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Sabotagem do mercado livre é um alerta à organização dos trabalhadores

As práticas abusivas da gestão do Mercado Livre, que interferiu de maneira autoritária em uma assembleia sindical online de trabalhadores, em 23 de abril deste ano, exemplifica a falta de limites dos patrões para cercear o direito de organização dos trabalhadores.

O avanço das grandes corporações sobre os direitos da classe trabalhadora representa também o ataque direto às organizações sindicais. As práticas abusivas da gestão do Mercado Livre, que interferiu de maneira autoritária em uma assembleia sindical online de trabalhadores, em 23 de abril deste ano, ocasião em que ocorreram manifestações contra uma proposta de reajuste nos salários e redução na jornada semanal, exemplifica a falta de limites dos patrões para cercear o direito de organização dos trabalhadores.

O Mercado Livre, maior plataforma de comércio eletrônico da América Latina, tornou-se também a empresa mais lucrativa da América Latina, superando gigantes como a Petrobras. Esse salto bilionário, no entanto, não veio da inovação ou do progresso coletivo — veio da precarização das relações de trabalho, da exploração de terceirizados e da repressão à organização sindical. Por trás do avanço financeiro, há uma realidade de jornadas exaustivas, baixos salários e práticas desumanas, como as denunciadas por trabalhadores.

A assembleia de 23 de abril foi convocada pelo Sindicato dos Empregados em Empresas de Processamento de Dados de Santa Catarina, o SindPD-SC, para deliberar sobre duas pautas justas e urgentes: a recusa do reajuste salarial abaixo da inflação e a luta pela redução da jornada de trabalho, especialmente frente à exaustiva rotina imposta aos operadores logísticos. No entanto, de acordo com matéria publicada no The Intercept, o coletivo Trabalhadores MeLi, que reúne os profissionais de tecnologia da empresa, apurou que a maioria dos participantes da reunião, que se identificaram, eram diretores, gerentes ou líderes do Mercado Livre, que entraram com o objetivo de desarticular uma tentativa de organização dos empregados.  Desta forma, a empresa tentou pressionar e coagir os trabalhadores dentro do próprio espaço de deliberação. Tal invasão não foi apenas antidemocrática — foi uma afronta ao direito constitucional de organização e mobilização sindical.

Ainda que os gestores sejam, também, trabalhadores da empresa, se afastam dos interesses de sua classe. Muitas vezes, iludido por pequenos privilégios ou pela falsa ideia de meritocracia, esse trabalhador se torna aliado voluntário do patrão — um obstáculo à luta coletiva. Esta postura enfraquece a solidariedade e a unidade que deveriam sustentar toda a categoria na luta por seus direitos.

Episódios como esse revelam a importância da consciência de classe e da organização coletiva. Lenin, em sua obra, “O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo”, alerta para a criação dessa "aristocracia operária":  “uma minoria da classe operária é sistematicamente corrompida pelo imperialismo com migalhas dos superlucros”, e, por isso, acaba se afastando da luta de classes.

Enquanto esses poucos gestores desfrutam de privilégios que não passam de migalhas para as corporações, a grande maioria dos trabalhadores sofre com a precarização das suas condições de trabalho e de vida. Um caso chocante foi o de Luiz Felipe Dominicalli, terceirizado do Mercado Livre, que tirou a própria vida dentro do galpão da empresa em Cajamar (SP), em fevereiro de 2024. Segundo o Intercept Brasil, após ser informado de que não seria efetivado, Luiz Felipe cometeu suicídio — e seu corpo permaneceu no local, coberto por uma lona, enquanto os demais funcionários foram instruídos a seguir o trabalho normalmente. Um retrato cruel da lógica que coloca o lucro acima de qualquer valor humano. A vida do trabalhador vale menos do que a eficiência de uma esteira de encomendas.

Diante disso, o papel do sindicato, seja em qualquer setor do trabalho, é mais vital do que nunca. É o sindicato que garante que assembleias ocorram livremente, que negocia, denuncia abusos e resiste aos retrocessos. E é também o sindicato que constrói a consciência de que o trabalhador não está sozinho, de que sua força reside na coletividade. A própria mudança da sede da empresa, de São Paulo para Santa Catarina, fazia parte de uma estratégia para driblar a legislação trabalhista. Isso porque o Mercado Livre seguia, até então, os acordos firmados via Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Internet, Manutenção e Cursos de Informática do Estado de São Paulo, o Sindiesp.  Por não ter cumprido os acordos coletivos da área de tecnologia, vigentes entre fevereiro de 2022 e setembro de 2023, quando mudou sua sede para SC, a empresa foi condenada pela Justiça do Trabalho em São Paulo a pagar R$ 80 milhões, além de ter que indenizar funcionários e ex-funcionários por diferenças nos valores pagos em reajustes salariais, horas extras e adicionais noturnos. O alerta é um chamado à mobilização real. A defesa de nossos direitos começa com a compreensão de que pertencemos a uma mesma classe — a classe trabalhadora — e que, unidos, somos capazes de enfrentar qualquer tentativa de opressão.

É preciso lembrar: quando um patrão invade uma assembleia, tenta destruir mais do que uma pauta, quer destruir, também, a capacidade dos trabalhadores de construírem um futuro mais justo.

Enquanto houver sindicatos fortes, haverá resistência.

Foto: reprodução web


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