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A FRENTE ÚNICA E O MARXISMO-TROTSKYSMO

Formulações teóricas sobre o que é a Frente Única é uma das principais colaborações de Leon Trotsky para a teoria do movimento proletário. De forma direta, em documento redigido em 1922 para analisar a situação do movimento na França, Trotsky afirmou que a questão da Frente Única “apesar da divisão inevitável nessa época entre as diversas organizações políticas que se fundamentam na classe operária – surge da necessidade urgente de assegurar à classe operária a possibilidade de uma frente única na luta contra o capital”. 

A questão da Frente Única, segundo Trotsky, se coloca quando o “Partido Comunista represente apenas a uma minoria numericamente insignificante, a questão de sua atitude em relação à frente da luta de classes não tem uma importância decisiva. Sob essas condições, as ações de massas serão dirigidas pelas organizações antigas, que, em razão de suas tradições ainda fortes, seguem exercendo um papel decisivo”. Mais que isso, “a questão da frente única se coloca porque frações muito importantes da classe operária pertencem às organizações reformistas ou as apoiam. Sua experiência atual não é ainda suficiente para fazê-las abandoná-las e se organizar conosco”.  Portanto, a questão da Frente Única se coloca em situações específicas, em caso de necessidade de uma organização mais sólida contra os ataques do capital e em que o Partido Comunista ainda não tenha, sob sua égide, a consciência do conjunto da classe trabalhadora.

É importante ressaltar que a Frente Única não é e não deve ser um fim em si mesmo. Tal como Marx e Engels alertaram em carta à direção central da Liga dos Comunistas, em 1850, em momentos “em que os pequeno-burgueses democratas são oprimidos por toda a parte, eles pregam ao proletariado em geral a união e a conciliação, estendem-lhe a mão e aspiram à formação de um grande partido de oposição que abarque todos os matizes no partido democrático; isto é, anseiam por envolver os operários numa organização partidária onde predominem as frases sociais-democratas gerais, atrás das quais se escondem os seus interesses particulares e onde as reivindicações bem determinadas do proletariado não possam ser apresentadas por mor da querida paz. Uma tal união resultaria apenas em proveito deles e em completo desproveito do proletariado”. Ou seja, não cabe aos comunistas cerrarem fileiras em partidos reformistas. 

Ao contrário, como salientou Trotsky, a tática deve se basear em “golpear juntos e marchar separados”. Isso inclui desmascarar, às bases proletárias, eventuais traições das direções reformistas. Assim, a tática da Frente Única consiste na imperiosa unidade para lutar, sentida ou compreendida principalmente nas crises, para poder vencer os ataques econômicos e políticos contra as condições de vida; e, também, a necessidade de superar as direções traidoras reformistas, que contrabandeiam a ideologia patronal da conciliação de classes. 

Com a premissa fundamental do acordo de constituição da Frente Única, portanto, sendo a mais completa liberdade do Partido Comunista, esta tática se baseia em acordos pontuais com outras organizações de esquerda, por mais traidoras que sejam as direções, com fins muitos objetivos em se fazer a defesa dos interesses do proletariado e, ao mesmo tempo, a disputa de consciência do movimento de massas em favor do movimento revolucionário, desmascarando a insuficiência das propostas reformistas.

 

2. FRENTE ÚNICA: NECESSIDADE HISTÓRICA E CONDIÇÕES POLÍTICAS. A OUSADIA É AGORA!

 

Contexto Histórico: a ausência da Frente Única. 

 

O Brasil, em que pese sua participação evolutiva na economia mundial, principalmente nas últimas décadas, nunca deixou de ser hegemonicamente dirigido por uma burguesia composta de frações conflitantes, resultante das contradições entre o modelo agroexportador e outro interessado em promover uma industrialização, disputa esta que encontrou na Revolução de 1930 um passo na definição de caminhos. O período correspondia à grande depressão de 1929 e os países periféricos e suas burguesias só conseguiram uma "margem" de desenvolvimento por meio de regimes autoritários, alternando períodos democráticos burgueses restritivos, marca inconfundível das classes dominantes que entram na divisão internacional do trabalho subordinada e integrada aos interesses do imperialismo. Simultaneamente, sob a influência da Grande Revolução Russa de 1917, os partidos comunistas detinham a autoridade e a hegemonia do movimento operário mundial. 

As polêmicas que se desenvolveram até a morte de Lenin não chegaram às bases dos PC's e as orientações da III Internacional prevaleciam. No início dos anos 30, as orientações esquerdistas tiveram em Trotsky um contundente crítico e adversário. Em 1933, Trotsky avaliou que a III Internacional estava morta para a Revolução, assim como Lenin fizera em 1919 com a II Internacional. Trotsky travou uma dura batalha contra o Partido Comunista Alemão que, ao se recusar a construir a Frente Única com o Partido Social Democrata, possibilitou a ascensão e a vitória do Nazismo. 

