dos primeiros contratos de Parceria Público Privado do mundo, homologada em 2003, foi também um dos primeiros contratos deste tipo a ser rompido, em 2010. A justificativa foi uma maior agilidade e menos custos para a continuidade dos projetos de expansão do metrô de Londres.
Nos Estados Unidos, centro do imperialismo, foram feitas reestatizações nos mais diferentes estados da Federação. Em Atlanta, a concessão feita em 1999 para a gestão da água, que deveria durar até 2019, foi revogada quatro anos depois, em 2003, dado o altíssimo número de reclamações de falta ou má qualidade da água. Todos estes exemplos colocam em cheque a afirmação que as privatizações, invariavelmente, levarão a uma melhor prestação de serviços à população. No Havaí, na ilha de Kaua, os próprios moradores se adiantaram ao governo e impediram a privatização. Quando o governo anunciou a venda do fornecimento de energia da Ilha, em 2002, os habitantes fundaram uma cooperativa, sem fins lucrativos, chamada Kauai Island Utility Cooperative, que se tornou responsável pela distribuição.
Se as reestatizações estão ocorrendo no primeiro mundo em consequência do baixo desempenho econômico, em países subdesenvolvidos, como o Brasil, a situação será ainda pior. Em entrevista ao portal de notícias Uol, o economista Saul Estrin, pesquisador e professor da universidade britânica The London School of Economic and Political Science, uma das principais escolas de economia do mundo, afirmou que a privatização não melhora a performance das empresas. Além disso, em países com desigualdade social tão latente, privatizar “significa transferir bens que são públicos, ou seja, que, de certa maneira, pertencem igualmente a todos do país, para as mãos de um grupo pequeno de pessoas que, no geral, já são bem ricas. É uma escolha que faz sentido nas economias desenvolvidas – um pouco mais de desigualdade em troca de um pouco mais de eficiência. Nos países em desenvolvimento, já é uma troca menos atrativa”.
Lutar contra as privatizações
Quando se privatiza empresas públicas, a iniciativa privada não se preocupa com nada que não seja a sua necessidade de ter retornos pelos investimentos feitos. O que “vem” depois, os brasileiros já estão vendo: péssimos serviços da rede de telefonia; estradas que, mesmo cheias de pedágios, continuam não sendo duplicadas ou triplicadas e permanecem produzindo inúmeras mortes. O caso mais sintomático desta política criminosa é o da Vale que, para manter seus lucros exorbitantes, deixou de fazer análises e reparos regulares das barragens, o que tem resultado em rompimento, uma a uma das barragens e a matança de centenas de trabalhadores.
As reestatizações no Primeiro Mundo mostram que as empresas privadas que compram estatais sugam todos os investimentos públicos e quando os serviços já não são lucrativos, ficam caros e sofrem pressão da população, são devolvidos ao Estado. Isto se configura em uma espécie de parasitismo econômico.
Como no centro do imperialismo o processo agora é de reestatização, para as empresas privadas dos grandes burgueses do centro do capital é necessário que se imponha a execução de processos de privatizações no Terceiro Mundo para poderem continuar retirando seus lucros. Para isso, forjam eleições de governos fantoches, como o de Bolsonaro, para implantarem as privatizações, aprofundarem o neocolonialismo e retirar os direitos dos trabalhadores. É necessário que lutemos agora contra as privatizações. Esse processo só será parado com resistência popular, nas ruas, com ocupações e Greve Geral.