No último dia 17 de julho, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado deu parecer favorável à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de nº 3/2022, chamada de PEC das Praias, que permite a transferência de terrenos da Marinha para estados, municípios, empresas privadas e ocupantes particulares. A PEC, de autoria do deputado Arnaldo Jordy (CIDADANIA/PA), tem como relator o senador Flávio Bolsonaro (PL/RJ).
Por mais que a PEC não tenha em seu texto uma proposta explícita de privatização das praias, ela permite que órgãos privados tomem para si um bem público. Ou seja, autoriza a exploração privada de um espaço público, o que, de fato, se caracteriza como privatização, uma vez que quando entidades particulares adentram um espaço público, elas não buscam outra coisa que não os lucros com a exploração do local. A PEC das Praias dá a esse espaço as características básicas de uma propriedade privada, como a restrição de entrada de pessoas pelo proprietário e a possibilidade de cobrança de pagamento para usufruir do local.
A Proposta busca ajudar a especulação imobiliária a resolver um problema que vem se estendendo nas últimas décadas. Isso porque tanto empresas, quanto indivíduos podem comprar terrenos próximos às praias, porém não podem, por lei, controlar além do que lhes pertence, pois os terrenos de Marinha compreendem a área do litoral situada em uma faixa de 33 metros de largura, fixada a partir do mar em direção ao continente. No entanto, dado o alto investimento em uma aquisição imobiliária dessa magnitude, os proprietários desses lotes dificultam e até mesmo impedem o livre acesso às praias que não lhes pertencem. O que se propõe é autorizar esses “impedimentos”, tornando-os legal.
Um caso famoso é o do condomínio de Laranjeiras, em Paraty (RJ), que dificulta o acesso de caiçaras às praias do Sono, Laranjeiras e Ponta Negra, além da utilização do cais existente no local. Para ter acesso às suas casas, os caiçaras precisam passar por dentro do condomínio, o que, obviamente, não agrada a direção do condomínio, muito menos os proprietários das residências luxuosas. Assim, fazem de tudo para limitar o acesso, como proibir a circulação a pé pelas vias internas do condomínio e não cumprir a lei que exige a existência de passagens de acesso às praias a cada 100 metros em locais onde há construções na sua extensão.
O caso do condomínio de Laranjeiras é apenas um exemplo do que já acontece e será agravado com a aprovação da PEC das Praias. Segundo o senador Humberto Costa (PT/PE), atualmente, cerca de 2,9 milhões de imóveis estão nessa área, dos quais apenas 565 mil são cadastrados. A aprovação da PEC abrirá portas para especuladores se apropriarem do litoral. Ainda segundo Costa, “a defesa da PEC por figuras como Neymar Jr. não é desprovida de interesses particulares, pois o jogador é sócio de um empreendimento que prevê a construção de imóveis de alto padrão entre os litorais sul de Pernambuco e norte de Alagoas”. De acordo com o senador do PT, além de tornar privado um espaço que pertence ao povo, a PEC irá prejudicar milhares de famílias que dependem, por exemplo, do direito de estar na praia para ganhar a sua sustentação, de colocar uma barraca, de vender uma bebida, um tira-gosto, o que quer que seja.
É preciso enfrentar o discurso ideológico de que a privatização aprimora a gestão dos recursos públicos. Na realidade, o que acontece é o oposto, pois somente a gestão pública pode evitar a desigualdade no uso e na exploração dos espaços públicos em detrimento dos interesses da maioria do povo.
Foto: Acparaty