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A volta às aulas na pandemia e a naturalização da morte

Ganhou repercussão nas redes sociais um item do Plano de Retomadas das Aulas Presenciais para a Educação Básica publicado pelo governo do Espírito Santo em que os óbitos, devido ao risco do retorno às aulas presenciais, estão previstos. Assim, o documento apresenta orientações a professores e alunos sobre como proceder em caso de morte.  O governo do Espírito Santo, sob administração de Renato Casagrande (PSB) prevê o início do plano de volta às aulas para outubro. O texto que suscitou revolta entre educadores diz:

“Havendo óbitos de alunos ou de profissionais da escola, e se for algo desejado pela comunidade escolar, o grupo pode organizar ritos de despedida, homenagens, memoriais, formas de expressão dos sentimentos acerca da situação e em relação à pessoa que faleceu, e ainda atentar para a construção de uma rede socioafetiva para os enlutados. Simbolizar a dor de alguma forma contribui para o processo de luto, lembrando sempre que cada um vive esse momento de uma maneira, como uma experiência pessoal e única e que, por isso, precisa ser respeitado”.

A conclusão do governo do Espírito Santo está correta: a volta às aulas vai agravar a situação da pandemia e ampliar o número de mortes. Um estudo realizado pela revista britânica The Lancet, publicado em agosto, concluiu que para evitar uma segunda onda COVID-19, o relaxamento do distanciamento físico, incluindo a reabertura de escolas, no Reino Unido deve ser acompanhado por testes em larga escala em toda a população de indivíduos sintomáticos e rastreamento eficaz de seus contatos, seguido pelo isolamento dos indivíduos diagnosticados. 

Sem os níveis de teste e rastreamento de contato recomendados pelo estudo, a reabertura de escolas juntamente com o relaxamento gradual das medidas de bloqueio provavelmente induzirá uma segunda onda que atingiria o pico em dezembro de 2020, se as escolas abrirem em tempo integral em setembro e em fevereiro, 2021, se fosse adotado um sistema de rodízio em tempo parcial.  Essa é a realidade de um país que já controlou a pandemia, coisa que no Brasil está longe de acontecer. Muito menos teremos as medida de controle recomendadas pela comunidade científica para garantir um retorno minimamente seguro.

Na França, a disparada no número de casos de covid-19 está levando as autoridades do país a questionar a viabilidade da volta às aulas como planejado. Recentemente, médicos franceses publicaram uma carta conjunta em que classificam as medidas do governo para as escolas como não rígidas o suficiente. 

No caso do estado de São Paulo, epicentro da pandemia no Brasil, um estudo com simulação do contágio pelo novo coronavírus realizado por pesquisadores de sete universidades de três países, concluiu que “mesmo com todos os protocolos de segurança sendo seguidos, a volta às aulas causaria contaminação pela covid-19 em até 46,35% dos estudantes e professores após três meses. Isso considerando apenas estudantes dos ensinos fundamental e médio e seguindo as regras estabelecidas pelo governo João Doria (PSDB), de até 35% dos alunos participarem das atividades presenciais de cada vez. E partindo de apenas uma pessoa infectada”. 

De acordo com a pesquisa divulgada na página Brasil Atual, os testes consideraram que a maioria das pessoas respeitaria as regras de higiene, o uso de máscaras e o distanciamento social de 1,5 metro. E que só haveria três cruzamentos entre elas por dia: na entrada, na saída e no recreio. Ou seja, uma projeção bastante otimista em relação à realidade do funcionamento do cotidiano escolar no Brasil.

No Amazonas, em que mais de 100 mil alunos voltaram a ter aulas presenciais no dia 10 de agosto, 342 professores, quase um terço dos que foram testados, estavam contaminados pelo coronavírus, duas semanas depois. Os professores da rede estadual entraram em greve e exigem que o governador Wilson Lima (PSC) volte atrás e mantenha o trabalho remoto. 

Em todo o país, educadores estão debatendo e se mobilizando na medida do possível, em tempos de trabalho remoto, para que os governos respeitem as recomendações científicas e deixem de sucumbir às pressões de grupos econômicos que exigem que os riscos da pandemia sejam ignorados em favor de seus lucros. É preciso a unidade entre os profissionais de educação e toda a população para garantir que o Estado dê condições de acesso ao ensino remoto a todos. A comunidade escolar deve exigir prestação de contas sobre as parcerias em que verbas bilionárias do dinheiro público estão sendo jogadas nos cofres de empresas privadas, enquanto professores sem aulas e funcionários terceirizados estão sem apoio financeiro, enquanto a merenda foi suspensa e as crianças mais vulneráveis estão fora do atendimento escolar, além de todas as implicações da imposição do trabalho remoto sem o fornecimento de equipamentos e preparo técnico aos docentes.

Além de propiciar a festa dos parceiros privados, aumentando seus lucros bilionários durante a pandemia, os governantes desprezam a vida da população com discursos sobre a crise geracional que poderá ocorrer devido à suspensão das aulas, como se, em tempos normais, eles tivessem investido em uma educação de qualidade que gerasse equidade social. Os profissionais de educação devem se preparar para organizar uma Greve Geral da Educação, contra o retorno às aulas sem segurança sanitária e contra todos os ataques que estão sendo desferidos aos seus direitos e á educação pública durante a pandemia.
 


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