A diminuição de recursos para fiscalização e operações de combate ao trabalho escravo coloca em risco um importante instrumento de proteção e garantia dos direitos e segurança no trabalho de milhões de trabalhadores e trabalhadoras. Fiscalizar, autuar e resgatar trabalhadores que se encontram em condições de trabalhos forçados ou jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho, ou ainda restringindo sua locomoção, em razão de dívida contraída com o empregador, conforme diz o Artigo 149 do Código Penal, estão entre as atribuições dos auditores.
O serviço de fiscalização tem sofrido ataques desde o golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff, em 2016. O corte de recursos é o principal fator de implosão da fiscalização que, somente este ano, perdeu cerca de 60% do orçamento. Em 2016, o total de recursos somava R$ 66.4 milhões, em 2019 foi para R$ 39 milhões e em 2020 caiu para R$ 24.6 milhões. Para o próximo ano, é prevista uma ligeira queda para R$ 24.1 milhões Segundo o Portal da Inspeção do Trabalho do Governo Federal, em 2018, um total de 1752 trabalhadores foram resgatados da condição de trabalho análogo à escravidão. Em 2020 foram feitas somente 15 operações, com 57 fiscalizações até agora e 231 trabalhadores resgatados.
Os cortes afetam o investimento em equipamentos e tecnologias necessários para a realização das ações de fiscalização, como aparelhos eletrônicos, automóveis, computadores e até drones, que auxiliam na investigação de locais onde trabalhadores vivem em condições degradantes. De acordo com o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sinait), Carlos Silva, “A fiscalização do trabalho, como qualquer outro serviço público, precisa de orçamento, de pessoal, de estrutura institucional para se manter”. Segundo Carlos, os cortes trarão uma redução no número de ações, atuações e de trabalhadores resgatados em condições de trabalho escravo e o resultado final será a manutenção de trabalhadores explorados em situações de irregularidade.
A orquestra regida pelos interesses econômicos
A Secretária de Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida Silva, afirma que o governo de Jair Bolsonaro não tem nenhum interesse em manter as fiscalizações e combater o trabalho escravo e que isso faz parte de um projeto de governo que não protege os trabalhadores, mais sim a elite econômica.
As reformas iniciadas no governo do golpista Michel Temer, em 2017, desmontou e desregulamentou as relações de trabalho. A reforma Trabalhista e a Carteira Verde Amarela, mostram a intenção do governo de ampliar a criação de empregos com direitos reduzidos. Para o presidente do Sinait, há uma conexão entre os ataques à fiscalização do trabalho e ações como a reforma trabalhista, as recentes Medidas provisórias e outras leis como a terceirização e a extinção do Ministério do trabalho. O objetivo é beneficiar empresários, facilitando a superexploração dos trabalhadores.
Pelas arestas
Além do cortes de verbas, outros meios vem enfraquecendo a fiscalização do trabalho, um deles é a Norma Regulamentadora n°3 que traz dificuldades para fiscais e técnicos realizarem corretamente o trabalho de fiscalização, pois a matriz de risco não deixa clara a forma como os profissionais devem fazer o diagnóstico da infração. Para o pesquisador de saúde, trabalho e previdência da UNB e assessor da Federação dos Trabalhadores no Ramo Químico da CUT no estado de São Paulo (Fetquim-SP), Remígio Todeschini, o auditor precisa de um malabarismo mental para classificar as situações de risco em provável, possível, remoto e raros casos de ocorrerem acidentes e doenças nos locais de trabalho”, Ou seja com essa classificação, o auditor se vê em dificuldades de usar o instrumento de embargo e interdição de acordo com os princípios constitucionais de proteção da vida dos trabalhadores.
Há também o artigo 31 da MP 927, que tentou transformar a atuação dos fiscais em orientadora, limitando a autonomia para a execução de infrações. De acordo com Carlos Silva, foi preciso recorrer ao STF [Supremo Tribunal Federal] para que houvesse a decisão de que não há fiscalização que não possa punir uma infração. O dirigente ressalta que é um contrassenso ainda maior limitar a atuação a apenas orientadora como propõe a MP 927 no momento em que vivemos uma pandemia em que a fiscalização deveria aumentar.
O trabalho dos fiscais
O contingente de fiscais de trabalho em 2015 era de 2.546 servidores, e em 2020, o número é 19,4% menor, são 2.050 em todo Brasil. A ausência de concursos públicos em decorrência da lei do Teto dos Gastos piora a situação. Segundo a representante da CUT, em alguns setores como o de frigoríficos, o movimento sindical junto com o Ministério Público do Trabalho, tem conseguido acompanhar o cumprimento de regras por parte dos empresários, mas o número reduzido de auditores prejudica a fiscalização em geral.
Além de serem poucos, esses fiscais também correm riscos em relação à Covid-19 uma vez que a administração pública não tem preocupação com a segurança desses trabalhadores, que não recebem equipamentos de proteção individual como máscaras, álcool gel, etc. Tudo fica por conta do próprio auditor.
O desemprego em massa e a precarização das relações de trabalho criam um exército de reserva de trabalhadores propensos a aceitarem as piores condições de trabalho para não morrerem de fome. É dessa forma que a burguesia resolve o problema de sua crise econômica e mantém elevada suas taxas de lucros. Representante exclusivo dos interesses da burguesia, Bolsonaro destrói todos os mecanismos de segurança que os trabalhadores conquistaram ao longo de suas lutas históricas. Se o trabalho em situações análogas à escravidão é uma realidade no Brasil, apesar de ser proibido, a tendência, com o fim da fiscalização, é que ele aumente.