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Suspensão da merenda escolar ameaça segurança alimentar das crianças e a agricultura familiar

No dia 8 último, três semanas após as aulas das escolas públicas paulistas terem sido suspensas, uma reportagem do jornal El País revelou a história de Elaine Torres Santos, de 32 anos, em relação ao impacto causado em sua família pela falta da merenda escolar. Moradores da favela de Heliópolis, zona sul de São Paulo, Elaine, seus filhos, a mãe e o irmão mais novo tentam cumprir a quarentena em uma casa de cômodo único. Desempregada há mais de dois anos, Elaine conta que já deixou de almoçar algumas vezes para não faltar comida no prato dos seis filhos, entre eles duas bebês gêmeas, de três meses. Segundo ela, “Eles tomavam café, almoçavam, tomavam lanche e janta fora”.

A suspensão das aulas e, por consequência, da merenda escolar em todo o País representou uma séria ameaça à segurança alimentar de milhões de crianças, entre 0 e 14 anos, que vivem em situação de extrema pobreza. No estado de São Paulo, uma das primeiras medidas adotadas pelo governador João Dória (PSDB), após decretar a quarentena nas escolas, foi suspender os contratos com empresas terceirizadas que empregavam funcionários como merendeiras, agravando a situação de desemprego.  No último dia 25 de março, o governo anunciou o Programa Merenda em Casa, que dará um auxílio mensal de R$ 55 (R$ 1,80 por dia), acionado por meio de um aplicativo digital, para a alimentação dos estudantes matriculados na rede estadual, cujas famílias recebem o Bolsa Família, bem como aqueles que vivem em condição de extrema pobreza, de acordo com o Cadastro Único do Governo Federal. As regras para a adesão das famílias ao programa foram apresentadas no dia 8 de abril.

A prefeitura de São Paulo, também administrada pelo PSDB, adotou projeto semelhante  e irá distribuir “cartões alimentação” às famílias das crianças matriculadas na rede municipal em situação de vulnerabilidade social e cadastradas no Programa Bolsa Família.

 

Segregação e exclusão

 

Em tempos de normalidade do calendário escolar, a merenda é disponibilizada a todos os estudantes das redes estaduais e municipais. Isso significa que as propostas de substituir o alimento por “bolsas” irão gerar uma grande economia dos recursos da alimentação escolar, uma vez que somente uma parte das crianças serão beneficiadas. Além disso, a proposta ignora a nova realidade, diante da crise, vivida por famílias que ainda não estão inscritas em programas sociais. Outro problema do programa do governo estadual paulista é que, ao impor o uso de aplicativo para se ter acesso ao benefício, vai excluir justamente as famílias em situação de vulnerabilidade mais grave.

 

“Bolsa Merenda” de Dória ameaça segurança alimentar e nutricional das crianças

 

A proposta de substituir a oferta de alimentos por benefício financeiro representa, acima de tudo, um risco ao princípio básico da merenda escolar que é a segurança alimentar e nutricional das crianças. Além de economizar as verbas da merenda que já estão nos cofres dos municípios de todo o estado, o governo abre mão da responsabilidade de resguardar o direito à alimentação saudável das crianças, algo que, muitas vezes, as famílias não têm condições de assegurar.

De acordo com a nota nº 231, divulgada pelo Dieese, em 1 de abril, já foi aprovado no Congresso Nacional e no Senado, como uma das medidas propostas diante dos impactos provocados pela pandemia da Covid-19, o Projeto de Lei 736/2020, que “altera a Lei nº 11.947/2009, para autorizar, em caráter excepcional, durante o período de suspensão das aulas em razão de situação de emergência ou calamidade pública, a distribuição de gêneros alimentícios adquiridos com recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) aos pais ou responsáveis dos estudantes das escolas públicas de educação básica”. O PL virou Lei Ordinária 13987/2020, em 7 de abril.

A nota ressalta que o Congresso Nacional rejeitou a possibilidade de repasse do recurso referente à alimentação escolar por meio de cartão bancário, conforme havia sido proposto no PL 824/2020 (de autoria dos deputados Professora Dorinha Seabra Rezende, DEM/TO, e Carlos Jordy, PSL/RJ). De acordo com os técnicos do DIEESE, a opção de utilização de cartão magnético colocaria em risco, durante o período de pandemia, a garantia da compra dos produtos da agricultura familiar estabelecida na legislação vigente.

A oferta de alimentação ao sistema de educação básica do País é realizada através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), cujo objetivo é apoiar o crescimento e o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos pelo acesso ao direito humano de alimentação saudável e equilibrada. A nota do DIEESE informa que, através do Pnae, milhões de famílias deveriam manter o acesso à alimentação saudável e variada, garantida pelo convênio das prefeituras com a agricultura familiar, em que se criam condições, também, para que milhões de agricultores familiares possam enfrentar a adversidade da crise, sem perda de uma renda fundamental para o sustento de suas famílias. A política de compra de gêneros diversificados da agricultura familiar, prevista no Pnae, desempenha importante papel no estímulo ao desenvolvimento local e no apoio aos assentamentos da reforma agrária, das comunidades tradicionais indígenas e dos quilombolas.

 

Esmolas para disfarçar a destruição da proteção estatal à população

 

A política de segurança alimentar e nutricional, estruturada há décadas no Brasil, deveria servir de apoio ao enfrentamento da tragédia social que se avizinha em consequência da crise da pandemia da Covid-19 e da crise econômica. Porém, ao contrário do que deveria ser o fortalecimento desta política, em relação à merenda escolar temos o seu total desmonte, cujo resultado será o abandono da proteção às crianças e jovens e a perda de empregos e renda, em consequência dos prejuízos causados à agricultura familiar, bem como aos milhares de servidores demitidos, potenciais responsáveis pela distribuição dos alimentos.

Os movimentos sociais, sindicatos, centrais e partidos de esquerda devem debater propostas de unificação das lutas sociais para o enfrentamento a todos os ataques que se intensificam contra a classe trabalhadora neste momento de intensa crise social e econômica. Os trabalhadores não aceitarão a morte como opção e as esmolas não irão conter a revolta. É preciso que se organize uma direção classista para o inevitável levante das massas.

 


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