Os brasileiros assistem assustados a elevação rápida dos casos de contaminação com o coronavírus e de mortes resultantes dela no país. A esperada chegada da epidemia coincidiu com uma semana de confusões provocadas pelo presidente Jair Bolsonaro que desprezou o perigo da doença e incitou o início de uma campanha contra a quarentena. Como um bom serviçal do imperialismo norte-americano, as atitudes de Bolsonaro refletem a política defendida por Donald Trump e seu aliado Boris Johnson, no Reino Unido. Ambos se manifestaram contra o isolamento, lançando a possibilidade de um isolamento vertical, ou seja, de grupos específicos de pessoas, aqueles com maior risco de morrer ou desenvolver quadros graves: idosos, diabéticos, cardíacos e pessoas com algum comprometimento pulmonar.
O primeiro ministro do Reino Unido teve que recuar após indicativos de que seu sistema de saúde podia entrar em colapso. Nos Estados Unidos, Trump, mesmo sendo simpático à teoria do isolamento vertical, decretou estado de emergência e recomendou a quarentena. Ainda assim, ele tem feito várias declarações de que pretende permitir a abertura dos negócios brevemente. A orientação dos especialistas para que o país fique fechado por alguns anos, deixa o governo em pânico, já que a projeção é de que a economia dos EUA encolha em até 24% no segundo trimestre.
Bolsonaro por sua vez, ao insistir defender o isolamento vertical, quer apenas aproveitar o momento de insegurança que toma conta dos empresários, principalmente os médios e pequenos, que são parte de sua base social, e jogar a culpa na quarentena pelo péssimo desempenho da economia brasileira, anterior a ela. Bolsonaro tenta esconder que o governo não tem nenhum plano efetivo para evitar a desgraça que se abaterá sobre a sociedade brasileira nos próximos meses. Seu objetivo é acelerar a tarefa para a qual foi eleito: destruir a economia nacional em favor das grandes corporações imperialistas.
Ao jogar a questão política para o campo da moral, fingindo estar preocupado com a economia, Bolsonaro tenta ganhar o apoio dos setores mais atrasados e ignorantes do empresariado, que realizaram carreatas em várias cidades do País, exigindo o fim da quarentena. Debocham da pandemia, como seu líder, e colocam em risco a vida das pessoas ao quebrarem a proteção do isolamento.
Direita e esquerda sem propostas para a crise
Está claro até para os economistas liberais, que a única forma de se enfrentar a pandemia da Covid-19 é aprofundar o papel do Estado na distribuição dos recursos que podem dar uma resposta emergencial ao problema. Porém no Brasil, tanto governo como oposições, da direita e da esquerda, transformaram a crise em palco para as próximas disputas eleitorais. Assim, políticos oportunistas como João Dória (PSDB), governador de São Paulo que, para enfrentar a crise retirou a merenda dos estudantes e demitiu terceirizados, ganham apoio dos setores ditos progressistas por se contraporem à política impopular de Bolsonaro.
Também na esquerda o oportunismo eleitoreiro demonstra que os trabalhadores foram abandonados por suas lideranças. Com as centrais sindicais paralisadas sob pretexto de uma quarentena que ainda não atingiu a maioria da classe trabalhadora, a esquerda tenta ganhar prestígio eleitoral em torno de supostas vitórias contra Bolsonaro no Congresso Nacional. Foi o que aconteceu na última semana, em relação à aprovação do projeto de lei que garante renda emergencial para trabalhadores autônomos, informais e sem renda fixa durante a crise do coronavírus. O governo propôs inicialmente R$ 200 por pessoa, mas os deputados aprovaram a ampliação dos recursos para o valor R$ 600 para brasileiros em situação de vulnerabilidade social, com possibilidade se chegar a chegar a R$ 1.200 por família em lares onde existam mães solteiras. A votação foi anunciada como uma vitória dos partidos de esquerda contra o governo. Nada mais falacioso. O projeto de lei teve votação unânime, ou seja, a grande maioria do Congresso, formada pela direita, também o aprovou. Tratou-se de um grande acordo entre os partidos de esquerda e o “centrão” que beneficiou os planos do governo de economizar com a ajuda aos trabalhadores.
Na verdade, o aumento do valor da renda emergencial se deu às custas do adiamento do projeto que amplia a faixa de renda do BPC, Benefício de Prestação Continuada, dado a idosos de baixa renda. Após o Congresso derrubar o veto de Bolsonaro ao projeto, o texto estava nas mãos do presidente para promulgação. Para conseguir aprovar o projeto da renda emergencial, os deputados da direita e das esquerdas acordaram em deixar para 2021 a ampliação da faixa de renda do BPC.
Outra armadilha dessa “vitória” da oposição é que as famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família não poderão receber a ajuda, a não ser que abram mão da bolsa. Obviamente que, em situação de extrema pobreza, muitas famílias, senão todas, optarão pelo benefício da renda emergencial que é maior e ficarão desligadas do Bolsa Família. Assim, o governo conseguiu manter sua proposta de gastos rebaixados para a assistência aos mais vulneráveis diante da crise. O programa de renda emergencial custará aos cofres públicos R$ 45 milhões, enquanto o governo já anunciou a intenção de liberar R$ 1,2 trilhão aos bancos.
A política genocida de Bolsonaro não encontra uma oposição que corresponda aos interesses dos trabalhadores. Isso trará consequências dramáticas e imprevisíveis para o povo brasileiro. O mundo ainda desconhece os efeitos da pandemia em países com grande desigualdade social, onde parte significativa da população vive nas periferias e favelas, em casas pequenas e insalubres e com os problemas recorrentes da falta de urbanização. Isso sem falar que a pobreza exige se deslocar para trabalhar, de maneira formal ou informal.
É preciso iniciar uma verdadeira luta pela destinação dos recursos públicos exclusivamente para a proteção da vida dos trabalhadores e auxílio aos mais vulneráveis. Sindicatos, centrais e partidos de esquerda devem colocar o enfrentamento à pandemia sob o prisma da luta de classes.