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Haiti: a história tende a se repetir como tragédia?

A quem interessa a recolonização da primeira República Negra livre do mundo, eis a questão?

O Haiti situa-se na região central do mar do Caribe, na América Central e compõe o arquipélago das grandes Antilhas, vizinho de outras ilhas, como Cuba e Porto Rico, e tem como capital, Porto Príncipe. A ilha foi encontrada por Cristóvão Colombo, em 1492, recebendo o nome de Ilha de Espanhola. Posteriormente foi dividida diante da disputa travada entre vários países colonizadores da Europa. Hoje o território abriga a República do Haiti e a República Dominicana.

Colombo encontrou o território habitado por povos nativos que sofreram um genocídio por parte de seus colonizadores, tanto por guerras quanto por doenças trazidas pelos europeus e para as quais os indígenas não possuíam resistência imunológica. Embora os espanhóis tenham sido os primeiros a colonizarem o território, parte da ilha, conhecida como São Domingos, ficou sob o domínio da França. Ali, os franceses passaram a adotar a mão de obra escravizada de negros africanos. Em pouco tempo, estes eram a maioria dos habitantes da ilha e conseguiram, em 1791, pôr em prática uma brutal revolta que levou à descolonização de São Domingos, que passou a ser chamada de Haiti.

No momento, o Haiti encontra-se em um intenso processo de luta interna, fomentada há tempos por interesses externos que têm deixado uma profunda crise econômica, política e social. Os últimos acontecimentos no país têm raízes históricas. Por um lado, a colonização, por outro as intervenções dos países imperialistas e aliados que enfraqueceram, politica e economicamente, a Ilha caribenha e suas representações estatais.

Desde o início da sua formação como Estado, o Haiti já teve que pagar por sua independência, ou seja, pelo seu reconhecimento diplomático como República Livre. O governo foi pressionado a assinar um acordo com seus algozes colonizadores franceses, totalmente desfavorável a sua população. O acordo para o reconhecimento diplomático da independência exigia o pagamento, convertido em ouro na ordem de 150 milhões de francos, dividido em cinco parcelas. Seria uma espécie de “indenização” pelos “prejuízos financeiros” para os exploradores da Ilha, pois não poderiam mais se beneficiarem dos lucros e riquezas arrancadas pelos métodos colôniais, impostos à população negra escravizada. Para se ter uma ideia da lucratividade extraída da ilha, em 1789, 75% da produção de açúcar a nível mundial vinha da Ilha de São Domingos. Isso foi fundamental para a acumulação primitiva de capital na França. Enquanto São Domingos tornou-se uma das mais ricas colônias francesas nas Américas, a República do Haiti se defrontou com muitas dificuldades para se desenvolver economicamente, após o processo revolucionário. Apesar de a França ter como lema de sua revolução burguesa de 1789 os princípios de "liberdade, igualdade e fraternidade", nada a impediu de continuar como algoz de suas ex-colônias. 

Como o governo do Haiti não pode pagar sequer a primeira parcela integralmente, foi obrigado a contrair uma dívida de 30 milhões de francos com um banco francês. A partir daí, o país torna-se cada vez mais dependente do sistema de financiamento bancário externo, seus governantes entram numa espiral dívidas junto a outros bancos americanos e alemães, além dos franceses. A dívida pelo reconhecimento da independência levou um período de 122 anos para ser paga. Só em 1947, o Haiti conseguiu finalmente pagar todas as suas parcelas. Uma verdadeira operação de rapina contra um país que nasce, assim, pobre. Somado a isto, à época, o Haiti foi isolado pelos países vizinhos cujos colonizadores temiam que a insurreição haitiana influenciasse os seus colonos, principalmente os escravizados.

As dificuldades e a pobreza generalizada enfrentadas pela primeira República Negra do mundo é extensiva aos dias atuais. O País se encontra com 80% da população desempregada, 60% de analfabetos e uma grande deterioração em sua segurança pública. Apesar de mais de 200 anos da instalação da República Negra Livre do Haiti, a mesma não se libertou do jugo intervencionista dos modernos países imperialistas, após rompimento da colonização francesa. Hoje é tido como o país mais pobre das Américas e se encontra sem presidente, sem parlamento e sem primeiro-ministro.  

Na intervenção dos EUA, em 1990, os americanos, além das reformas da política haitiana em vigor, reformaram o sistema de segurança, assim como financiaram, treinaram e armaram forças internas. Em 2004, foi a vez do Conselho de Segurança das Nações Unidas assumirem o controle do País. As tropas de “paz da ONU” foram chefiadas pelo Exército brasileiro, que tinha como tarefa chamar o feito à ordem, depois da derrubada do presidente Jean Bertrand, deposto e levado ao exílio por uma rebelião. A retirada das tropas só ocorreu em 2017. No lugar do Exército brasileiro, a “missão” continuou até 2019 por policiais da própria ONU. Os impasses permanecem e a crise se aprofunda.

A crise é permanente em um país que convive com uma pobreza absoluta, instabilidade governamental, falta de unidade nacional, com divisão de parte da população em grupos armados, e a inexistência de segurança pública. Como se não bastasse, a Ilha costuma ser acometida por desastres naturais, como o terremoto ocorrido em 2010, em que se estima a morte de cerca de 100 mil pessoas, metade das construções do país destruídas e 1 milhão de haitianos ficaram desabrigados. Em suma: um país totalmente vulnerável para enfrentar possíveis intervenções imperialistas estadunidenses. 

Principalmente neste momento em que toda a América Latina se torna alvo de disputa nesta possível mudança de lógica econômica, política e social em que o mundo está submetido, com o fim da hegemonia estadunidense, crescimento chinês e formulação de novos grupos econômicos, como o Brics, é importante que os haitianos tenham o direito a sua autodeterminação. É necessário construir uma unidade nacional diante das ameaças de novas intervenções por parte dos países que são responsáveis pelas sucessivas crises. Chega de colonialismo por vias modernas e intervenções imperialistas no Haiti.


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