Neste domingo, um plebiscito realizado no Chile rejeitou o projeto de uma nova Constituição para o País. O documento, elaborado há um ano pela Convenção Constitucional, foi rejeitado por 62% dos votos, enquanto a aprovação obteve 38%. O resultado pode ser visto como uma vitória da direita, representada por José Antonio Kast, defensor do ex-ditador Augusto Pinochet e derrotado nas eleições presidenciais do ano passado, que elegeram Gabriel Boric em uma coalizão de centro-esquerda.
Grupos ligados à defesa da aprovação do novo texto denunciaram a existência de uma extensa campanha de desinformação, financiada por grandes empresários que se beneficiam da atual constituição pinochetista. As notícias falsas que fazem renascer o temor da ameaça comunista característico da Guerra Fria, como dizer que a nova lei determina o fim da propriedade privada, autoriza o confisco de casas e dá brechas para instaurar o "comunismo" no Chile, circularam nas redes sociais e influenciaram os debates populares.
A oposição também usou o caráter de Estado plurinacional contido no texto para disseminar que a falsa ideia de que a nova Carta daria privilégios a povos indígenas e possibilitaria a divisão do país em várias regiões autônomas, baseadas em sistemas de autogoverno.
Considerada fundamental para a promessa de “refundação do Chile” por enterrar a Constituição neoliberal do pinochetismo, o novo texto constitucional respondia, em partes, às demandas do povo chileno que foi às ruas e incendiou o País em 2019, em protestos contra a política de austeridade do então presidente Sebástian Piñera, que aprofundou o desastre social herdado da política neoliberal implantada pelo governo de Pinochet.
Com discursos hipócritas, os dirigentes políticos que coordenaram a campanha pela rejeição, representantes da burguesia chilena, se diziam preocupados com a pacificação e despolarização política do país. Mesmo representantes da esquerda e da centro-esquerda atuaram contra o novo texto com os mesmos argumentos da pacificação. É o caso da senadora Ximena Rincón, do partido da Democracia Cristã, que acusou o texto de não unir o país. Também o senador Fidel Espinoza Sandoval, do Partido Socialista do Chile, acusou integrantes do governo de terem inseridos normas constitucionais rejeitadas pelo conservadorismo da população. Trata-se de uma capitulação da esquerda à pressão que a burguesia exerce para impedir que o governo Boric avance em conquistas sociais que representam ameaças aos seus projetos econômicos. Ou seja, a política de conciliação de classes, mais uma vez, mostra que só é posta em prática para acalmar e conter a revolta popular, garantindo que os detentores do poder econômico continuem com o poder político para decidir tudo em seu favor.
Gabriel Boric havia afirmado que, mesmo em caso de derrota no plebiscito, pretende reformular a Constituição chilena. O governo propõe a eleição de uma nova Convenção Constitucional para elaborar outra proposta de texto. No entanto, com certeza, as forças conservadoras atuarão com mais agressividade para controlar o novo processo.
Quais foram as principais mudanças rejeitadas
Na nova Constituição estava previsto que o Chile seja reconhecido como um Estado plurinacional abrangendo um sistema representativo, jurídico e eleitoral próprio para as dez nações indígenas que habitam o território chileno e que representam cerca de 12,7% da população. O texto também propõe paridade de gênero em todos os poderes do Estado e indica a criação de Câmaras Regionais com três representantes eleitos.
A proposta rejeitada reconhecia o acesso à saúde e à educação como direito de todos e propunha a criação do Sistema Nacional de Saúde com financiamento público e acesso universal. O acesso à educação também seria universal e a educação deveria ser laica, gratuita, de qualidade e não sexista.
A Carta Magna proposta determinava que a seguridade social deveria ser baseada na universalidade e na solidariedade, com financiamento vindo dos trabalhadores e das empresas, através de impostos.
Também determinava que todos os organismos dos Estado, assim como as empresas públicas, devem ser compostos em 50% por homens e 50% por mulheres. O novo texto também previa o direito à interrupção da gravidez de forma voluntária, livre, segura e acompanhado por equipes multiprofissionais dentro do sistema público de saúde.
O avanço na garantia dos direitos sociais em relação às questões de gênero e raciais serviram de combustível para a extrema direita fortalecer a campanha de rejeição ao texto, garantindo o ativismo do setor conservador da sociedade chilena. No entanto, foram os pontos que propõem mais atuação do Estado como garantidor de políticas públicas e ameaçam a manutenção da cartilha neoliberal de exploração dos trabalhadores que colocaram em ação os defensores da atual constituição para manter a taxa de lucros das grandes corporações capitalistas às custas da desgraça do povo.
A derrota da Nova Constituição chilena deve servir de exemplo aos brasileiros que estão prestes a colocar as forças progressistas, comandadas pelo Partido dos Trabalhadores, de volta no poder. Para fazer avançar as conquistas que favoreçam a classe trabalhadora será preciso ir além das eleições e garantir a organização dos trabalhadores nas ruas, contra todas as pressões que o próximo governo Lula, caso eleito, sofrerá dos setores conservadores que poderão até aceitar a vitória do campo popular, mas não darão tréguas ao seu projeto de exploração dos trabalhadores.