Julho é o mês da celebração do dia Internacional da Mulher Negra, Latina e Caribenha, e na primeira semana do mês ocorreu um momento histórico no Brasil ao ser sancionada, pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei 14.611, de 2023, que garante a equiparação salarial entre homens e mulheres. Também é motivo de comemoração a integração da primeira mulher negra, Edilene Lobo, ao cargo de ministra substituta no Tribunal Superior Eleitoral. É importante celebrar as conquistas do movimento feminista na sociedade, mas também fazer uma crítica à insuficiência do movimento mediante à principais demandas da classe trabalhadora.
Recentemente, a filósofa feminista estadunidense, Nancy Fraser, afirmou em entrevista à BBC News Brasil que o feminismo atual é distante da maioria das mulheres e que engloba uma minoria privilegiada de mulheres. Parte da sua crítica se refer à corrente neoliberal dentro do movimento, apesar de não ser uma exclusividade do movimento feminista, já que o capitalismo assimila pautas identitárias para finalidades comerciais e para manter o controle das lutas por direitos democráticos.
A história do movimento feminista começa no século XIX como uma ação política em busca de equiparação de direitos civis entre homens e mulheres, dentre eles o direito à educação. Quando o capitalismo entra na fase industrial e as mulheres passam a trabalhar em fábricas, sendo ali as mais oprimidas, o movimento se torna operário também, dada a necessidade das mulheres buscarem seus direitos trabalhistas. A questão da luta de classes passa a ser uma prerrogativa de um novo tipo de feminismo.
Para Fraser, o movimento sufragista dos Estados Unidos, por exemplo, que, apesar de contar com a participação de operárias, era racista, não poderia ser considerado um feminismo proletariado, nem classista. O movimento feminista negro surge como uma resposta ao feminismo burguês que não enxergava as mulheres negras, em parte porque elas eram, em sua maioria, empregadas domésticas que prestavam serviços às mulheres de classe média, além do racismo propriamente dito.
Então, desde sua consolidação como um movimento político, o feminismo mascarou ou ignorou, as demandas classistas dentro do movimento. Isso não o torna obsoleto, mas coloca em questão a sua real possibilidade de promover a igualdade de gênero, uma vez que incorpora a lógica do “neoliberalismo progressista” que coloca a luta por direitos democráticos (feminismo, antirracismo, ambientalistas e LGBTQIA+) como pauta para ganharem o carisma que dê cobertura a suas políticas de retirar direitos dos trabalhadores. Os conceitos de feminismo podem mudar conforme a classe social ou a narrativa individual; para muitas feministas pequeno-burguesas, se distanciar do que é considerado feminino, como se depilar ou ter filhos, é ser feminista. Enquanto para uma mulher da periferia, que nunca teve delicadeza agregada a sua personalidade, isso não faz sentido e, muitas vezes, a objetificação do corpo seja o mais recorrente em sua trajetória. Já o feminismo como sinal de empoderamento para mulheres trans pode ser conseguir um emprego de carteira assinada.
A luta feminista é necessária para a conquistas de direitos democráticos, como o direito ao voto e à educação, por exemplo. No entanto, ela deixa muitas brechas para a opressão classista pois a caracterização de um movimento apenas pelo gênero (ser mulher) é insuficiente quando não está definido o real papel dessa mulher na sociedade capitalista. Fraser defende que as duas discussões são importantes. Para ela, “´para se ter uma sociedade justa, precisamos de uma política de inclusão e reconhecimento, mas também de políticas de distribuição de riquezas igualitárias”. Segundo a filósofa, o entrave do movimento feminista aceito pelo neoliberalismo está em focar apenas no reconhecimento (as pautas identitárias) e desprezar a luta pela distribuição de renda.
Retomando a celebração do mês de julho, é importante que o movimento feminista no Brasil leve em consideração as reais condições da maioria das mulheres do País, herdeiras do escravismo e do patriarcado colonial. Na Latina América, a maior parte das mulheres da classe trabalhadora são não brancas e um movimento que se propõe a defender os seus direitos deve enxergar essas nuances. No entanto, o feminismo classista, que interessa a essa maioria esmagadora das mulheres, deve se organizar para se impor ao feminismo liberal, que apenas reconhece as diferenças, sem jamais propor o fim da desigualdade econômica.
Foto: DCM