Nas últimas semanas, a grande mídia brasileira vem trabalhando ferozmente para relacionar o apoio à Palestina ao descaso pelas supostas mortes de mulheres causada pelo Hamas. Matérias como “O feminismo abandonou as judias”, da Folha de São Paulo e “Apesar de estupros e feminicídios, feministas de esquerda apoiam Hamas”, publicado pela Gazeta do Povo, estão no centro dessa tentativa de descredibilizar o movimento feminista de esquerda, ao mesmo tempo que utiliza a perspectiva feminista para apoiar o sionismo.
Com o argumento de que o movimento feminista de esquerda não abrange as judias, a grande mídia utiliza exemplos de casos específicos de mortes de mulheres israelenses ocasionadas pelas ações do Hamas para questionar a suposta falta de interesse das ativistas feministas ao drama das mulheres israelenses, chamadas equivocadamente de judias.
Essa não é a primeira vez que a direita se apropria de uma pauta social e política importante, como o feminismo, para fazê-la caber no seu discurso. Também não é a primeira vez que o movimento feminista é questionado por meio dessas distorções da realidade que, no caso atual, demostram um desespero midiático em limitar o genocídio na Faixa de Gaza a um justo conflito de Israel contra o Hamas. Em 2011, durante a guerra da OTAN contra a Líbia, uma notícia que fez manchetes e foi repetida em todo o mundo dizia que as tropas de Kaddafi recebiam viagra para cometer estupros punitivos em massa contra opositoras do governo. A história, que foi promovida pelo Procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno-Ocampo, a embaixadora norte-americana na ONU, Susan Rice, e a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, foi desmentida por um relatório da Anistia Internacional.
Alguns meses atrás, imagens de mulheres israelenses armadas eram divulgadas como propaganda do governo de extrema-direita de Benjamin Netanyahu com os seguintes dizeres: “Em Israel não existe estupro e assédio, porque lá as mulheres podem se defender”. Uma explícita defesa do porte de armas limitando a luta feminista à defesa pessoal, como se ela não englobasse outras questões, principalmente as de teor classista e racial. Agora que os holofotes estão voltados para a Faixa de Gaza, após décadas de conflito, e que conteúdos sobre o assunto chegam até à população mais leiga, a imprensa empresarial, porta voz dos interesses imperialistas que apoiam a colonização israelense, busca legitimar o que vem acontecendo e colocar Israel em uma posição de defesa. Nesse sentido tudo que pode ser feito para relacionar o apoio aos palestinos ao apoio à supostas violências ilegítimas do Hamas é válido.
Nada do que foi dito sobre a ilegitimidade das ações do Hamas nos ataques do dia 7 de outubro foi comprovado. Inclusive as notícias sobre caso de estupros de mulheres israelenses pelos soldados do Hamas já foram desmentidas. Por outro lado, segundo dados do próprio Conselho de Segurança da ONU, mulheres e crianças palestinas representam 67% dos cerca de 14 mil mortos pelo exército israelense, desde 7 de outubro em Gaza. De acordo com a chefe da ONU Mulheres, Sima Bahous, sete mulheres palestinas são mortas a cada duas horas na região. Além de ser um número absurdamente superior ao da morte de mulheres israelenses, essas mortes de civis palestinas foram praticadas por uma entidade oficial do governo sionista, que tem em suas fileiras diversas combatentes do sexo feminino. .
A realidade pela qual passa o povo palestino comprova o quanto as pautas feministas defendidas pelos representantes midiáticos da burguesia ocidental não têm nada a ver com a defesa das mulheres. As denúncias dos jornais brasileiros apenas tentam reforçar a narrativa pró sionista que atribui ao Hamas e aos palestinos a culpa pela violência do conflito. Mas, a cada dia, fica mais evidente para um número maior de pessoas, que o apoio dado pela imprensa ao colonialismo israelense está diretamente relacionado ao apoio à destruição de um povo para que suas terras e riquezas naturais sejam usurpadas. Isso implicará no aumento do racismo e do machismo em todo o mundo, uma vez que a opressão é arma para a dominação.