A expansão da OTAN (aliança controlada pelos EUA) para o Leste europeu, cujo ápice é o cerco à Rússia, por meio do governo ucraniano, está diretamente relacionada ao desenvolvimento exponencial da economia chinesa, que ameaça a quebra da hegemonia dos EUA na economia mundial. Isso porque o capitalismo de Estado chinês está em expansão, e por meio de gigantescas obras infraestruturais, vem, na última década, criando ligações diretas com a Europa Ocidental, passando pela Ásia, norte da África e Leste Europeu. O espaço geográfico russo seria fundamental para se concretizar essa aspiração. Assim, o plano de isolamento e até de destruição da Rússia fica cada vez mais claro com as sanções determinadas pelos EUA, o País mais importante do imperialismo atual.
No entanto, surpreende ver parte da esquerda brasileira acompanhar a imprensa ocidental na “demonização” do presidente da Rússia, Vladmir Putin, numa espécie de “russofobia”, acreditando que a tarefa de garantir a “paz” (seja lá o que essa palavra signifique no sistema capitalista) seria do povo e do governo russos. O fato é que nem os EUA, nem o seu principal aliado na Europa, o Reino Unido, têm interesse no fim da guerra. Isso se dá, em primeiro lugar, por causa do crescente aumento da despesa militar dos países europeus, que favorece a indústria armamentista dos EUA. Em segundo lugar, devido à necessidade vital da economia estadunidense de desestabilizar a Rússia, aliada militar da China.
A constante expansão da OTAN para o Leste europeu reforçou a influência de Washington na Europa. Dos dez países da Europa Central e Oriental que aderiram à OTAN, entre 1999 e 2004, sete aderiram à União Europeia entre 2004 e 2007. Hoje, 21 dos 27 países da UE pertencem à OTAN, sob comando dos EUA. As decisões no Conselho do Atlântico Norte, que é o principal organismo de decisão política da OTAN, são tomadas, sempre, de acordo com o que é decidido em Washington. Com o desenvolvimento da guerra na Ucrânia, a OTAN se prepara para ganhar a adesão da Suécia e da Finlândia, que declararam que abandonarão a neutralidade militar contra a Rússia. Os EUA poderão implantar suas armas ofensivas (incluindo nucleares) e infraestrutura militar nesses territórios.
Para evitar uma ação militar direta, os EUA armam os países vizinhos à Rússia e, ao forçar a UE a impor sanções contra a Rússia, poderão levar ao colapso as economias nacionais europeias. A inflação dos preços ao consumidor, no período acumulado de um ano completo em março, atingiu 7,3% na Alemanha, um recorde desde a reunificação do País, em 1990. Enquanto a Rússia mostra que se preparou para as sanções e fortalece sua aliança com a China, a EU não pode contar apenas com as alternativas impostas a suas importações sem ter prejuízo econômico gigantesco. Gradativamente, a diminuição do uso do dólar como moeda de reserva internacional vai se tornando realidade e a guerra tende a acelerar esse processo. O envolvimento dos países europeus nesse conflito provocará uma crise sem precedentes para a classe trabalhadora mundial, o empobrecimento cada vez maior dos países periféricos e ondas de refugiados. Esse é o preço a ser pago para que os EUA permaneçam no comando do mundo e impeçam a formação do eixo econômico euroasiático.
Como toda a América Latina, o Brasil é um histórico quintal dos Estados Unidos. Em crise, o império estadunidense fará aumentar a pressão sobre os governos brasileiros. Não será possível pensar a política brasileira do próximo período sem levar em consideração a guerra como configuração de novas correlações de forças no ordenamento mundial. Se a Europa, que abriga grandes potências capitalistas, se mostra completamente refém da dominação dos EUA, a situação do Brasil, que possui grandes reservas de recursos naturais e cuja economia depende de exportação de commodities, com certeza será mais grave.
A guerra é a extensão da política e, portanto, não pode ser vista com neutralidade, nem por meio de abstrações. Para pedir o fim da guerra, é preciso reforçar a palavra de ordem pela dissolução da OTAN e apoiar o direito da Rússia de defender seu território e sua economia. A resposta do governo russo ao expansionismo da OTAN pode abrir brechas para a organização da luta contra o sistema, caso a classe trabalhadora das potências imperialistas, lideradas pelos EUA, se levante contra o preço da guerra, que recai sobre seus ombros. Ciente desse risco, a burguesia ocidental, há anos, prepara a ascensão da extrema-direita e tenta canalizar as revoltas populares para o campo dos nacionalismos nazifascistas, como fez na Ucrânia. Por isso mesmo, a esquerda deve abandonar o “pacifismo” abstrato, debater as contradições de classe contidas nesta guerra de proporções globais e, assim, fortalecer a ação revolucionária dos trabalhadores contra a burguesia que cria as guerras.
Foto: PETRAS MALUKAS/AFP