No Brasil, a expressão do esquerdismo foi a Intentona Comunista, em 1935, que descoladas das bases operárias, nasceu fadada à derrota. Os Congressos posteriores da III Internacional, principalmente no período que conduziu a Aliança (EUA, URSS, Inglaterra e França) à vitória contra o Nazismo, se integraram ao "esforço de reconstrução do capitalismo", desativando e desarmando possíveis revoluções (Itália, Grécia etc.). Este é o pano de fundo do surgimento da teoria da revolução por etapas. A necessidade, segundo a III Internacional, de fazer, nos países periféricos, primeiro a revolução democrática burguesa e só depois a revolução socialista. No Brasil, o PCB levou às últimas consequências tal teoria, que se constituiu a base política das Frentes Amplas, Populares ou simplesmente no apoio à burguesia nacional.  No período acima citado, a única proposta de Frente única foi a AntiFascista, em junho de 1933, que combateu os integralistas pré-Estado Novo, que admitiam a hipótese de apoiar o Nazismo na Segunda Guerra.

As relações com o Getulismo, Janguismo, Brizolismo, mesmo expressando contradições e conflitos, são a essência da política de não construir a organização independente da classe trabalhadora, mesmo quando o PCB, entre 1945 e 1947, esteve na legalidade, com expressiva influência nos sindicatos e forte base eleitoral. 

Em que pese já existirem organizações revolucionárias com outras referências, a teoria da revolução por etapas foi a que prevaleceu do período da redemocratização de 1945 ao golpe de 1964. O PCB apoiou os partidos da burguesia nacional, principalmente o PTB, e mesmo durante a Ditadura, efetuou o "entrismo" no MDB, partido da oposição consentida ao regime. 

Com o ascenso do movimento operário no fim dos anos de 1970 e durante os anos 80, a hegemonia do PCB se dissipa. Grosso modo, as condições políticas para a proposta da Frente Única inexistiram, inclusive por falta de vontade política. 

 

Novos atores: a política contínua 

 

O processo de fundação do PT e de seu desenvolvimento evidenciou que o partido se tornou o porta-voz da reedição do nacional desenvolvimentismo inerente aos anos 50 e 60, estabelecendo relações com a burguesia nacional em uma fase em que a interação desta com o capital monopolista do imperialismo era até maior do que no pré 1964. O discurso de independência política de classe já não existia e a Frente com o PCdoB e o PSB, nas eleições de 1989, embora restrita, se inseriu no conceito de Frente Popular. Daí em diante, o arco de alianças se ampliou e, na medida que aumentaram as vitórias eleitorais, reduziram-se as lutas populares. Os governos encabeçados pelo PT foram de conciliação de classes, em colaboração com amplos setores da burguesia nacional. O golpe de 2016 interceptou a sequência dessa política de Frente Popular com agressiva campanha de desqualificação e criminalização  do PT através da Operação Lava Jato, imprensa e judiciário, que culminou com um golpe parlamentar e contribuiu para o surgimento da alternativa semi-bonapartista, de extrema-direita, neoliberal, com traços de fascismo, que sequer descarta a possibilidade de fechamento do regime, através de uma Ditadura Militar clássica, ou um militarismo institucional, risco que está na ordem do dia, e criminalização das lutas e pautas de reivindicações ligadas aos movimentos de esquerda. 

Em momentos históricos em que surgem projetos oriundos de concepções fascistas, a ideia do " inimigo comum" é recolocada: fascismo x democracia. Setores que contribuíram para a ascensão do fascismo se sentem ameaçados e sinalizam alianças para conter o "mal maior". São dezenas de exemplos na História, justamente porque a necessidade da violência fascista contra o povo surge quando a crise do capitalismo coloca setores da burguesia em disputas internas. Reforçam-se as teses de "união nacional", "Frentes democráticas", "Frentes Amplas" etc. Sem exceção, todas dissolvem o caráter de independência da classe operária diante de seus aliados democratas burgueses na luta antifascista. 

Hoje, novamente, a dicotomia se coloca: para derrotar o governo Bolsonaro diversos partidos propõem a unidade em torno da dicotomia democracia x fascismo. Os partidos de centro (Rede, PDT, PSB, PV etc.) e os da esquerda pequeno-burguesa, com base social entre os trabalhadores (PT e PSOL), abrem mão da hegemonia no combate ao governo em nome de questões eleitorais. Todos defendem uma Frente Ampla com partidos da direita, como o PSDB, com o objetivo de derrubar o bolsonarismo numa perspectiva eleitoreira (2020 e 2022).

Os partidos da esquerda, que assinaram um documento de impeachment contra Bolsonaro, fazem uma avaliação dos limites dessa iniciativa a partir da situação do atual Congresso, da pressão militar ao STF e do caos social causado pela pandemia do novo coronavírus. Todos sabem que a ausência de mobilizações populares verdadeiras pela derrubada do governo levará a uma saída favorável ao grande capital, que não tem nenhuma disposição em minimizar os ataques à classe trabalhadora. 

