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Revolta da Chibata

No dia 22 de novembro de 1910, começava a Revolta da Chibata. Liderada pelo marinheiro João Cândido, o movimento teve como principal reivindicação o fim de práticas de tortura e açoitamento que ainda ocorriam dentro das esquadras da Marinha brasileira. Apesar da assinatura da lei Áurea e a Proclamação da República ter ocorrido anos antes (1888 e 1889, respectivamente), neste período, o Brasil ainda mantinha vivas as práticas herdadas do período da escravidão. Dentro do braço armado do Estado (a estrutura militar), a realidade não era diferente. 

O estopim da revolta foi a punição, com 250 chibatadas, do marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes, por ter agredido um oficial da Marinha. Marcelino foi açoitado na frente de toda a tropa para servir de “exemplo” aos colegas marinheiros. Tal ação fez com que o levante dos marinheiros, que já estava marcado para o dia 24 de nove mbro, fosse antecipado para o dia 22. 

Nesta época, o Brasil possuía uma das maiores frotas de embarcações de guerra do mundo. Dois navios se destacavam pelo poder bélico e tecnologia: os couraçados de São Paulo e Minas Gerais. Na noite de 22 de novembro de 1910, os marinheiros entraram em conflito com os oficiais e tomaram as principais embarcações de guerra da Marinha brasileira. Eles enviaram ao  Presidente da República recém-eleito, Marechal Hermes da Fonseca, uma carta com suas reivindicações, sob pena de ver a “pátria aniquilada" caso não fossem cumpridas as exigências, dentro de 12 horas. 

O governo mandou um representante, o deputado e comandante da Marinha, José Carlos Carvalho, para negociar e verificar as condições dos navios Minas Gerais e São Paulo. O parlamentar encontrou as embarcações em boas condições e observou a disposição dos revoltosos em continuar com o movimento até que as reivindicações fossem atendidas.

As exigências foram atendidas e dias depois, no dia 24 de fevereiro, foi apresentado no Senado, pelo senador Rui Barbosa, um projeto de anistia para os marinheiros participantes da revolta, dando fim ao movimento. O acordo, porém, foi traído e deu-se início a um período de duríssimas perseguições aos marinheiros. Cerca de 1300 foram dispensados. No dia 10 de março de 1910, cerca de 600 marinheiros foram presos, na sua maioria participantes da revolta e anistiados. 18 marinheiros foram isolados e enviados para uma cela subterrânea da ilha das Cobras. Destes, 16 morreram por asfixia, devido a inalação de cal durante a noite. Um dos sobreviventes era João Cândido. 

 

Estrutura Militar  

 

Naquele momento, os revoltosos correspondiam à maior parte do corpo militar da Marinha. Eram pessoas de origem pobre, na sua maioria negras, que ingressaram de forma voluntária ou através do alistamento, que muitas vezes acabava sendo forçado, por conta do contexto pós-escravidão.  Mesmo a abolição da escravatura tendo ocorrido, o alistamento militar era considerado um caminho para fugir das péssimas condições de trabalho impostas pelos patrões, que continuavam sujeitando os negros, agora livres, às condições análogas à escravidão. 

Dentro das embarcações de guerra, a configuração da sociedade capitalista, ou seja, baseada em classes, se reproduzia. Enquanto a parcela de pessoas pobres correspondia ao maior número de tripulantes, o corpo de oficiais era composto por pessoas brancas de famílias abastadas das cidades grandes. 

Organização dos trabalhadores para o levante
Muitos marinheiros, incluindo João Cândido, viajaram pelo mundo para aperfeiçoar técnicas de navegação e aprender sobre o funcionamento dos navios. Ou seja, puderam observar como se dava a organização dos trabalhadores em diversos países, que em geral se apresentava mais evoluída que no Brasil. 

Na Rússia, em 1905, por exemplo, já havia ocorrido uma revolta de marinheiros em meio a revolução contra o Czar. Em um protesto pacífico, que tinha como objetivo denunciar o Czar e os maus tratos sofridos pelos trabalhadores, manifestantes foram reprimidos com extrema violência. O episódio, conhecido como “Domingo Sangrento”, impulsionou uma efervescência de protestos, que culminou em uma greve geral dos trabalhadores e a revolta dos marinheiros do couraçado Potemkin.

Os marinheiros rebelados do navio de guerra da Marinha imperial (couraçado Potemkin) se posicionaram contra a autocracia czarista, reivindicaram a reforma política e melhores condições de trabalho, o que foi considerado como um “aviso” ao regime, com o recado de que até mesmo as tropas militares poderiam abandonar o Estado czarista. 

 

Comitês revolucionários

 

No Brasil, antes da Revolta da Chibata, os trabalhadores da Marinha se organizavam em chamados “Comitês Revolucionários”, com o intuito de organizar uma luta por melhores condições de trabalho. 

Em 1968, um ano antes de sua morte, João Cândido concedeu uma entrevista ao Museu da Imagem e do Som e falou sobre a organização destes comitês. O relato elucida que havia uma prévia organização dos marinheiros para o levante contra a tortura dentro da Marinha brasileira:

“– Mas essa ideia de congregar marinheiros nestes comitês nasceu de onde e por quê?

– Dos próprios marinheiros. Para combater os maus tratos e a má alimentação da Marinha. E acabar definitivamente com a chibata da Marinha. O causo era isto.

Nós que vínhamos da Europa, em contato com outras marinhas, não podíamos mais admitir que na Marinha do Brasil, ainda um homem tirasse a camisa para ser chibatado por outro homem”.

 

Caráter classista da Revolta da Chibata

 

Apesar de seus participantes terem sofrido arduamente, a vitória para as gerações de trabalhadores da Marinha, posteriores à Revolta da Chibata, é inegável. Porém, pelo fato de ter sido uma revolta isolada, que não cruzou com as lutas sindicais da época, teve seus limites. 

É possível verificar pelo teor da carta de reivindicações enviada ao Presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca, a crença dos manifestantes nas instituições burguesas. Instituições essas que, logo após o fim do levante, não mediu esforços para apagar a memória do que representou a revolta. Seu principal líder, João Cândido, foi perseguido praticamente por toda sua vida e viveu de forma humilde, como trabalhador de pesca, sem qualquer reconhecimento pela Marinha até o dia de sua morte, em 6 de dezembro de 1969, aos 89 anos de idade.

A Revolta da Chibata foi uma luta diretamente contra o racismo e contra as práticas de tortura dentro da estrutura militar. O caráter de classe é evidente, tendo em vista que sua amplitude de resistência vai além do ambiente em que os marinheiros estavam inseridos.

Esse episódio mostra o que acontece quando a classe trabalhadora entende o poder que tem nas mãos, operando as máquinas e ferramentas de produção. Como nos mostra a Revolta da Chibata, a correlação de forças se altera quando os trabalhadores se organizam e reagem à opressão imposta pelo sistema capitalista. 
 


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