O acesso à energia elétrica está definido pela comunidade internacional como básico para a sustentação da vida e envolve toda a cadeia de produção social e cultural. A humanidade contemporânea não pode viver sem acesso à eletricidade. Entretanto, assim como qualquer serviço básico em nossa sociedade, quando há a lógica da privatização, o fornecimento desse serviço passa a ser ameaçado em detrimento de apenas um fator: o lucro.
A matriz elétrica brasileira possuía a característica de ser robusta e renovável com empresas estatais controlando as construções de diversas hidrelétricas instaladas por todo o País. Até o final dos anos de 1990, a rede vinha se ampliando. Após a onda de privatização, iniciada pelo governo do Fernando Henrique Cardoso, diversas dessas empresas de distribuição, produção e transmissão de energia passaram a ser privatizadas e o poder de decisão do governo federal foi sendo transferido para conselheiros representantes das maiores empresas que adquiriram toda uma rede elétrica já pronta e planejada, de um setor por natureza monopolista (assim como saneamento básico).
No ano de 2022, o governo Bolsonaro deu um grande passo para essa perda de controle estatal com a privatização da Eletrobrás, que entregou majoritariamente o quesito de decisões estratégicas. Embora o governo ainda tenha cerca de 45,8% do capital da Empresa, ele participa apenas de 13,9% das decisões majoritárias devido à privatização, enquanto acionistas estrangeiros possuem 39,9% no poder de decisão e acionistas nacionais possuem 46,2% desse poder.
É possível traçar também a quantidade de controle privado sobre todas as esferas do setor elétrico brasileiro por meio da participação do capital privado. Dos 27 estados da Federação brasileira, apenas sete ainda possuem controle estatal total ou majoritário sobre sua rede elétrica. Desses, dois passam, atualmente, por tentativas de privatização (Copel – PR e Amazonas Energia – AM). Na geração elétrica, praticamente toda a matriz renovável (eólica, solar ou hidrelétrica) se encontra hoje privatizada, nas mãos, principalmente, de empresas espanholas, italianas e algumas chinesas.
Em números, na taxa de distribuição de energia (atendimento de casas, comércios, indústrias e outros empreendimentos) cerca de 72% de toda a rede se encontra sob controle do capital privado (em maior parte nacional). Na taxa de transmissão (redes de alta-tensão entre estados ou cidades), cerca de 65% estão nas mãos privadas, como de empresas canadenses e italianas. Na geração (usinas hidrelétricas, eólicas ou térmicas), cerca de 60% está privatizada, sendo que a matriz eólica se encontra concentrada em empresas espanholas e os demais tipos de gerações em diversos fundos de investimentos mistos de vários países da Europa e dos Estados Unidos.
Uma das consequências recentes dessa situação foi o apagão ocorrido em agosto de 2023, que deixou 25 estados sem energia, e o que afetou a cidade de São Paulo, no final de 2024, provocado pela negligência na manutenção da rede de distribuição da cidade. Foram muitas horas de desabastecimento elétrico, tudo em favorecimento do aumento de lucros. Estima-se que todos os anos, cerca de R$15,6 bilhões são subtraídos da economia interna para diversas empresas nacionais ou estrangeiras com matrizes em países como China (State Grid), Espanha (Iberdrola), Itália (Enel) e França (Engie).
Os dados evidenciam que tanto o Estado, quanto o povo brasileiro, não possuem soberania sobre sua rede elétrica, o que os deixa em uma situação extremamente precária e reduz a qualidade de vida dos menos abastados devido aos altos preços das tarifas.
Um país sem soberania não possui a menor chance de lutar contra o imperialismo, contra eventuais intervenções externas, seja financeira, social ou belicamente.
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