A agenda neoliberal encampada pelo governo ultradireitista de Jair Bolsonaro e por Abraham Weintraub, ministro da Educação, levanta o debate sobre o futuro da educação brasileira, nas mãos e sobre orientação de quem ela será executada no período pós pandemia.
Vivemos uma crise econômica, político-social e agravada por uma crise sanitária, cujas consequências para a sociedade ainda são impossíveis mensurar. De forma oportunista, o governo federal acelera a implementação de seu plano privatista e excludente de educação pública, seguido por estados e municípios de todo o país.
O cumprimento da agenda neoliberal, ponto a ponto, passa pela redução dos investimentos públicos na educação; precarização do trabalho docente; e pela ampliação da participação privada na educação, com o apoio do Banco Mundial e dos grandes conglomerados educacionais e fundações, que entendem a educação como um grande negócio, a ser financiado pelo Estado, mas com controle dos lucros e do que se ensina pela iniciativa privada.
Esse processo se aprofundou com a edição da Emenda Constitucional 95/2016, que congelou os gastos em educação e saúde por 20 anos e condenou a educação brasileira a uma grande perda orçamentária, comprometendo a contratação de novos profissionais e a manutenção de todo tipo de investimentos necessários à área.
Outra pauta do governo federal, defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que usará a crise para ser colocada em prática, diz respeito à desvinculação constitucional dos recursos para educação, em todas as esferas de governo: federal, estadual e municipal. União, estados e municípios serão desobrigados a investir a quota mínima constitucionalmente prevista na educação. Já foi aprovada no Congresso Nacional, e segue em discussão no Senado, a PEC 10/2020, do “orçamento de guerra”, que torna possível essa desvinculação.
Educação à Distância é estratégia privatista
A pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19 levou ao fechamento das escolas brasileiras como forma de proteção dos estudantes e profissionais da educação e de contenção da propagação do vírus. Neste contexto, o Ministério da Educação, em sua lógica privatista, acelerou o processo de imposição da educação a distância (EAD), de forma indiscriminada.
A Portaria 343/2020 do MEC trata da substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia. Ao flexibilizar o número de dias letivos, mas manter a obrigatoriedade da carga horária de 800 horas/aula, o MEC empurra a Educação Básica para o “ensino remoto”, como forma de garantir o cumprimento das horas estipuladas pela Lei de Diretrizes de Bases da Educação. De quebra, amplia a demissão ou suspensão, sem direito à salários, de milhares de profissionais com contratos temporários, tais como professores, merendeiras, equipes de apoio. Além de contrariar a LDB, que diz que, em casos de força maior, como uma pandemia, o calendário escolar deve ser suspenso, a opção pelo EAD promove uma flexibilização curricular prejudicial ao aluno e gera a exclusão das crianças e jovens que que não possuem condições econômicas para ter computadores e internet em casa, tampouco apoio familiar para realizar as atividades. No Brasil, 42% dos lares não possuem computador e aproximadamente 47% da população não tem acesso à internet.
Segundo o professor da Unicamp Luiz Carlos de Freitas, em artigo publicado em seu blog Avaliação Educacional, a estratégia de emplacar a EAD no momento de pandemia têm pretensões de ampliar o mercado potencial das plataformas digitais de grandes conglomerados, em especial, Google, Microsoft e Facebook, como planejamento de marketing de longo prazo visando, também, fidelizar a juventude para suas marcas. A estratégia é “capturar o debate e no futuro garantir melhor aceitação de suas plataformas no campo educacional”. Crise pra uns, grandes negócios pra outros.
Na verdade, a substituição das aulas regulares e presenciais pela EAD, longe de beneficiar os estudantes, desconsidera que a ideia de que o direito universal às mídias e aos veículos de comunicação é uma falácia. Afirmar que pais podem assumir as tarefas de ensinar seus filhos com apoio de orientação à distância, em plataformas pedagógicas elaboradas por empresas privadas, é negar que existe um abismo entre ideia e a condição real. Grande parte das famílias sequer terá o que comer durante a pandemia.
Obrigar professores a elaborar conteúdo ou usar plataformas para os quais não foram preparados, ameaçando-os de perder direitos, e inclusive salários, são estratégias de impor pelo medo o cumprimento de uma regra arbitrária e oportunista. Os professores têm formação para atuar no ensino presencial, numa perspectiva curricular organizada para atividades presenciais. Não é possível imaginar que, sem preparo adequado e sem apoio financeiro, todos poderão ter e operar os instrumentos tecnológicos para realizar aulas à distância.
Mas os problemas do EAD não se resumem às dificuldades que boa parte da população tem no acesso a estas formas de ensino e aprendizagem. Ele também significa um maior controle e padronização de conteúdos e metodologias no âmbito escolar. É a implementação do tecnicismo nas escolas, uma das bases da reforma empresarial da educação. Sob o pretexto da situação emergencial decorrente da pandemia, o EAD tornou-se estratégia para dar vazão ao formato da Base Curricular Comum Nacional (BNCC) do Ensino Médio, aprovada pelo Conselho Nacional de Educação, que prevê que 40% da carga horária seja cumprida fora da escola, em educação a distância e/ou outras modalidades de ensino.
O processo de privatização da Educação no Brasil, que já vinha sendo implementado desde a aprovação do Plano Nacional de Educação, em 2014, se intensificou após o golpe de 2016 e promete se acelerar com as medidas adotadas nesse período de suspensão das aulas. A aprovação das BNCC e a Reforma do Ensino Médio foram os primeiros passos para o avanço da educação à distância e ocorreram sem resistência efetiva dos movimentos sindical e estudantil. Agora, em período de isolamento social, com os sindicatos fechados, os professores estão abandonados à própria sorte, submetendo-se à situações de constrangimento e assédio moral por parte das secretarias de educação, para que realizem o “teletrabalho”.
A maioria das direções dos sindicatos de professores do país tem feito orientações jurídicas sobre o tema e lançado campanhas demagógicas “em favor da vida”, sem apresentar um debate verdadeiro de como deverá se efetivar a luta contra as consequências futuras da imposição da EAD neste momento, que serão a precarização do ensino, a exclusão dos mais pobres, a privatização e o desemprego em massa dos profissionais da educação.
A pandemia do coronavirus não pode ser usada como moeda de troca para ampliar o poder privado na educação brasileira. É preciso exigir a suspensão do calendário escolar, a quarentena com segurança financeira para os trabalhadores e organizar a luta pela educação pública e de qualidade, com igualdade de condições de acesso para todos.