No último dia 30 de maio, Fortaleza (CE) foi palco de um seminário que escancarou o “casamento” entre a extrema direita brasileira e as grandes plataformas digitais. No auditório do Centro de Eventos do Ceará, o que era para ser um evento político partidário do Partido Liberal (PL), na verdade se tratou de uma aula prática de manipulação digital, conduzida por gigantes como Google, Meta e CapCut.
O evento, travestido de seminário de comunicação política, foi na verdade uma formatura tática das novas milícias digitais bolsonaristas. A plateia, composta majoritariamente por jovens influenciadores de direita, assessores parlamentares e profissionais de marketing político, receberam não análises políticas, mas tutoriais técnicos sobre como dominar a esfera digital com IA, deepfakes, podcasts sintéticos e WhatsApp Business automatizado — tudo voltado à manipulação da opinião pública, ao ataque de adversários e à sedimentação de uma base militante radicalizada.
Big Techs, ideologia e silêncio sobre regulação
Enquanto parlamentares do PL mal tiveram cinco minutos de fala, o que se espera de um evento partidário, executivos das plataformas conduziram a atividade com autoridade e protagonismo. Não houve menção à regulação, nem à responsabilidade social, muito menos à ameaça concreta da desinformação. Ao contrário: o evento foi o manual vivo de como contornar regras, hackear o debate público e colonizar os feeds com conteúdo fabricado por algoritmos.
A simbiose ficou clara: o PL entrega base, blindagem legislativa e fidelidade ideológica; as big techs entram com infraestrutura, técnicas e legitimidade tecnológica. Nas palavras do golpista Bolsonaro: “Ainda bem que as big techs estão do lado certo.” Uma confissão inquietante, que transforma a suposta neutralidade das plataformas em apoio velado a projetos autoritários.
Culto à “liberdade” como pretexto para a violência
Durante todo o evento, o termo “liberdade de expressão” foi usado para justificar qualquer tipo de discurso, o que é correto. No entanto, o que se defendia ali não era liberdade de expressão, mas, sim, a licença para manipular a realidade, com mentiras e distorções, com apoio algorítmico e com objetivo de aprofundar a ditadura do capital sobre a maioria da população. Em vídeos exibidos, influenciadores exaltavam vozes “autênticas” que desafiavam “a velha política”. A estética do TikTok, colorida e emocional, foi usada como cortina para encobrir um projeto de captura da democracia.
O algoritmo virou partido
O mais grave é que o PL não usou as plataformas — foi usado por elas. As big techs transformaram o partido em laboratório e extensão de seus próprios interesses. O algoritmo é o novo partido. O projeto não é apenas eleitoral. É cognitivo, simbólico, cultural. Visa formar, automatizar e direcionar comportamentos de massa, com técnicas de guerra híbrida digital.
Nos bastidores, já se fala em “gabinete do ódio 3.0”: não mais movido por memes toscos, mas por fluxos de produção com IA, estética gamificada e targeting emocional de precisão. A “nova militância” foi treinada e certificada — pelas próprias multinacionais.
Propostas de contra-ataque: é hora de reagir
Diante dessa engrenagem montada, a esquerda e os setores democráticos não podem mais agir com ingenuidade ou lentidão. É urgente:
O feed está colonizado. Mas ainda há tempo
O seminário de Fortaleza foi mais que um evento — foi um alerta. Um ensaio geral para 2026, com a extrema-direita afinando sua orquestra de manipulação digital. Se a esquerda não compreender que a guerra já é comunicacional, estética, emocional e tecnológica, perderá antes mesmo do voto.
Não basta “rebater fake news”. É preciso disputar a imaginação coletiva com inteligência, afeto e estratégia. O Brasil, assim como o resto do mundo, está sendo programado.
Precisamos reescrever o código.
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