O capitalismo é um sistema de crises cíclicas. Todo período de crescimento e bonança é seguido por um período de contração e miséria. Algumas crises são breves, meras "correções" no mercado, como a economia burguesa costuma nomear; outras são longas e brutais — de modo que costumam ser diferenciadas pelos nomes de "recessão" ou até mesmo "depressão". A crise que se instaurou desde 2008 parece tornar insuficiente até mesmo o nome de "depressão" para descrevê-la.
Economistas burgueses costumam fixar sua atenção no funcionamento do mercados financeiros, como o de ações, imobiliário, de commodities, etc. Tais métricas refletem o fluxo de capital financeiro no planeta, quantidades imensas de dinheiro dedicado a gerar mais dinheiro, virtualmente desconectado da economia "real". Porém, de tempos em tempos, a realidade econômica bate na porta e demonstra que todas essas manipulações financeiras, em primeira e última instância, dependem de uma economia que existe de verdade, na qual os produtos são produzidos por um proletariado explorado, e circulam pelo mundo em busca do seu valor garantido por meio da compra feita por um consumidor.
Ainda que o capital financeiro, que Marx chamou de "fictício" dada sua relação tênue com a produção, seja um universo à parte do resto da economia na qual todos vivemos, seu colapso gera catástrofes desastrosas. Empresas dependem do valor de suas ações para arrecadar dinheiro de investidores (na forma da emissão de mais ações ou títulos) ou como lastro para tomarem dinheiro emprestado de bancos. Sem acesso a essa liquidez, é possível que essas empresas não consigam fazer investimentos necessários ou cumprir certas obrigações financeiras (pagamento de dívidas, dividendos, etc.). E, como é comum no capitalismo em crise, poucas empresas tornam-se donas de quantidades substanciais de títulos e ações de outras empresas, ou mesmo de suas próprias; a quebra de uma empresa pode causar estragos significativos nos seus ativos (nome dado pela economia burguesa para todos os bens, valores, créditos, enfim, toda a propriedade de uma empresa ou pessoa que vale algo — em contrapartida aos passivos, isto é, as obrigações financeiras, dívidas, etc.) de modo a causar um rombo na sua contabilidade, o que pode levar até mesmo à falência.
Essa é a essência verdadeira docapitalismo: por mais que alguns donos dos meios de produção possam aprender a evitar o risco de se envolverem demais no mercado financeiro, a dinâmica da competição, tão enaltecida por liberais, faz com que, para que uma empresa possa ser competitiva em grande escala, precise se envolver no mercado financeiro. Deixando de fazer isso, a empresa não terá acesso às quantidades astronômicas de capital circulante, que, se aproveitado pelas suas rivais, pode ser usado para, por exemplo, baratear seus produtos(financiado pelo capital fictício) em busca de quebrar a competição. Um exemplo recente é o da empresa de taxi privado Uber, que desde que abriu nunca gerou lucro, pois vende seus serviços abaixo do preço de mercado utilizando a quantidade monumental de investimentos que recebeu. O objetivo é, evidentemente, quebrar a competição para obter um monopólio e, portanto, ser capaz de ditar seus próprios preços sem interferência.
Com isso estabelecido podemos observar a crise que a economia global vive atualmente. Em 2008, a falta de regulação dos mercados financeiros gerou a quebra das bolsas internacionais. As mesmas exatas condições estão presentes nos mercados atuais: isto é, quantidades imensas de instrumentos financeiros extremamente complexos sem fundamentos sólidos foram gerados e podem, a qualquer momento, entrarem em colapso. A causa de 2008 foi principalmente a quebra de instrumentos ligados aos grandes apanhados de hipotecas denominados "Contratos garantidos por hipotecas" (CGHs), que buscavam reduzir o risco que representam — de que o dono da casa não consiga fazer todos os pagamentos — "amarrando" imensas quantidades de hipotecas em um único instrumento que depois era revendido como um único ativo. A crise de 2008 revelou que os bancos, frequentemente, emitiam hipotecas "podres", isto é, para indivíduos que jamais teriam chance de pagar, somente para poderem, então, criar CGHs e revendê-los para fundos de investimentos, para outros bancos, etc., cujo colapso devastou os ativos de boa parte do mercado internacional e fez com que um sem-número de bancos e empresas falisse ou quase falisse.
Tais artimanhas financeiras sãorealizadas até hoje, ainda que sob outros nomes. O mercado imobiliário, que exclui o trabalhador médio, está elevado justamente por sofrer tanta intervenção do capital financeiro. As consequências de 2008 nunca foram efetivamente resolvidas: na tentativa desesperada de impedir o colapso da economia mundial, os bancos centrais de vários países do mundo (sobretudo dos imperialistas) passaram a realizar o chamado"quantitative easing" (literalmente "afrouxamento financeiro", mais comumente visto sob a abreviação "Q.E."), que nada mais é do que a compra, pelos bancos centrais, dos ativos podres das empresas e dos bancos privados em troca de dinheiro público. Isso evidentemente causou uma explosão da dívida externa nos países que podiam fazer isso e o caso trilionário dos EUA é emblemático.
