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O que está em jogo na África Ocidental

Os últimos dias têm sido de tensão na África Ocidental, região que compreende países como Senegal, Nigéria, Níger, Mali, Guiné Bissau e Guiné Conacri, Benin e Gana. No último dia 26 de julho, no Níger, maior país em extensão territorial desse espaço, o então presidente, Mohamed Bazoum, foi deposto por membros da Guarda Presidencial sob a alegação de que o líder é subserviente às vontades da França, que colonizou o Níger até 1960. Para os revoltosos, o governo de Bazoum era um fantoche da União Europeia e dos Estados Unidos.

Para entender esse processo atual, é  preciso  conhecer  a história da região. O continente africano foi colonizado por países europeus no século XIX, que, na Conferência de Berlim, em 1885, dividiram o continente entre si, na perspectiva do Imperialismo, em que um dos elementos básicos foi a partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes. Esse movimento político-econômico de concentração da produção capitalista chegou a um nível tão elevado, que permitiu a fusão do capital industrial com o capital bancário, dando origem ao capital financeiro. O continente africano, que já havia sido vilipendiado por séculos de escravização, foi invadido por países europeus, que mantiveram suas populações sob rígido controle, da maneira mais vil e violenta possível. 

Com a reconfiguração do mundo após a 2ª Guerra Mundial e início da Guerra Fria, momento de disputa geopolítica entre Estados Unidos e União Soviética, estouraram processos de independência no continente africano, principalmente na década de 1960. Porém, os países recém-formados no continente, em sua maioria, permaneceram sob controle de governos que permitiram que  sua economia se mantivesse dominada pelas grandes potências Ocidentais, nomeadamente Estados Unidos e países da Europa Ocidental. A isso o revolucionário ganês Kwame Nkrumah definiu como neocolonialismo, ou seja, ao serem dominados economicamente, os países africanos possuem uma falsa independência política. Assim, sempre que ascendia um governo que contestasse minimamente as vontades Ocidentais, as potências capitalistas promoviam um golpe de Estado para colocar em seu lugar  um governo aliado.

Mudanças na correlação de forças

Seguindo o protocolo comumente adotado quando um governo aliado cai no continente africano, os Estados Unidos e a França logo denunciaram o ocorrido no Níger como um golpe. A partir da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental - CEDEAO (em inglês ECOWAS), bloco econômico africano rigidamente controlado pelos EUA e pela União Europeia, as potências ocidentais orquestraram uma invasão ao Níger para tentar reconduzir Bazoum ao poder. A justificativa é a mesma de sempre: defender os direitos humanos contra regimes pró-islâmicos, considerados autoritários. Uma balela que somente a imprensa corporativa, colonizada pelos interesses das potências capitalistas, finge acreditar. Vale lembrar que os rebeldes denunciam a péssima situação econômica do país, que deteriorou os índices sociais.

Porém, a correlação de forças não é a mesma de décadas atrás, quando, por exemplo, as forças da Organização do Atlântico Norte, OTAN, braço militar dos EUA no mundo, destruíram a Líbia para derrubar um governo não aliado. Hoje, muitos países da África Ocidental já não possuem governos colaboracionistas com as grandes potências capitalistas. Mali, Burkina Faso e Guiné Conacry declararam conjuntamente que o ataque ao Níger é um ataque a todos eles e que intervirão militarmente. A Argélia, país ao norte da África Ocidental e fronteiriço com a região, também afirmou que intervirá militarmente em caso de invasão. Estes países contam com o apoio político, econômico e militar da China e da Rússia, cuja proposta de uma nova ordem mundial multipolar vem sendo atacada pela aliança entre União Europeia e Estados Unidos na guerra da OTAN contra a Rússia.  Inclusive, o chefe do Estado-Maior da Argélia já se reuniu com o governo russo em Moscou, com a finalidade de receber ajuda militar.

Dados do Relatório Anual de Parceria Econômica e Comercial China-África evidenciam que o país asiático é o principal parceiro comercial do continente africano, com o comércio bilateral entre a China e a África tendo sido de US$ 282 bilhões em 2022. Além disso, também em 2022, vinte e um países tiveram imposto zero em 98% de suas exportações para a China. Estima-se que projetos chineses no continente africano criaram 300 mil empregos para a população local em 2022. Fato é que, ainda que seja um movimento de fluxo de capitais da África para a China, as parcerias comerciais são diferentes da vilipendiação e dominação com as quais os países africanos estavam acostumados no trato com as potências Ocidentais. Há uma preocupação da China em investimentos em infraestrutura nesses países que o Ocidente nunca teve. Não há também um condicionamento da produção e do mercado interno dos países africanos do mesmo modo que ocorreu no momento de dominação Ocidental, em que a produção era condicionada ao que era interessante às metrópoles coloniais. 

Soma-se a isso o fato de que há acordos militares com o governo russo, bem como uma ação ativa de paramilitares do grupo Wagner, que estão sediados nos países que não seguem as ordens do Ocidente - Mali, Burkina Faso e Guiné Conacry. Não  está  mais tão simples ao Ocidente promover um golpe de Estado contrário às vontades dos povos africanos, cuja experiência histórica com as potências  capitalistas ocidentais é de exploração, morte e fome. Avolumam-se as manifestações contrárias à  presença e intervenção dos Estados Unidos e União Europeia na África Ocidental, não só no Níger,  mas também em outros países, como o Senegal. A relação com a Rússia, principalmente, simboliza um sentimento antiocidental desses povos.

Os acontecimentos na África Ocidental devem ser analisados pela ótica da geopolítica global, da economia africana e de sua história em relação ao "velho" imperialismo ocidental. Os EUA e a União Europeia forjam uma narrativa "emancipatória" para justificar seu domínio, focada em aspectos  meramente culturais, como religião, enquanto escondem do público os elementos conformadores da realidade africana.  O pró-islamismo tem a ver com a rejeição do domínio ocidental, mas a questão política tem sua base material nas alternativas econômicas que as mudanças geopolíticas estão impondo ao mundo. Os povos dos países da África Ocidental demonstram compreender que a luta anticolonial  pode estar em sua última etapa, ao apoiarem, para seu desenvolvimento, as novas parcerias políticas e comerciais com a Ásia. 

Foto: AFP
 

 


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