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Ciência da inconsciência negra

Os debates e produções acadêmicas sobre o negro brasileiro nos seus mais amplos contextos montados por uma estrutura da ideologia racista e escravagista, somando-se à ideologia de uma “sociedade competitiva”, reformulam os mitos e práticas sociais mantendo os grupos dominantes com uma cor específica. Toda essa dinâmica acaba por atualizar os mecanismos discriminadores, sendo utilizados para justificar a segregação social, racial, cultural e econômica que hoje se reproduz, com aparência de prática velada e refletindo as bases racistas da constituição de classes no Brasil.

A ideologia racista contou com o desenvolvimento pseudocientífico e através desta ferramenta foi possível a construção de uma explicação do mundo que desse força para a manutenção da exploração do povo negro,  enxergando-os como biologicamente inferior e transferindo-lhe  a responsabilidade do atraso nacional. Com a consolidação do pensamento evolucionista, que se manifesta pelo mascaramento das dinâmicas de superexploração, a ciência seguiu um caminho menos alinhado com o discurso biológico e se desenvolveu  nos termos de um culturalismo que transferiu novamente as contradições sociais para uma discussão lateral e de menor importância e desviou-se do determinante fundamental das contradições: a condição das classes no Brasil, assim como a sua posição dentro de um sistema-mundo (sistema capitalista; do sistema capitalista mundial).

O desenvolvimento dos estudos acadêmicos, em sua grande maioria ainda subordinados às epistemologias que não se voltam para as bases da produção social da segregação, busca apenas estruturar modelos teóricos, sem definir uma prática ou determinar parâmetros para a solução do problema racial brasileiro. Deste modo, até a produção de conhecimento se apresenta como um tipo de pensamento capaz de fortalecer a estrutura dominante.

Ao observar o povo negro de um ponto de vista essencialista, primeiramente em torno das lógicas racialistas e, depois, com a observação dos fenômenos culturais, o resultado da produção acadêmica é se  apresentar como mais uma ferramenta de dominação. Dessa forma, é possível encontrar pesquisas, artigos, documentos, matérias e toda sorte de produção jornalística sendo desenvolvida, mas que não se interessa em produzir observações sobre as questões históricas do racismo – como a análise da quantidade de pessoas negras traficadas para estruturar a sociedade brasileira durante o longo do período da escravidão –, assim como a sua forma atual

Não podemos entender esses padrões de comportamento da elite econômica e político-administrativa sem fazer uma análise sociológica. Durante o regime escravista, o Estado tinha a função principal de manter e defender os interesses dos escravizadores. Ao chegar no Brasil, o povo negro encontrou contra si o sistema judicial, militar e todos os outros tentáculos da estrutura de dominação, montado com o objetivo principal de neutralizar a organização e luta do povo escravizado. Mesmo com todas essas possibilidades institucionais de manutenção da exploração, a imagem do povo negro escravizado ainda foi submetida a um processo de desumanização, surtindo efeitos tanto sobre a autoimagem dos povos escravizados, quanto sobre a visão da população branca acerca da parcela escravizada da população. Todo esse sistema de dominação social, em seus termos institucionais e ideológicos do pensamento racista, é o próprio resultado da relação do Brasil com a reprodução da exploração capitalista e se faz necessário recuperar a observação do racismo como um produto da própria modernidade, que tem seu caráter funcional na dinâmica de reprodução do modelo de sociedade e é voltado para a produção de lucro, derivado da superexploração.

Essa construção alienante da ciência brasileira, estruturada no pensamento racista do Estado escravista e subordinada aos interesses do capital, ainda se manifesta. Mesmo que a ciência se preste a tentar desmanchar a sua imagem da “pecha” associada com os momentos históricos anteriores, nos quais ela se pôs como instrumento de (re)afirmação das estruturas de dominação e exploração, o racismo ainda está presente em sua produção e, ainda mais, na cor dos seus quadros funcionais.

As discussões raciais no Brasil devem passar por um fortalecimento de uma consciência crítica do problema étnico-racial, assumindo que os debates que não apresentem a exploração enfrentada pelos negros e negras no Brasil, assim como a relação existente entre a questão racial e a luta de classes – aquilo que Florestan Fernandes chamou de “luta de raças e de classes” –, estão desviando de um problema fundamental para a questão nacional brasileira. O caminho é a unificação da classe trabalhadora para modificar o formato de organização social, política e científica, seguida do interesse de se estudar a sociedade segundo um modelo que nos leve a uma compreensão da mesma que pretenda romper com as formas de exploração e suas complexidades e que possua como  meta inegociável a emancipação de todas as pessoas


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