Toda crise capitalista tem, de certa forma, um propósito dentro do sistema: destruir as empresas improdutivas, de modo a destruir o capital estabelecido, e abrir espaço para um novo processo de acúmulo de lucros, concentrando o capital nas mãos de empresas mais competitivas. Assim, empresas improdutivas ficam particularmente vulneráveis em relação a seus custos, que sobem além da sua possibilidade de lucrar, uma necessidade para o bom funcionamento do sistema capitalista. Porém, devido à injeção massiva de liquidez para salvar esses bancos e empresas, a economia mundial continuou atrelada à essas empresas e bancos ditos "grandes demais para falir", extremamente ineficientes e marcados pela falta de investimentos em setores produtivos, em prol de investir em mercados financeiros, cujos retornos são muito maiores a curto e médio prazo. Muitas das empresas "salvas" tornaram-se "empresas-zumbi", isto é, empresas cuja arrecadação mal consegue pagar os juros das dívidas que contraíram, de modo que pouco ou nada resta para efetivo investimento no negócio em si. Elas tornaram-se pesos na economia, incapazes de morrer ou de abrir espaço para novas empresas, muito menos de investirem em si de modo a volatarem a ser lucrativas..
A atual situação internacional é infinitamente mais complexa e perigosa do que em 2008: a década que 2008 fechou, representava, em certa medida, um ponto alto do poderio geopolítico e econômico estadunidense, capaz de unir uma coalizão de países para ajudar na invasão imperialista do Iraque, e sem grandes choques internacionais na produção de mercadorias. A China, responsável pela maior parte da produção mundial, estava em crescimento, ainda que estrondoso. O momento atual é muito mais frágil:a crise da Covid-19, aprofundou os problemas que acarretaram na quebra da bolsa de Nova Iorque, durante breves momentos de março de 2020, e foi necessária uma quantidade inacreditável de dinheiro público, gasto com Q.E., para manter a economia intacta — mais ainda do que após 2008. A pandemia agravou os problemas na produção de mercadorias mundial, pois entre as medidas adotadas para a contenção do vírus estavam a suspenção de postos de trabalho ou a implementação de home office, o fechamento de muitos setores por tempo indeterminado e o isolamento social. . A consequência foi uma rara crise de subprodução, que se diferencia das tradicionais crises de superprodução do sistema capitalista. e que teve "efeito dominó" no resto da economia: uma diminuição em termos reais da produção mundial. A demanda por certos produtos diminuiu em vários setores, principalmente o petrolífero, que já vinha em crise dadas as disputas entre a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e a Rússia.
Junto à diminuição da produção, ou da "oferta", em termos da economia burguesa, também houve uma diminuição do consumo, ou da "procura",, devido ao isolamento social. Assim, os dois fatores se mantiveram razoavelmente equilibrados, atrasando a crise massiva de desemprego e de destruição de ínúmeros pequenos e médios negócios, etc. Porém, ao longo de 2021 e sobretudo 2022, o estado da economia global se . No Brasil, como todo trabalhador pode constatar, a inflação está em valores que não se viam desde a década de 1990, e nos países imperialistas desde a década de 70. Além das altas taxas de desemprego.
Sem perspectivas de superação, a atual crise se agrava com a atual guerra da Organização do Atlântico Norte (OTAN) contra a Rússia, instalada na Ucrânia, que gerou caos nos mercados internacionais, sobretudo devido às sanções que os países imperialistas, subordinados aos Estados Unidos, moveram contra a Rússia. Essas sanções, projetadas para tentar destruir a economia da Rússia, a adversária mais evidente dos Estados Unidos, causaram um "contrachoque" radical, pois a Rússia produz uma quantidade imensa de mercadorias altamente importantes — petróleo, fertilizante, minérios variados, gêneros agrícolas — sobretudo gás natural, a energia motora das economias europeias. Ao fechar parte dos mercados internacionais aos gêneros russos, as sanções causaram uma alta imensa nos preços das mercadorias;uma alta também especulativa, pois o mercado de commodities é um dos maiores negócios do sistema financeiro.
Com a alta da inflação, os bancos centrais aumentaram as taxas de juros, que estavam sendo mantidas baixaspara tentar proteger empresas de falências, dadas as dívidas contraídas em resposta à crise de 2008. No entanto, esses bancos não puderam lidar com o fato de que a inflação foi causada por problemas de produção e de logística e não porque teria dinheiro demais circulando ou porque o nível de desemprego estaria em patamares baixos.. Assim, não se resolveu o problema da inflação, nem foi suficiente a manutenção das benesses com dinheiro público, utilizado para sustentar os lucrosdo mercado financeiro. Com o aumento da taxa de juros, o empréstimo de dinheiro torna-se muito mais caro e, portanto, qualquer investimento financiado por meio de uma dívida é muito mais arriscado, o que força os capitalistas a vender parte dos seus investimentos no mercado financeiro, para diminuir o valor das ações das empresas, o que pode acarretar uma quebra na bolsa.
