Desde que a Covid-19 foi considerada pandemia pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e os primeiros casos começaram a fazer vítimas no Brasil, o governo brasileiro tem se alternado entre desprezar o problema, através de falas estúpidas, principalmente por parte do presidente Jair Bolsonaro, e anunciar medidas de ataques aos trabalhadores, a começar pelo desmonte dos serviços públicos, essenciais para o enfrentamento à crise do Covid-19, doença causada pelo novo corona vírus. Como resultado desta política, no último dia 19 de março, o Congresso Nacional começou a discutir o corte de até 20% nos salários dos servidores públicos, enquanto as poucas medidas reais de combate à epidemia e proteção aos trabalhadores mais vulneráveis, como destinação de mais verbas para o SUS e ampliação do número de famílias atendidas pelo Programa Bolsa Família, não passaram de bravatas.
A primeira declaração do ministro da economia, Paulo Guedes, a respeito do enfrentamento à crise foi afirmar que a solução estaria no aprofundamento das reformas para supostamente proteger a economia que já se encontrava em frangalhos, como mostrou o anúncio do pífio crescimento de 1,1% do PIB, em 2019. Assim, a equipe de Guedes preparou uma Medida Provisória (MP) a ser enviada ao Congresso Nacional que permite que empresas cortem até a metade das jornadas de trabalho e salários de seus funcionários. Além disso, a nova MP permitirá que empresas antecipem férias individuais, decretem férias coletivas, usem o banco de horas para dispensar trabalhadores do serviço e antecipem feriados não religiosos.
Efeito cascata
Seguindo a onda de Paulo Guedes para a iniciativa privada, a outra medida que começou a ser debatida no Congresso Nacional, no último dia 19, foi defendida pelo editorial do jornal golpista “O Globo”, que sugeriu que as verbas para conter a epidemia sejam retiradas também do bolso dos servidores públicos. A proposta prevê que o corte seja feito em faixas, de acordo com a renda do servidor, variando entre 10% e 20%.
O plano está organizado em três fases. Primeiro, o envio de um texto ao Congresso pelo Planalto com a previsão de corte de salários dos servidores do Executivo. O Congresso, então, acataria a medida, incluindo os funcionários do Legislativo e sugerindo que o Judiciário também aderisse. Os parlamentares alegam que se o governo autorizou empresas privadas a reduzir em até 50% a jornada e os salários de seus funcionários, o poder público deve fazer o mesmo. O que está em jogo, sem dúvidas, é estender estas medidas para todas as categorias de servidores estaduais e municipais, a exemplo das reformas já aprovadas no Congresso.
Trabalhadores não podem pagar a conta da crise
Em novembro do ano passado, o governo Bolsonaro entregou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial, cujo objetivo é implementar a desvinculação de recursos da União, uma medida que permite ao Executivo aplicar em outros fins parte da verba destinada a gastos obrigatórios. como Saúde, Educação e Segurança Públicas, Esta obrigação constitucional passaria a ser dos prefeitos e governadores. Para os servidores públicos, a PEC proíbe reajustes salariais e autoriza a redução de salários ou subsídios com a consequente alteração na jornada de trabalho.
O discurso oportunista de que medidas de austeridade contra os trabalhadores irão gerar recursos aos cofres públicos que possam ser utilizados no controle da Covid-19 não passa de um engodo. Isso porque não há nenhum debate para que verbas infinitamente superiores, e que não atacariam os mais vulneráveis, possam ser remanejas para tal fim, a exemplo da suspensão do pagamento da fraudulenta dívida pública, medida que afetaria somente os interesses dos bilionários banqueiros, cuja riqueza deriva da especulação financeira.
Outra medida que surtiria efeito seria a taxação das grandes fortunas. Segundo o presidente da Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital), Charles Alcântara, o Brasil possui 206 bilionários que, juntos, acumulam uma fortuna de mais de R$ 1,2 trilhão. Proporcionalmente, eles pagam menos impostos que a classe média e os pobres. Se o País criasse um imposto de apenas 3% por ano sobre essa fortuna, seria possível chegar a um valor superior ao orçamento de um ano de todo o programa Bolsa-Família. Além do mais, essa taxação não iria afetar os hábitos e a vida de riqueza dessas famílias, enquanto a redução salarial dos trabalhadores pode significar, para milhares de pessoas, até a impossibilidade de se alimentar. Como se vê, bastam apenas estes dois dados para desmascarar a hipocrisia do editorial do jornal “O Globo”, cujos proprietários, a família Marinho, está no grupo dos bilionários do País.
Como os trabalhadores vão se defender?
A CUT, Central Única dos Trabalhadores, em nota, pede a revogação da EC 95, do congelamento de gastos públicos, a manutenção dos empregos e propõe um fundo emergencial de R$ 75 bilhões por três meses para financiar e proteger a renda dos trabalhadores formais e informais diante da crise. De acordo com a nota, “são inaceitáveis as medidas que visam reduzir salários e jornada. Desde 2016 a população já vem pagando a conta da crise com desemprego, trabalho precário e baixos salários. O Estado brasileiro não pode virar as costas para quem produz toda a riqueza desse país por meio do seu trabalho. Se a opção do governo for a de socializar prejuízos com os mais pobres e proteger os privilegiados pode estar certo que contará com a decidida resistência dos trabalhadores”.
Porém, para que esse pedido da direção da CUT se transforme em uma reinvindicação dos trabalhadores, é preciso ir além das notas publicadas em sites. Com a maior parte dos trabalhadores arriscando sua saúde trabalhando, e uma outra parte sendo demitida ou ameaçada de ter seu salário reduzido, é inadmissível que as organizações de luta não utilizem seus recursos e potencial de mobilização para exigir a proteção urgente que a classe trabalhadora precisa neste momento. É preciso apoiar e intensificar a campanha de alguns sindicatos que, sob pressão de suas bases, já anunciam a greve e estender essa campanha à outras categorias submetidas ao risco de contaminação que não foram dispensadas dos seus postos de trabalho. Além do mais, somente a luta verdadeira, por meio de ações práticas, poderá evitar que a classe trabalhadora pague com sua vida pela crise. Se os trabalhadores não organizarem a resistência com os métodos da luta de classes, os efeitos da crise serão devastadores para a maioria da população brasileira.