A violência no campo, especialmente conta as mulheres, continua sendo uma chaga em nosso País. Segundo o relatório “Conflitos no Campo Brasil”, lançado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em abril deste ano, apesar de o número de assassinatos no campo ter diminuído, passando de 47, em 2022, para 31 em 2023, os conflitos bateram recordes. Conforme aponta o documento, em 2023 foram registrados 2.203 conflitos agrários, o maior número já documentado desde 1985. Desses casos, 1.724 foram conflitos por terra, 251 ocorrências de trabalho escravo rural e 225 conflitos por água. Os conflitos envolveram mais de 950 mil pessoas e quase 60 milhões de hectares de terras por todo o Brasil. 59% das agressões foram cometidas por fazendeiros, empresários e grileiros, além do aumento significativo nos despejos judiciais e violência por agentes estaduais, enquanto os outros 22,54% partiram do próprio Estado. Só para citar alguns exemplos de violência no campo temos os casos de pistolagem, grilagem, invasão de terras, expulsão, destruição de pertences, trabalho análogo à escravidão etc.
Com relação a violência contra as mulheres, o relatório detalha que “as lideranças mulheres tendem a sofrer com situações de intimidações em maior proporção do que os homens”. Entre 2011 e 2020 foram registrados 37 assassinatos de mulheres por conflitos fundiários e ambientais registradas e outras 77 tentativas, além de agressões, ameaças, estupros e outros crimes de violência contra a mulher. Este cenário assustador diz respeito apenas aos casos oficiais, aqueles notificados. A situação real é ainda mais aterrorizante, visto que a esmagadora maioria dos casos sequer são notificados.
Marcha das Margaridas: um grito de alerta
O combate à violência contra camponeses e, mais especificamente, contra as mulheres do campo, sofre com a falta de políticas públicas. Assim, é a própria organização das mulheres, da sociedade civil, quem tem dado voz a luta por essas vidas. Nas últimas duas décadas, a “Marcha das Margaridas” tem sido um exemplo da resistência feminina. O evento ocorre sempre próximo à data do assassinato de Margarida Alves, uma importante líder sindical assassinada em 12 de agosto de 1983. O crime ocorreu na frente de seu filho e marido, em sua casa, por um matador de aluguel a mando de fazendeiros da região. Mesmo após 40 anos, nenhum acusado por sua morte foi condenado e a data virou símbolo da luta contra violência no campo.
A Marcha das Margaridas, que ocorre a cada quatro anos, se apresenta como uma ação estratégica das mulheres do campo e da floresta, promovida por movimentos sociais e sindicais ligados às trabalhadoras do campo e de diferentes organizações ligadas aos movimentos feministas e de mulheres trabalhadoras, inclusive internacionais. Nas palavras de suas organizadoras, o objetivo é dar visibilidade e voz às mulheres exploradas e marginalizadas ao longo da história, que habitam os mais diversos territórios que, por sua vez, abrigam diferentes biomas, mosaicos de vida e diversidade.
Em agosto de 2021, durante evento em homenagem aos 21 anos da “Marcha das Margaridas”, a representante da marcha, Sônia Coelho, enfatizou que o cenário que levou ao assassinato de Margarida Alves ainda se faz presente. Ela lembrou que as mulheres no meio rural continuam sendo alvo de escravidão e de violências de natureza econômica, patriarcal e racial. “Essa violência é acentuada pela expansão do agronegócio e das mineradoras, somada às condições desiguais que vivem as mulheres no campo, com menos acesso à titulação de terras, falta de autonomia econômica, restrição ao acesso a insumos e crédito e desvalorização do seu trabalho”. Até mesmo a aposentadoria por idade rural é dificultada para as camponesas, cujos documentos atestam serem “donas-de-casa”, mesmo quando exercem as atividades rurais como os homens.
Diante dos permanentes índices de conflitos no campo e com o fortalecimento político da extrema-direita ligada ao agronegócio nos últimos anos, as violências contra as mulheres aumentam. É fundamental a luta pelos direitos sociais e econômicos das mulheres do campo, como meio para fortalecê-las na luta contra o patriarcalismo, o machismo e a misoginia presentes na sociedade. Nessa luta, é preciso exigir que o Estado garanta a proteção das mulheres e o enfrentamento da violência em âmbito familiar ou não.
Foto: José Cruz/Agência Brasil