Uma organização revolucionária, que reivindica a teoria marxista-leninista-trotskysta para a luta dos trabalhadores, deve se opor às formações das Frente Amplas e propor a defesa de uma Frente Única das forças de esquerda do País. É preciso se dirigir aos trabalhadores através de manifestos e documentos que proponham ações unificadas, elencando pontos de unidade programáticos de combate ao fascismo, à crise sanitária e ao capitalismo que gerou ambos. A LPS deve discutir um plano de trabalho para apresentar esta proposta às outras organizações de esquerda, com um método para sua execução. O risco de, mais uma vez, o movimento operário ficar a reboque do reformismo social-democrata, social-liberal, nacionalismo burguês e até mesmo da direita está na ordem do dia. 

 

3. TAREFAS

 

Como fora apresentado acima, de acordo com Trotsky, no caso em que o Partido Comunista represente apenas a uma minoria numericamente insignificante, a questão de sua atitude em relação à frente da luta de classes não tem uma importância decisiva. Diante da caracterização da esquerda no Brasil, feita no tópico anterior, esta é a realidade que as organizações que reivindicam a revolução na atualidade enfrentam. 

Portanto, a Frente Única deve se caracterizar, primeiro, como uma palavra de ordem a ser defendida com o objetivo de esclarecer aos militantes de esquerda qual deve ser a política correta para as ações de massas que, neste período, serão dirigidas pelas organizações que ainda seguem exercendo um papel decisivo nas organizações dos trabalhadores, a saber, o PT. É preciso explicar, e demonstrar com exemplos históricos, que as frentes formadas entre partidos operários e representantes da democracia pequeno-burguesa podem servir para derrubar um setor da burguesia, cuja queda é fundamental para o fortalecimento dos trabalhadores, mas que os revolucionários devem se opor em tudo o que a democracia pequeno-burguesa pretende para se consolidar a si mesma. 

 

Agitação

 

A LPS deve, a partir do debate deste documento, construir um manifesto sobre a importância da Frente Única de esquerda, ou seja, da defesa da formação de um bloco de todos os partidos e organizações da classe operária contra toda a burguesia. Com base neste manifesto, precisará atuar, em todas as suas frentes, no combate às ilusões reformistas nutridas pela esquerda democrática. Quanto maior o sucesso dos reformistas, “menos a classe operária será atingida pela ideia e a prática da frente única operária contra a burguesia”. As camadas de operários desorientadas pela realidade caótica podem depositar suas esperanças na Frente Ampla (que Trotsky chama de bloco de esquerdas ou bloco dos operários com uma parte da burguesia contra outra parte desta), como um “mal menor”, ao não ver outros caminhos e pensando em não arriscar nada. Em contraponto, é necessário a configuração da Frente Única, de modo a dar respostas concretas aos trabalhadores.

 

Luta sindical e parlamentar

 

Tanto no campo sindical, quanto no campo político, a burguesia age nas organizações dos trabalhadores através dos reformistas. Cabe aos revolucionários pressionar a ação na defesa dos trabalhadores até que os limites de suas ações sejam escancarados. 

Ao apoiarmos acordos no parlamento burguês, devemos fazê-lo com o objetivo de obrigar os reformistas a tomarem para si a defesa dos interesses do proletariado. Obviamente que, para fazer essa defesa, os representantes da esquerda pequeno-burguesa terão que renunciar à aliança com os partidos burgueses. Se assim o fizerem, empurrão o movimento para a esquerda, fortalecendo a consciência de classe do proletariado. Se não o fizerem, provarão aos trabalhadores que atuam em favor da burguesia. 

Os sindicalizados comunistas não podem pretender nenhuma autonomia política em sua atividade sindical e têm que defender o programa e a tática de seu partido. Deve-se condenar severamente a conduta de determinados comunistas que não apenas não lutam nos sindicatos a favor da influência do partido, mas também se opõem a uma ação neste sentido, em nome de uma falsa interpretação da autonomia sindical.

 

A atuação frente as outras organizações de esquerda

 

Se nossa tarefa é desmascarar a Frente Ampla, precisamos agir com independência, clareza ideológica e firmeza revolucionária ao propor a tática da Frente Única (bloco dos operários e suas representações contra toda a burguesia). “A tática da frente única dá ao partido uma completa liberdade de manobra, flexibilidade e decisão. E isso só é possível se o partido proclama em todas as ocasiões, de forma clara e transparente, tudo o que quer, o objetivo que possui e se realiza abertamente diante das massas suas próprias ações e propostas”.

 

Ações pontuais em unidade com outras organizações

 

Segundo Marx, os revolucionários devem fazer de cada comunidade o centro e o núcleo de agrupamentos operários, nos quais a posição e os interesses do proletariado sejam discutidos independentemente das influências burguesas. As ações em unidade com outras organizações devem partir dessa premissa.

Marx também explica que os interesses de dois partidos podem coincidir momentaneamente quando se tratar de combater diretamente um adversário. Porém, é preciso compreender que são principalmente os operários que, pela sua coragem, a sua decisão e abnegação, terão de conquistar a vitória. E que os pequeno-burgueses, assegurada a vitória, exortarão os operários à calma e ao regresso ao seu trabalho a fim de evitar os chamados excessos e excluir o proletariado dos frutos da vitória. Portanto, em qualquer aliança, os operários terão de impor suas reivindicações próprias e cabe ao partido revolucionário diferenciá-las da demagogia democrática burguesa.


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