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Segregação na Segregação

Em março de 2023, o artigo intitulado “Segregation within segregation: Informal settlements beyond socially homogeneous áreas” foi publicado na plataforma de publicações científicas ScienceDirect. O artigo, de autoria de Camila Carvalho e Vinícius M. Netto, alunos da Universidade Federal Fluminense (UFF), aponta a desigualdade presente em favelas brasileiras, o que eles informalmente chamaram de “segregação dentro da segregação”. Os pesquisadores analisaram a segregação residencial com base na renda nos 42 maiores assentamentos informais e nove cidades brasileiras. De acordo com eles, os resultados mostram que 37% dos assentamentos informais analisados são compostos por um complexo mix residencial com padrões de desigualdade interna semelhantes aos encontrados nas cidades. Também foram identificadas desigualdades raciais e acesso desigual a infraestruturas urbanas dentro das favelas.

Com foco nas favelas brasileiras, o artigo joga luz na segregação presente na sociedade, que proporcionou o surgimento de lugares como esses, onde seus habitantes se encontram em condições de vulnerabilidade social, muitas vezes associadas à violência. De acordo com a definição dos autores, favelas são assentamentos estabelecidos em terras não reivindicadas dentro ou perto de centros urbanos, como encostas, margens de rios e manguezais, distribuídos em territórios urbanos ou áreas periféricas, onde frequentemente sofrem com a falta de infraestrutura urbana básica e serviços sociais. Diversas vezes as comunidades dessas periferias são consideradas como um grupo homogêneo, que habita um lugar de violência, fruto das interações de seus habitantes que, por sua vez, também são estereotipados como violentos. No entanto, a pesquisa aponta que essa composição é mais heterogênea do que aparenta ser. 

A hipótese levantada é que dentro das comunidades existe uma segregação que possui o mesmo padrão que a segregação do lado de fora, em que os indivíduos se agrupam de acordo com a sua raça e renda. O artigo cita outros autores que anteriormente perceberam o mesmo padrão nas “favelas”, onde também existem bairros “nobres”, cujos habitantes possuem mais dinheiro e consequentemente melhores casas, ao mesmo tempo em que existem bairros mais pobres que não possuem infraestrutura básica.

Os pesquisadores acreditam que, em termos espaciais, as diferenças de localização residencial entre grupos considerados “pobres” podem ter relação com diferentes condições de acessibilidade tanto às áreas internas da comunidade como à cidade como um todo. Nesse caso as dificuldades de acesso às residências melhores ocorreriam devido à geografia, as distâncias internas e o relevo onde as moradias foram construídas. As diferenças espaciais dentro das favelas e suas conexões com as áreas urbanas vizinhas também seria um modo de compreender as disparidades de renda nas comunidades e assim relacioná-las às implicações na reprodução das desigualdades de renda.

Outro apontamento da pesquisa é a dificuldade de assimilar essa organização geográfica interna das comunidades a um padrão de comportamentos ou atitudes. Parte do imaginário que pensa as comunidades como um espaço homogêneo tem origem nas inúmeras tentativas de militarização e higienização dos espaços urbanos no Brasil, que buscaram segregar a população pobre, criando a  ideia de que ela vive em uma sociedade a parte por causa das características que a uniformiza. No entanto, o pensamento elitista, de origem liberal, adentrou as comunidades que historicamente são uma resposta de resistência dos ex-escravizados que não conseguiam empregos depois da abolição da escravatura e tiveram que se acomodar em terras inférteis e impróprias para moradia em torno das maiores cidades do país. Assim, a  separação de classes no interior das periferias reproduz o que ocorre na sociedade como um todo. 

A pesquisa da UFF tenta contribuir e estimular uma maior compreensão da composição espacial, socioeconômica e racial dos assentamentos informais do Brasil, com objetivo de que estudos desaa natureza possam colaborar com a implementação de políticas públicas urbanas. Apesar de parecer contraditório, esse movimento de segregação dentro das comunidades nada mais é do que um reflexo do poder do pensamento liberal e sua capacidade de se adaptar às situações, mesmo quando todos os envolvidos possuem dificuldades causadas pela desigualdade social como decorrência do espaço geográfico que habitam. 
 


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