Na última sexta-feira, dia 24 de abril, foi confirmada a renúncia do ex-juiz, Sérgio Moro, frente ao Ministério da Justiça. A tensão entre Moro e o governo se intensificou na quarta-feira, dia 22 de abril, quando Jair Bolsonaro anunciou a intenção de exonerar o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, que foi superintendente da Polícia Federal no Paraná e braço direito de Moro durante a operação golpista Lava-Jato. Em entrevista coletiva para anunciar sua saída, Moro afirmou que a efetivação da demissão de Valeixo foi uma sinalização de que Bolsonaro o queria fora do governo. Mais: o então ministro fez uma série de acusações, revelando inclusive crimes que o presidente teria cometido como corrupção passiva e obstrução da justiça. O imbróglio é grande: Moro afirmou, inclusive, que não assinou o decreto com a exoneração de Valeixo, porém este foi publicado no Diário Oficial (DO) da União com a sua assinatura. No mesmo dia, Bolsonaro republicou a exoneração no DO, sem a assinatura do agora ex-ministro.
Em meio a uma crise econômica sem precedentes na história, agravada pela crise sanitária, os discursos têm servido para mascarar a conjuntura caótica e criar expectativa sobre uma solução política plausível no interior do regime democrático. O rompimento de Moro com o governo criou fundamentos legais para legitimar o processo de impeachment que já vinha sendo estruturado com a formação de uma Frente Ampla no Congresso Nacional, que isolou Bolsonaro e aproximou o chamado centrão e a esquerda. Não há nada de “ético” ou “moral” na ação de Moro, trata-se da disputa aberta entre setores da burguesia. Não podemos esquecer que Moro foi a base de sustentação para a eleição de Bolsonaro, por meio da Lava-Jato, que com ações igualmente ilegais como as que hoje ele denuncia, tirou da disputa o candidato preferido do povo, o ex-presidente Lula. Na semana anterior, houve o afastamento do ministro da Saúde em pleno avanço da pandemia da Covid-19 no Brasil. Luiz Henrique Mandetta ganhou o apoio dos opositores do governo e deixou o cargo com popularidade alta e com seu partido, DEM, de Rodrigo Maia, fortalecido.
Mesmo com Bolsonaro conseguindo aproveitar a pandemia para aprovar, sem resistência organizada, todas as medidas de ataques aos trabalhadores, a forma agressiva e antipopular com que o presidente e seus apoiadores estão lidando com a situação pode gerar uma revolta incontrolável na população, caso a situação da saúde e da miséria social se agravem. E todas as previsões vão no sentido desse agravamento. Assim, vários setores da burguesia já se preparam para assumir o controle da situação. Na sexta feira, logo após o anúncio da demissão de Moro, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, pediu autorização ao Supremo Tribunal Federal (STF) para abrir um inquérito sobre os fatos narrados e as declarações feitas pelo ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública. Embasada no discurso do ex-juiz da Lava Jato, a PGR aponta, em tese, os seguintes crimes do governo Bolsonaro: falsidade ideológica; coação no curso do processo – uso de violência ou ameaça contra uma pessoa em processo judicial ou administrativo, por interesse próprio; advocacia administrativa – promoção de interesse privado na administração pública; prevaricação – quando o agente público retarda ou não pratica ato previsto em lei para satisfazer interesse pessoal; obstrução de justiça; corrupção passiva privilegiada; denunciação caluniosa e crimes contra a honra – calúnia, injúria e difamação.
Um dia antes, o ministro do Supremo, Celso de Mello, havia dado dez dias de prazo para que Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, prestasse informações sobre um pedido de impeachment contra Bolsonaro, feito por um grupo de advogados no final de março. Os advogados pediram também à Corte que determine ao presidente uma série de medidas em meio à pandemia do novo coronavírus, como por exemplo, que ele seja impedido de promover e participar de aglomerações e que seja obrigado a entregar cópia dos exames que fez para detectar a doença. Ainda na tarde de sexta, dia 24 de abril, após o pedido de demissão de Sergio Moro, fizeram um "complemento" ao pedido. O grupo afirma que a suposta tentativa de Bolsonaro de interferir na autonomia da Polícia Federal, indicada por Moro, reforça a tese de um crime de responsabilidade.