Certos indícios apontam que uma quebra das bolsas de valores em escala mundial talvez esteja muito próxima, um deles é a alta estrondosa do dólar. A política de aumento de juros, que buscava conter a inflação teve efeitos adversos dramáticos pois, ao aumentar os juros, aumentou-se a procura por dólares, já que são necessários mais dólares para se pagarem as mesmas dívidas. Ao mesmo tempo, existe uma ameaça real de que as "empresas-zumbi", mencionadas acima, não consigam sobreviver ao aumento de juros e quebrem, causando efeitos-cascata naeconomia ao aumentar o desemprego e, consequentemente, reduzir o consumo . Em suma, pode ocorrer uma recessão generalizada. O medo de uma possível recessão fez com que diversos capitalistas comprassem dólares, visto como um modo seguro de guardar valor, dado o lugar histórico de liderança no capitalismo mundial que os EUA ainda ocupam.
O aumento do valor do dólar tem outras consequências, também dramáticas: primeiro, a possível quebra de países com dívidas substanciais denominadas em dólares. Qualquer país que tenha contraído uma dívida com, por exemplo, o Banco Internacional ou o FMI (Fundo Monetário Internacional), talvez tenha que repagar essa dívida em dólares, fazendo com que as sua própria moeda perca valor e torne-se ainda mais difícil, ou até mesmo impossível, repagar a dívida, sequer os juros dela. Além disso, uma série de commodities ainda é comercializada internacionalmente apenas por meio de dólares e a procura excessiva pela moeda estadunidense pode dificultar essas transações, gerar inflação, além de encarecer a importação de produtos dos Estados Unidos, algo relevante para uma série de países que, por exemplo, dependem de importar gêneros agrícolas dos EUA para suprir suas necessidades alimentícias.
Em segundo lugar, está a situação catastrófica da economia europeia cujos países estão sem acesso à energia barata, devido às sanções impostas à Rússia. Eles estão obrigados a comprar gás natural no mercado internacional, sobretudo dos EUA. Isso provoca o aumento no preço do produto, ao ponto de que países de Terceiro Mundo, como o Paquistão, já não consigam mais comprar o gás que precisam. Colocaram dois bancos imensos a beira do abismo: em particular, Credit Suisse e Deutsche Bank, os famosos bancos suiço e alemão, respectivamente. Estes dois bancos, combinados, têm ativos no valor de mais de um trilhão de dólares e estão profundamente interconectados à rede bancária mundial. A turbulência econômica internacional fez com que esses bancos, envolvidos em uma série de escândalos financeiros ao longo dos anos, estejam a beira da falência, dada a situação podre dos seus recursos. A quebra de um destes bancos pode gerar o momento "Lehman Brothers" (em referência ao primeiro banco que quebrou durante a crise de 2008), o proverbial primeiro dominó em uma crise em cascata, levando o resto do sistema financeiro consigo.
A solução de 2008, o "afrouxamento financeiro", isto é, cobrir a dívida dos bancos com dinheiro público, não é mais possível da mesma forma, pois a fragilidade do mercado internacional, com inflação galopante, faz com que os bancos centrais e seus líderes estejam muito mais temerosos em injetar dinheiro na economia. Por outro lado, a crise social causada pela opção dos governos em salvarem os bancos ao invés de atenderem as necessidades de suas populações, desencadeiam protestos populares que podem levar ao colapso de governos ao redor do mundo, abrindo espaço tanto para lutas revolucionárias quanto para golpes fascistas. A burguesia mundial encontra-se em uma posição extremamente delicada e a Guerra surge como “solução”. Por fim, este é um momento de disputa imperialista ferrenha. Os Estados Unidos, cujo governo e economia encontram-se francamente decadentes, com diversas cidades sem água potável por meses a fio , agem para tentar evitar a ascenção da China, cujo projeto econômico é bem menos violento do que as invasões neo-coloniais perpetuadas pelos EUA. Assim, observamos a interferência constante do país norte-americano nas chamadas “lutas pela independência” de Taiwan, buscando fomentar tensões e fazer com que a China entre em uma guerra custosa, tal como a Rússia foi forçada a fazereste ano.
Assim, o capitalismo segue instável e violento como sempre. Para manter suas taxas de lucros, a burguesia deixa sua máscara democrática cair e lança mão do fascismo para controlar as revoltas sociais que são a resposta dos trabalhadores à superexploração. Extraindo muito além do que o planeta consegue recompor, causando guerras e apoiando ditaduras antipovo, a burguesia fortalece seus próprios coveiros: a classe trabalhadora, capaz de virar tudo de cabeça para baixo quando se levanta. Estejamos prontos para esse momento, camaradas.
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