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Capitalismo, o vírus e o imperialismo

Desde a posse de Joe Biden da presidência dos Estados Unidos, tem sido construída uma narrativa de superação da pandemia. As vacinas estão sendo aplicadas nos estadunidenses em uma velocidade exemplar, o fascismo de Trump tornou-se uma distante memória no noticiário, e o mundo estaria “voltando ao normal”. Mas qual é esse “normal” pelo qual tanto se clamou desde o início da pandemia? Para os interesses do imperialismo dos Estados Unidos seria a “ordem” que existia antes dos acontecimentos de 2020, com o país no topo, seguido por seus lacaios europeus e o resto do mundo esmagado sob a bota yankee.

Um dos fenômenos mais notáveis da pandemia foi a forma como ela primeiro se alastrou nos países europeus e nos Estados Unidos, os centros imperiais. Parte da culpa é, sem dúvida, responsabilidade dos líderes neoliberais,  como Boris Johnson, do Reino Unido, Emmanuel Macron, da França e Trump, nos EUA, com suas políticas de desvalorizar  as medidas sérias contra o vírus, argumentando que isso poderia afetar seriamente a economia em curto prazo. O resultado foi que todos os países que se recusaram a lidar com o vírus de forma efetiva tiveram a combinação dupla de mortos aos milhares e economias devastadas, ao contrário de países como a China que tomaram decisões rápidas e efetivas, o que poupou não somente os cemitérios, mas também o PIB.

De todo modo, apontar os líderes nacionais como os elementos decisivos na resposta contra o vírus é perder de vista a natureza devastadora do imperialismo e do capitalismo. O fato de o vírus ter se alastrado primeiro nos centros imperiais não é mera coincidência: o capital flui em direção ao primeiro mundo, e ele é acompanhado por milhões de pessoas. Nos primeiros momentos da pandemia, os oprimidos do mundo talvez tenham até sentido uma breve sensação de “justiça divina”, uma vez que os seus opressores estariam “recebendo o que merecem”. No entanto, tal impressão, embora compreensível, ignora as condições deploráveis de boa parte do proletariado destes países e teve curta duração, pois o resto do mundo rapidamente recebeu o vírus em suas fronteiras.

E foi neste momento, quando o vírus se tornou um fenômeno mundial, que os abismos econômicos criados pelo imperialismo ficaram evidentes. Por mais que os governantes neoliberais tenham feito tudo da pior forma possível, possibilitando a difusão do vírus nas populações dos seus países, a força econômica dos países de primeiro mundo lhes possibilitou ferramentas muito mais eficientes para lidar com a pandemia, em especial para garantir proteção financeira a suas populações, principalmente à parte que perdeu o emprego devido aos choques econômicos causados pelos fechamentos das atividades comerciais. 

No momento de desastres econômicos, as baratas devotas do neoliberalismo rapidamente não se importam em mostrar que o Estado Mínimo que defendem é apenas uma armadilha contra o povo e clamam pela ajuda gorda do Estado, pelo doce “dinheiro do contribuinte”, tão útil para salvar banqueiros e grandes corporações. Trilhões foram gastos para salvaguardar as maiores corporações do mundo, para manter os ricos confortáveis em seus iates e os pobres minimamente supridos para evitar revoltas violentas. 

Um dos exemplos gritantes de gastos governamentais para controlar a crise é o plano econômico do governo de Joe Biden, que pretende dedicar bilhões para a renovação da infraestrutura dos Estados Unidos. Um clássico plano “keynesiano” de estimular a economia por meio de investimentos públicos. Seria isso a derrocada final do neoliberalismo? Certamente que não. Tais gastos por parte dos países imperialistas contrastam com as medidas tipicamente neoliberais e draconianas do Fundo Monetário Internacional a respeito das dívidas dos países do terceiro mundo: devido a uma série de circunstâncias das épocas do colonialismo europeu entre fins do século XIX e meados do XX, e à brutal dominação estadunidense no  mundo pós-guerra, os países do terceiro mundo dependem economicamente da exportação de matérias-primas de baixo valor agregado, também chamadas de commodities. A queda vertiginosa do consumo causada pelas medidas de quarentena contra o vírus causou uma igual queda na procura por tais commodities; sem conseguir vender seus produtos no mercado internacional, os países do terceiro mundo ficaram, não só com a balança econômica ainda mais negativa do que o normal, mas também sem acesso aos dólares que necessitam para pagar suas dívidas com instituições como o FMI e o Banco Mundial.

Se houvesse uma verdadeira preocupação com as vidas que a pandemia está ceifando, a decisão seria perdoar ou facilitar pagamento de tais dívidas, de modo que aumentassem os recursos para os países devedores enfrentarem a crise sanitária e econômica. Porém, o capital não pode perder suas fontes de usura no terceiro mundo e, portanto, tornou o pagamento ao mesmo tempo impossível e imperativo: todos os países têm que pagar as suas dívidas na hora marcada, ainda que isso signifique a ruína total das suas populações. 

Assim, os países do terceiro mundo se encontram, por exemplo, sem recursos para negociar as vacinas, o que torna o vírus mais devastador neles do que nos centros imperiais; ao mesmo tempo, a devastação econômica significa que eles estarão ainda mais dependentes e presos ao cruel sistema imperialista que oprime suas populações. A velocidade de vacinação nos Estados Unidos não demonstra algum tipo de “superioridade organizacional” do governo estadunidense, mas, pelo contrário, que é garantida por aquilo que tira do terceiro mundo. A luta pela vacina tornou-se a maior disputa mercadológica do momento e os países subordinados ao imperialismo não podem produzir suas vacinas devido às patentes privadas. 

Os falastrões liberais papagaiavam no início da pandemia que o vírus, sendo um desastre natural, atingiria o mundo de forma igual e que “estaríamos todos juntos nisso”. Primeiro é preciso entender que o vírus não é “natural”, mas sim o resultado do apetite voraz do capitalismo que causa desequilíbrios na natureza e produz epidemias. Segundo, que a forma como cada país é forçado a lidar com ele certamente não tem nada de natural, e nada de “igualitário”. Os neocolonizados do império americano não estão no mesmo barco que seus opressores, e jamais estarão. Enquanto houver capitalismo haverá a opressão de uma classe sobre a outra e a burguesia, com seu poder econômico, forja o mundo de acordo com os interesses corporativos dos grandes conglomerados. Por isso, no Brasil por exemplo, o imperialismo colocou Jair Bolsonaro no poder e sustenta seu governo, mesmo que esse provoque um genocídio da população pobre do país. Somente com a derrubada do capitalismo, e o fim da propriedade privada, fonte de lucros individuais, é que se pode evitar a exploração predatória da natureza e seus efeitos nocivos aos seres humanos.
 

Foto: Silvia Izquierdo / AP


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