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Crise no Equador expõe hipocrisia da direita

Na última semana, o presidente equatoriano, Guilhermo Lasso ativou a chamada “morte cruzada” — o fechamento da Assembleia Nacional e a convocação de eleições antecipadas, um dia após audiência inicial de processo de impeachment contra ele, acusado de corrupção, por supostamente ter permitido favorecimento a uma petrolífera em contratos estatais. É gritante a diferença de tratamento dado pela imprensa corporativa brasileira, porta voz dos interesses imperialistas dos Estados Unidos, entre o caso do Equador e seu similar no Peru, ocorrido há 5 meses atrás.

Assim como no Peru, a Constituição do Equador permite ao chefe do executivo a dissolução do Congresso Nacional. Foi o que o ex-banqueiro Lasso, um político da direita conservadora, fez, sem que tenha sido acusado de golpista. Ao passo que a tentativa do peruano Pedro Castillo o levou a prisão e a ser execrado pela imprensa burguesa, muitas vezes acompanhada por setores da esquerda cujas análises costumam ser imbuídas de moralismos pequeno-burgueses. Ambos os mandatários utilizaram a tentativa de dissolver o Congresso para escapar de um processo de impeachment.

Obviamente que a crise no Equador não se deve a casos de corrupção, uma vez que o capitalismo não funciona sem essa prática. O aprofundamento das políticas neoliberais do governo Lasso, que destrói os direitos e as condições de vida da população, junto à capitulação do governo anterior, de Lenin Moreno, que se elegeu como aliado de Rafael Correia, mas aplicou políticas do mais duro neoliberalismo contra os trabalhadores, ampliou a crise social e criou entre a população equatoriana uma desconfiança generalizada tanto na esquerda quanto na direita tradicional. Essa é a brecha que a burguesia precisa para deixar cair sua máscara democrática e apoiar o autoritarismo.

Tudo indica que o próprio Lasso será a figura para a instalação de um regime ditatorial, pois, apesar da promessa em convocar as novas eleições, conforme exige a lei, ele, que já conta com o apoio da Forças Armadas, continuará governando por decreto durante os próximos  meses. Uma nova eleição para presidente e para um novo Parlamento foi marcada para 20 de agosto, com um segundo turno presidencial em 15 de outubro, se necessário. Tempo suficiente para endurecer o regime contra o povo.

O ex-presidente equatoriano Rafael Correa, vítima, em 2017, de um processo de “lawfare” - perseguição política a partir da manipulação de institutos jurídicos - defendeu a inconstitucionalidade da “morte cruzada” de Lasso. Correa foi deposto como parte da derrubada dos governos de esquerda na América Latina e hoje está exilado na Bélgica. Vários parlamentares de oposição ao governo tentaram tornar sem efeito a decisão do presidente, mas foram derrotados. De acordo com depoimento de Virgilio Saquicela, presidente da agora dissolvida Assembleia Nacional, “apesar de prevista na Constituição, a aplicação desta figura não cumpre com o requisito de comoção nacional”. Porém, o próprio Lasso informou, em sua conta no twiter, que a Corte Constitucional recusou, por unanimidade, as demandas de inconstitucionalidade sobre a dissolução da Assembleia.

Impressiona ver como a imprensa tem avaliado positivamente a atitude de Lasso, apesar de ter sido apontada, internamente, como inconstitucional. Já em relação a Castillo, um professor, sindicalista e ligado a setores populares, uma rápida pesquisa nas notícias da época revela que a imprensa tratou o caso da tentativa de fechamento do Congresso como golpe de Estado. Castillo não só foi deposto, como está preso à revelia da Constituição de seu País.

No Peru, as manifestações populares contra a deposição de Castillo foram fortemente reprimidas e sua vice, atual presidenta, Dina Boluarte, tem se mostrado uma verdadeira “Temer de saias” e aplicado a cartilha das elites econômicas ligadas ao imperialismo estadunidense com bastante disciplina, contra seu povo e a soberania de seu País.

O que irá acontecer no Equador dependerá do grau de organização das forças populares. As lições a serem tiradas desses episódios recentes da nossa explorada América Latina são de que a esquerda não pode confiar nas instituições burguesas como solução para o fim da exploração classista. Também no Chile, que acaba de ver a ultradireita tomar conta do novo processo constituinte, os fatos comprovam que essas instituições existem para a burguesia e seus apelos à democracia são farsas. Os trabalhadores podem, e devem participar delas como forma de se fortalecerem na correlação de forças que existe na sociedade capitalista. No entanto, essa participação não permite descartar os instrumentos criados nas lutas históricas da classe trabalhadora: a mobilização nas ruas, em greves e grandes manifestações populares. As lideranças de esquerda devem atuar para criar essa conscientização classista e fazer a agitação para organizar a luta contra os desmandos do sistema.

Foto: Rodrigo Buendía/AFP

 


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