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Guerra de Canudos

Conhecido como um dos conflitos mais violentos do Brasil, a Guerra de Canudos ocorreu entre os anos de 1896 e 1897, envolvendo o Exército Brasileiro e membros da comunidade sócio-religiosa liderada por Antônio Vicente Mendes Maciel, mais conhecido como ''Antônio Conselheiro'', no interior do estado da Bahia.  

Conselheiro nasceu no dia 13 de março de 1830, em uma tradicional família de Quixerobim, no Ceará. Ele foi comerciante, professor e advogado prático nos sertões de Ipu e Sobral, municípios cearense, e logo após sua esposa tê-lo abandonado por um sargento da força pública, vagou pelos sertões durante 25 anos, até que, em 1893, chegou a Canudos, pequeno povoado no sertão da Bahia, vilarejo que nomeou de Belo Monte. 

O vilarejo era habitado por uma grande população negra, que de tão numerosa fez Canudos ser conhecido como o último quilombo existente. Havia também um grande número de índios Kaimbé e Kiriri, enquanto que a maioria dos habitantes eram agricultores, artesões e vaqueiros que peregrinavam pelos sertões, excluídos de acesso e com reduzidas oportunidades de trabalho. Antônio Conselheiro, com um discurso de que poderia “libertá-los” da situação de extrema pobreza e garantir a “salvação eterna” na outra vida, conquistou vários seguidores e a região, historicamente caracterizada por latifúndios improdutivos, secas cíclicas e desemprego crônico, passou a crescer em um ritmo acelerado.

Milhares de sertanejos começaram a partir para o pequeno vilarejo, ao ponto de a Igreja de Santo Antônio, também conhecida como Igreja velha, não suportar a multidão de fiéis que se reuniam para ouvir as pregações de Conselheiro.   

As notícias sobre o pequeno vilarejo se espalharam, o que chamou muita atenção da imprensa, do clero e dos latifundiários da região, que se incomodaram com a nova cidade “independente” e a constante migração de pessoas e valores para aquele local.

A imagem que o poder executivo brasileiro estava construindo sobre Antônio Conselheiro era de um ''perigoso monarquista'' a serviço de potências estrangeiras, e ao ser difundida pela imprensa, a imagem manipulada ganhou repercussão e apoio da opinião pública. Antônio Conselheiro, contudo, nunca havia se posicionado a favor da restauração da monarquia, se preocupando apenas com o quadro de miséria e fome do sertão brasileiro. Isto mostra que a divulgação de fake news, por parte das forças reacionárias, é uma tática extremamente antiga.

Em outubro de 1896, Antônio Conselheiro encomendou uma remessa de madeira, vinda de Juazeiro, para a construção de uma nova igreja, mas a madeira não foi entregue. Surgiram então rumores de que os conselheiristas iriam buscar a madeira a força, o que levou as autoridades de Juazeiro a enviar um pedido de assistência ao governo estadual baiano, que imediatamente enviou um destacamento de 100 soldados, sob o comando do Tenente Manuel da Silva Pires Ferreira. Após vários dias de espera, vendo que o rumor era falso, as forças governistas partiram para Canudos, no dia 24 de novembro do mesmo ano.   

Durante a madrugada, a tropa foi surpreendida em Uauá (BA), pelos seguidores de Antônio Conselheiro, sob o comando de Pajeú e João Abade. Foram recebidos “a bala” peos sentinelas conselheristas. Ali se iniciou a guerra. 

Após várias horas de combate, os Canudenses, sob o comando de João Abade, resolveram se retirar. A expedição, embora vitoriosa nesta batalha, não tinha mais forças e nem coragem para atacar Canudos. Limitaram-se a, naquela tarde, saquear e incendiar Uauá e depois retornaram para Juazeiro. 

