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Estupro culposo: invenção para absolver estupradores

No país em que o presidente da República, que alçou ao poder após um golpe jurídico-parlamentar e midiático que derrubou do poder a primeira e única mulher eleita, diz que sua única filha foi resultado de uma “fraquejada” e que não estuprava uma deputada porque ela “não merecia”, já que era “feia” e não fazia seu gênero, além de chama-la de “vagabunda”, nenhuma expressão de machismo e misoginia institucional parecia causar mais espanto. No entanto, as imagens inéditas divulgadas pelo site The Intercept Brasil, da audiência de julgamento do empresário André de Camargo Aranha, realizada há dois meses, conseguiram causar indignação e repulsa nacional. 

As imagens mostram a defesa do réu, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, humilhando a vítima, a promoter catarinense, Mariana Ferrer, de 23 anos, usando fotos sensuais produzidas pela jovem antes do crime, enquanto modelo profissional, para convencer o Juiz de que a relação foi consensual, questionando assim a acusação de estupro. Os membros do Tribunal de Justiça catarinense permanecem calados, sem fazer qualquer questionamento sobre a relação das fotos com o caso. O advogado vai ainda mais longe e chega a falar que jamais teria uma filha do “nível” de Mariana e que não adiantava a vítima vir com “esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”. Aos prantos, Mariana clama ao juiz: “Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito. Nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada”. 

Aranha é acusado de estuprar a jovem em um camarim privado, durante uma festa em um beach club, em Jurerê Internacional, Florianópolis, em 2018. O inquérito policial concluiu que o empresário cometeu estupro de vulnerável (quando a vítima não tem condições de oferecer resistência), sendo encontrado na roupa dela o sêmen do acusado e sangue da própria Mariana. 

A decisão do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, acatou a argumentação do advogado responsável pela defesa do empresário, um dos profissionais mais caros de Santa Catarina, de que não havia como seu cliente saber, durante o ato sexual, que Mariana não estava em condições de consentir a relação, não existindo assim à “intenção” de estuprar. Porém, como tal “crime” não existe, o réu foi absolvido.

Na sentença, o juiz concluiu que não havia provas "suficientes", só a palavra da vítima e que, na dúvida, preferia absolver o réu. Como é comum quando mulheres são vítimas de ataques machistas, a vítima é duplamente agredida: primeiro ao ser violentado e, depois, ao ser humilhada e acusada, pelo poder público, de ser a responsável pelo ataque. 

Mariana usou as redes sociais para tornar público o seu caso, pois era notório o poder do acusado em contornar a situação em seu favor. André é filho do advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, que já representou a rede Globo em processos judiciais e é conhecido no mundo milionário de jogadores de futebol e empresários. Outro fator “curioso” é que a 3ª Vara Criminal, com base na denúncia oferecida pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) à época, chegou a expedir um mandado de prisão temporária contra Aranha, mas foi derrubado pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça. O promotor responsável pela denúncia, Alexandre Piazza, deixou o caso após transferência voluntária, e quem assumiu foi o promotor Thiago Carriço, responsável pela defesa da tese do estupro “sem intenção”.

Mesmo com um processo repleto de falhas na tentativa de obstruir as comprovações das denúncias de Mariana, a defesa do empresário não conseguiu provar que não houve estupro. A saída canalha da promotoria, acatada pelo juiz, foi a de desqualificar a primeira acusação de estupro de vulnerável, quando a vítima está sob efeito de álcool ou de algum entorpecente, e não é capaz de demonstrar consentimento ou de se defender. 

O caso Mari Ferrer, que ganhou repercussão por causa de sua intensa campanha nas redes sociais, está longe de ser a exceção. A violência contra as mulheres é recorrentemente aceita pelas instituições burguesas e a legislação criada para supostamente proteger a mulher, transforma-se em instrumento para aumentar a repressão à classe trabalhadora. O posicionamento da ministra Damares Alves, ao defender Mari, não passa de demagogia de um governo que, “dias” atrás, organizou uma campanha para impedir o aborto em uma criança de 10 anos, querendo obrigá-la a ter um filho de seu estuprador. 

O caso de Mariana Ferrer, pela sua repercussão, deve ser usado como símbolo da luta das mulheres contra a opressão machista, que conta com o aval do Estado burguês, uma vez que este existe para formalizar a opressão que condena as mulheres a situação de inferioridade na sociedade.
 


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