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Entre a Crise e o Corona

V.Serge

O mundo capitalista encontra-se em um estado de calamidade. Como uma vingança furiosa as contradições se acumulam e produzem uma situação cada vez mais instável, cada vez mais imprevisível. Desastres ecológicos, como as chuvas que devastaram Belo Horizonte no começo de 2020, se somam a ferozes variações no mercado financeiro – estas em grande medida precipitadas pela nova ameaça á ordem globalizada mundial: a pandemia do nCOVID-19, popularmente conhecido como Coronavírus.

Profetas do mercado gritam pelas janelas: “comprem ações! Comprem ações! Aproveitem que o mercado está desvalorizando!”; enquanto isso, supermercados vazios e populações forçadas a ficarem em quarentena anunciam a real natureza desta nova crise do Capital. Não se trata de uma mera correção monetária, o tropeço mais recente das bolsas financeiras mundiais, do qual investidores espertos se enriquecem e o resto do povo sofre.

A pandemia não é apenas uma crise cíclica; a pandemia será a crise do século. Mal faz uma década que o mundo quase parou em 2008. Quase parou; o que o capital financeiro internacional fez para se manter foi aumentar a produção de capital especulativo, aprofundar os laços neocoloniais com os países atrasados no sentido capitalista; políticas de privatizações nestes mesmos países e retiradas de direitos trabalhistas por todo globo, com reformas trabalhistas e da previdência sendo realizadas. Não só isto, mas em 2008 a China não havia sofrido diretamente os efeitos da crise. Assim, conseguiu para suprir boa parte da demanda mundial que havia desaparecido junto com os empregos de um quinto da população global. Desta vez, por outro lado, a China foi o epicentro da pandemia, e embora seja o país que provavelmente conseguirá sofrer menos os efeitos da crise, ela não irá suprir a demanda produtiva do resto do mundo.

Desta vez, o mundo parou: a produção está caindo extraordinariamente junto com o consumo. Pode-se perguntar quem sairá de casa, exceto se forçado pelas circunstâncias malditas de exploração do homem pelo homem no capitalismo, para comprar o que quer que seja? Que evento ocorrerá, com perigo de vida para participantes de mais de sessenta anos? Lembremos que os ricos vivem mais, e que grande parte da elite é idosa. O que restará das cadeias de comando, dos ministérios e dos exércitos, se seus elos mais altos estarão enfermos ou mortos? O que restará das imensas companhias se seus donos estarão escondidos em bunkers e seus funcionários incapazes de trabalhar? Porém, a elite econômica, mesmo tendo algumas baixas como efeito colateral das “guerras” que produz, sobreviverá e se reinventará. Ao menos, esses são os seus planos. O principal questionamento atual deve ser: o que serão dos pobres, sem acesso as tecnologias médicas e ao sistema de saúde? A resposta pode ser: extermínio, não efeito colateral.

E não nos enganemos: o nCOVID-19 é apenas um dos elementos de desastre econômico: o mundo não parou de se aquecer com uma velocidade alarmante, prenúncio de desastres por vir; as outras epidemias, como dengue e pneumonias, não entraram de férias para deixar o Corona trabalhar. Tudo se junta em uma cadeia de desastres que poderiam ser prevenidos dados os grandes avanços tecnológicos de nossa era. E esta é a real face do capitalismo: não eficiência e produtividade, mas irracionalidade e desastre para manter intacta a taxa de lucro da classe dominante, a burguesia.

No atual sistema de produção taylorista, chamado de “just in time” (literalmente “na hora”), a produção se baseia em linhas logísticas extremamente complexas e sem qualquer espaço para desastres: empresas simplesmente não têm estoques de nada, pois é mais barato calcular produção na conta certa do que armazenar materiais para eventuais emergências. O capitalismo tratou de tornar o mundo o mais inseguro possível na eventualidade de um desastre ou uma crise, para que tudo que pudesse dar errado de fato ocorra.
    
No último texto de sua vida, Rosa Luxemburgo escreveu, ao relatarr a derrota dos espartaquistas na Alemanha: ‘“A ordem prevalece em Berlim!” Tolos lacaios! Sua “ordem” foi erigida sobre areia. Amanhã a revolução “ressurgirá, brandindo suas armas” e para seu horror ela proclamará, ao som de trombetas: eu fui, eu sou, eu serei!’

Façamos  nosso paralelo, cem anos depois: “A ordem prevalece em Berlim, em Brasília, em Washington e em Londres.” Tolos lacaios! Sua “ordem” foi erigida sobre areia. Amanhã o colapso virá, e para seu horror, ele proclamará: socialismo ou a extinção. Façamos nossa escolha: o tempo é curto.


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