Em janeiro de 1897, aguardando uma nova investida do governo, os moradores de Canudos fortificam os acessos ao arraial. No dia 18 de janeiro de 1897, foram surpreendidos pela segunda expedição, sob o comando do major Febrônio de Brito, onde foram repelidos pelos conselheiristas que estavam abastecidos com armas abandonadas ou tomadas da tropa. Os sertanejos mostravam grande coragem e habilidade militar. Enquanto isso, Antônio Conselheiro se ocupou da esfera civil e religiosa. Contando com 250 homens, a expedição partiu triunfante e certa da possível vitória, mas voltaram derrotados com a perda de mais de 100 soldados. O presidente na época, Prudente de Morais, ficou indignado, e logo convocou uma nova expedição, sob o comando do coronel Moreira César. O coronel era conhecido pela violência empregada contra os revoltosos da Revolução Federalista (1893-1895), em Santa Catarina, onde mandou executar mais de 100 pessoas a sangue frio.

Em março de 1897, diante das perdas e pressão de políticos florianistas que viam em Canudos um perigoso foco monarquista, o Governo Federal assumiu a repressão e preparou a primeira expedição regular sob o comando do coronel Antônio Moreira César, considerado pelos militares um “herói” do Exército brasileiro.  A chegada das tropas militares à região atraiu um grande número de pessoas, que vinha de todas as áreas do Nordeste para a defesa do ''homem santo''. No dia 2 de março, após sofrer pesadas baixas causadas pela guerra de guerrilhas na travessia das serras, a força composta de 1,3 mil homens assalta o Arraial. O coronel Moreira César foi morto em combate, e o comando passou para o coronel Pedro Nunes Batista Ferreira Tamarindo, que também caiu no mesmo dia. Diante dos abalos, a expedição foi obrigada a retroceder. 

A repercussão da derrota foi enorme, principalmente por atribuir ao Conselheiro a intenção de restaurar a monarquia. Em abril de 1897, o ministro da guerra, Marechal Carlos Machado de Bittencourt, preparou uma nova expedição sob o comando de Artur Oscar de Andrade Guimarães, composta de duas colunas, a comando dos generais João da Silva Barbosa e Cláudio do Amaral Savaget, ambas com mais de quatro mil soldados equipados com as mais modernas armas da época. O primeiro combate verificou-se em Cocorobó, em 25 de junho com a coluna Savaget, que após sofrer perdas consideráveis chegam a Canudos no dia 27. 

Com os sertanejos bem armados, inclusive com equipamentos abandonados pela expedição anterior, as tropas não conseguira um bom resultado, e não possuíam uma estrutura necessária para alimentar seus homens, que chegaram a passar fome. 

Em agosto de 1897, com intuito de colocar fim ao caos do abastecimento das tropas, o próprio ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado de Bittencourt, seguiu para o sertão baiano e se instalou em Monte Santo, que se tornou a base das operações. 

Após várias batalhas, no dia 5 de outubro de 1897, as forças do Exército, compostas por cerca de 10 mil homens, cercaram, invadiram e destruíram a povoação de Belo Monte, sendo um dos conflitos mais sangrentos da história do Brasil. Uma parte da população sobrevivente recebeu promessas da República, que lhes garantiriam a vida, e se renderam com bandeira branca, um último reduto que resistia na praça central do povoado. As promessas, no entanto, não foram cumpridas e todos os homens presos, grupos de mulheres e crianças foram degolados, em uma execução sumária que apelidaram de “gravata vermelha’’. 

O arraial resistiu até 5 de outubro de 1897, quando ocorreu a morte dos quatro derradeiros defensores. O corpo de Antônio Conselheiro, que havia falecido em 22 de setembro, supostamente por uma disenteria, foi exumado e teve a cabeça decepada a faca. No dia seguinte, 6 de outubro, o Arraial foi incendiado e segundo os registros do Exército, 5,2 mil casebres foram destruídos.

Canudos foi importante no sentido de demonstrar algumas das táticas do governo burguês para desacreditar movimentos dos trabalhadores, inclusive com a divulgação de fake news. Mostrou  também as possibilidades de organização coletiva em torno da luta  pelo fim da miséria, da fome e das demais condições de  vida impostas pela burguesia aos mais pobres. A memória de Canudos é uma memória de organização e luta da classe trabalhadora.
 


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