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Argentina: novo laboratório para o neoliberalismo na América Latina?

A Argentina atravessa um dos períodos mais desafiadores de sua história recente. A inflação descontrolada, a desvalorização da moeda, o desemprego e o endividamento externo criaram um "terreno fértil” para o discurso da extrema-direita, a fake News de sempre, de uma suposta “mudança radical”.

Foi nesse contexto que o presidente Javier Milei (Partido Libertario) assumiu o governo prometendo cortar gastos públicos, privatizar estatais e reduzir ao mínimo o papel do Estado, o que consideram um “choque de liberalização” necessário para “salvar” a economia. Na realidade, não passa de um novo experimento neoliberal que pode repetir — e até ampliar — as tragédias já vistas no continente sul-americano.

O paralelo mais imediato é com o Chile das décadas de 1970 e 1980, sob a ditadura do General Augusto Pinochet que, num golpe orquestrado pelos EUA, derrubou o governo democraticamente eleito de Salvador Allende, em 1973.

Com um grupo de cerca de 25 economistas jovens, que estudaram na Universidade de Chicago, considerada o grande centro de estudo do liberalismo econômico, Pinochet conseguiu aplicar, na prática o novo modelo de condução da economia, chamado de neoliberal.  O Chile se tornou, assim, um laboratório para experimentação das ideias neoliberais, depois levadas adiante mundo afora pela “Dama de Ferro”, Margaret Thatcher, Primeira-Ministra da Inglaterra e pelo presidente dos Estados Unidos, o ator charlatão, Ronald Reagan.

As reformas incluíram a abertura irrestrita ao capital estrangeiro, cortes profundos nos investimentos sociais, a desregulamentação do mercado de trabalho e, talvez o caso mais emblemático, a privatização completa da previdência. Semelhança com as ideias de Romeu Zema, Tarcísio de Freitas e a com a política de Michel Temer e Bolsonaro não são meras coincidências. Inclusive, o ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, montou um ministério com quatro economistas, incluindo ele próprio, formados na Universidade de Chicago.

No papel, as medidas do governo chileno buscavam “eficiência” e “modernização”. Na prática, promoveram um aumento brutal das desigualdades, o enfraquecimento da rede de proteção social e a superconcentração de riqueza nas mãos de uma camada mínima da sociedade.

Os custos humanos foram altos. Milhares de idosos, sem aposentadorias dignas, foram obrigados a continuar trabalhando até a exaustão. Alguns, diante da miséria e do abandono, recorreram ao suicídio como única saída. Casais viram décadas de economia evaporar, famílias foram desestruturadas e a juventude cresceu e sofreu à margem do subemprego, acompanhando os serviços públicos serem degradados — escolas sucateadas, hospitais superlotados e oportunidades extremamente restritas para uma população cada vez mais sem direitos.

O Chile até exibiu números econômicos positivos para os investidores e para o famigerado “mercado”, mas às custas de uma sociedade marcada por profundas fraturas sociais, cujas cicatrizes persistem até hoje. Na Argentina, os primeiros passos do governo Milei apontam para um caminho bem semelhante: redução drástica de ministérios, flexibilização de leis trabalhistas, corte de subsídios essenciais, sucateamento da educação, abertura acelerada para importações e planos de privatização de empresas estratégicas.

Os abutres do mercado financeiro reagiram com entusiasmo, mas nas ruas o clima é de apreensão. Trabalhadores, aposentados e jovens sentem o peso das mudanças e cresce, exponencialmente, o medo de que a desigualdade e a pobreza se aprofundem ainda mais. Sabemos muito bem que, assim como no Chile, medir o “sucesso econômico” apenas por indicadores macroeconômicos é o "modus operandi" do capitalismo, muito bem veiculado pela imprensa hegemônica e apoiado por uma burguesia improdutiva e entreguista.

É preciso expor o verdadeiro impacto dessa falácia sobre a vida cotidiana das pessoas: o aumento no preço dos alimentos, o escasso acesso à saúde e à educação, a insegurança no trabalho, a falta de dignidade na velhice. Sem isso, o discurso de prosperidade se torna um verniz brilhante para mascarar a exploração do povo, dos trabalhadores e para reforçar a exclusão social. A experiência chilena mostrou que as políticas que priorizam o mercado, os investidores e o capital especulativo acima do bem-estar coletivo impõem um custo social devastador e duradouro para a maior parte da população, que é pobre e trabalhadora.

A grande questão que agora ecoa nas praças, nos sindicatos e até nos cafés de Buenos Aires é direta e inquietante: diante da tensão social crescente e dos sacrifícios impostos pela perversa política econômica argentina, conseguirá o governo extremista e entreguista de Milei se sustentar até o fim de seu mandato?

Ou a Argentina, como tantas vezes em sua história, será palco de mais um ciclo de ruptura e instabilidade?

Veremos!

 


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