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Ensino remoto: privacidade e direitos ameaçados

No último dia 15 de junho, o site The Intercept Brasil divulgou matéria denunciando a ligação entre a implantação da educação remota nas escolas públicas de vários estados e a empresa IP.TV, ligada à rede de influência bolsonarista, que conta com o financiamento de empresários e políticos do Amazonas. 

De acordo com a reportagem, o governo de João Dória (PSDB/SP), afirmou que a IP.TV doou o aplicativo chamado Centro de Mídias SP. No Paraná, a IP.TV foi contratada, sem licitação, pelo governo de Ratinho Jr. (PSD) para o “Aula Paraná”, por R$ 300 mil. Dias depois, segundo o governo, a própria Empresa pediu para alterar o contrato e não receber nada pelo aplicativo. Porém, sabemos que no mundo “empresarial” não existe ”almoço grátis”. Portanto, os governos precisam explicar que interesses econômicos e políticos destas empresas estão por trás do acesso gratuito aos dados de milhões de alunos e professores. Ressalte-se que o atual secretário de Educação de São Paulo, Rossieli Soares, ocupou o mesmo cargo no Amazonas entre 2012 e 2016, quando a IP.TV já operava no estado. 

A IP.TV é responsável por aplicativos usados por 7,7 milhões de alunos e professores de São Paulo, Paraná, Amazonas, Pará e Piauí para aulas à distância. Com sede registrada em Rio Bonito, região metropolitana do Rio de Janeiro, onde não existe nada além de um prédio abandonado, a Empresa, segundo investigação da reportagem, possui apenas o aplicativo “Mano” e as plataformas de aulas à distância usadas em São Paulo, Paraná, Pará, Piauí  Amazonas.

O “Mano” é um aplicativo de streaming de vídeos criado durante as eleições de 2018 para driblar os vetos de redes sociais às notícias falsas que impulsionaram a campanha de Jair Bolsonaro. O principal canal do “Mano” é a “TV Bolsonaro”, que está no menu oferecido a estudantes de Amazonas, Pará e Piauí, ao lado de vídeos das aulas da rede de ensino público. O canal oferece programas com discursos, propagandas do governo e depoimentos de usuários que reproduzem notícias falsas e fazem apologia ao uso de armas e à Ditadura Militar.  Já os alunos de São Paulo e Paraná estão livres de ver a “TV Bolsonaro” como sugestão de conteúdo e contam apenas com os aplicativos específicos para exibir materiais didáticos. 

 

Sem privacidade, sem segurança

 

O proprietário da IP.TV é sócio de Waldery Areosa Ferreira Junior, empresário amazonense do ramo da educação, defensor da “homescholling” e acusado de participar de uma rede de prostituição de menores de idade. Ainda assim, as Secretarias de Educação de vários estados acharam conveniente entregar os dados de quase oito milhões de estudantes e professores, sem que nenhum controle fosse exigido. Para assistir às aulas, os alunos precisam se cadastrar e para instalar os apps é necessário autorizar o acesso a dados pessoais, como o álbum de fotos do celular e de conexão de rede wifi. 

A Empresa não dá nenhuma garantia contra abusos, como o uso comercial dos dados de crianças e adolescentes, pois as políticas de privacidade incluem o acesso da IP.TV a dados das secretarias de educação, com informações como nome, e-mail, ano e série cursados. Além do álbum de fotos, os apps também podem ter acesso ao microfone do celular e a trocas de mensagens em grupos de bate-papo, que podem ficar guardadas por até seis meses. O “Mano” ainda pode exibir publicidade aos usuários.

Questionadas sobre a questão dos dados pela reportagem do The Intercept, nenhuma das Secretarias de Educação se manifestou. Além do risco da invasão de privacidade, os bancos de dados de órgãos públicos são uma “mina de ouro” para criar e estimular hábitos de consumos e comportamentos eleitorais. 

 

“Bolsodória”

 

No Brasil, recentemente, a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que estabelece regras mínimas para o uso e tratamento das nossas informações pessoais, foi jogada para maio de 2021, em mais uma canetada do governo Bolsonaro. Aprovada em 2018, com vigência prevista para agosto deste ano, a Lei obrigaria que os indivíduos fossem avisados e os dados só fossem utilizados para os fins que foram coletados, limitando assim o uso de dados individuais dos cidadãos por parte das empresas e do governo. Sem a Lei, governo e empresas ficam “livres” para monitorar os indivíduos de acordo com seus interesses.

Governos e empresas de telefonia e tecnologia estão aproveitando a crise do novo coronavírus para acelerar os mecanismos de controle de informações pessoais. A contratação de uma empresa bolsonarista pelo governo do Estado de São Paulo, por exemplo, evidencia que, apesar das disputas eleitoreiras, a política de João Dória e de Bolsonaro, no que se refere aos direitos democráticos da população, é a mesma.

A imposição apressada, sem o devido preparo, do ensino remoto em substituição à educação presencial durante a pandemia não tem absolutamente nada a ver com a garantia de aprendizado das crianças e jovens, muito menos com a salutar introdução da tecnologia na educação escolar. Trata-se de uma grande jogada empresarial, com objetivos políticos de controle social. A Educação à Distância nos moldes em que se aplica hoje no Brasil é o maior projeto de exclusão escolar dos mais pobres e de privatização dos direitos sociais da história da educação nacional. 
 


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