Empresários e representantes do capital financeiro que faziam defesa ferrenha do governo demonstraram que estão dispostos a abandonar o barco do bolsonarismo. O presidente do Instituto Brasil 200, Gabriel Kanner, grupo que reúne mais de 300 empresários em todo o País, anunciou que deixará de apoiar Bolsonaro, a quem chamou de “traidor da pátria”. Alguns bolsonaristas famosos, que fazem parte do grupo, manifestaram críticas ao governo, sem anunciar romper com o presidente, como o dono da Havan, Luciano Hang, que elevou Moro à condição de herói nacional, e o da Riachuelo, Flávio Rocha, que também defendeu Moro.
O cenário que se desenha é de uma crise sem retorno para o governo Bolsonaro. O pedido de demissão de Moro teve repercussão negativa no mercado de ações. Os investidores intensificaram a venda de ativos brasileiros em meio ao aumento do risco político e o Ibovespa ameaçou acionar, novamente, o circuit breaker, quando as negociações são interrompidas por um determinado tempo, afetado por fortes perdas das estatais. O dólar comercial teve alta de 2,5% e encerrou cotado em R$ 5, 668. Ao longo do dia chegou a ser vendido por R$ 5,743. O dólar turismo fechou a R$ 5,99.
Ao que tudo indica, o ministro da economia, Paulo Guedes, também está na mira de Bolsonaro. Ainda na sexta-feira, Guedes se ausentou de uma videoconferência, do Itaú, em que o mercado esperava comentários do ministro sobre o plano de recuperação do impacto econômico do novo coronavírus – o Pró-Brasil – lançado pelo General Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil, sem a participação da equipe econômica. A ala militar do Planalto pretende levar adiante um programa de ampliação dos gastos públicos até 2024, o que contraria a política fiscal de Paulo Guedes, de contenção do gasto e investimento públicos. Guedes chamou o programa de "novo PAC", em referência ao Programa de Aceleração do Crescimento dos governos dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff.
Classe trabalhadora diante das incertezas políticas
O caráter autoritário do governo Bolsonaro e as suas atitudes arbitrárias, em favor de interesses próprios, revelam o risco de um fechamento do regime, por meio de um golpe militar clássico, que ampliará os mecanismos de repressão contra a população. Esta é uma saída perigosa para a burguesia em crise, uma vez que pode acirrar as contradições e tensões sociais. Por isso, a opção pelo impeachment surge como alternativa para conter a crise e manter tudo sob o controle dos tradicionais partidos da direita brasileira, PSDB e MDB. A campanha para 2022 se antecipa e as alianças em torno de uma Frente Ampla, que reunirá um amplo espectro da política nacional contra Bolsonaro, vai se concretizando na medida em que aumenta o isolamento político de Bolsonaro. O que está em jogo é manter em andamento a política de retirada dos direitos trabalhistas e de privatizações das estatais e dos serviços públicos em favor dos interesses das grandes corporações transnacionais.
Porém, a pandemia do Covid-19 carrega em si as contradições do sistema capitalista. Se, por um lado, ela está servindo como cortina de fumaça para a crise econômica, por outro, seus efeitos devastadores entre os mais pobres irão gerar convulsões sociais imensuráveis. Neste sentido, o “Fora Bolsonaro” por meio de acordos de frente ampla que incluem elementos da direita e mesmo da extrema-direita, não passa de uma estratégia desesperada da burguesia para evitar o levante popular sem o uso da violência extrema. As forças da esquerda revolucionária têm como função destruir as ilusões de que João Dória ou Luciano Huck seriam aliados na luta contra um “mal maior”.
É preciso defender e lutar pela derrubada de Bolsonaro e de toda a corja de militares que dá guarida aos planos do imperialismo estadunidense no Brasil através da formação de uma frente única, exclusivamente de esquerda, que faça os trabalhadores avançarem na compreensão do papel do governo burguês numa sociedade de classes. Derrubar o governo genocida de Bolsonaro não pode servir para que a burguesia encontre meios mais fáceis para manter a exploração dos trabalhadores. Tal política, que abandona os trabalhadores à própria sorte, pode, inclusive, gerar o aumento da base social do fascismo de Bolsonaro. É preciso derrubar esse governo pela ação direta das massas, com a necessária agitação para fazer avançar entre os trabalhadores a consciência sobre a necessidade de criarem tensões e pressões sobre o sistema, a fim de destruí-lo.