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Reforma Administrativa: ataque disfarçado ao serviço público e aos direitos da população

Longe de representar um aperfeiçoamento, o projeto em discussão ameaça desmontar conquistas históricas das categorias atingidas, precarizar o trabalho e, por consequência, degradar a qualidade dos serviços essenciais prestados à população.

A proposta de Reforma Administrativa – PEC 32/2020, que foi motivo de muitas críticas e lutas dos servidores públicos, foi substituída, em maio deste ano, por iniciativa do Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Mota (Republicanos), por um Grupo de Trabalho destinado a discutir e elaborar proposição legislativa que vise o “aperfeiçoamento” da Administração Pública. Em outras palavras: que volte a discutir a famigerada Reforma. O grupo é composto por quatorze deputados, dos quais dez pertencem a partidos que defendem políticas neoliberais de destruição dos serviços públicos. Algumas audiências foram realizadas, mas ainda não há um relatório conclusivo.

Embora apresentada sob a narrativa de “modernização e eficiência”, a Reforma configura, na realidade, um profundo e organizado ataque aos servidores públicos e aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública. Longe de representar um aperfeiçoamento, o projeto em discussão ameaça desmontar conquistas históricas das categorias atingidas, precarizar o trabalho e, por consequência, degradar a qualidade dos serviços essenciais prestados à população.

O alvo imediato e mais sensível é a estabilidade, pilar fundamental que protege o servidor de pressões políticas e clientelistas, permitindo que exerça suas funções com independência técnica e em prol do interesse público. A proposta, no entanto, pretende restringir esse direito a um número limitado de carreiras, definidas de forma arbitrária como "típicas de Estado". Essa mudança criaria um ambiente de instabilidade e medo, no qual o profissional ficaria vulnerável às conveniências do governo de plantão, sem proteção contra demissões arbitrárias. Vale recordar que a estabilidade foi inserida no Brasil pela Constituição de 1934 (artigo 169) e consolidada pelas Cartas de 1967 (artigo 99) e de 1988 (artigo 41). Seu objetivo era, precisamente, proteger o servidor de perseguições políticas e pressões indevidas, evitando que demissões em massa a cada mudança de governo prejudicassem a continuidade e a qualidade das políticas públicas.

Para além da estabilidade, a Reforma avança sobre as condições de trabalho e a remuneração. A introdução de contratos temporários, a terceirização de funções essenciais e a proposta de "achatamento das malhas salariais" – um eufemismo para a redução de salários e a retirada de adicionais que compõem a remuneração de diversas carreiras – representam uma desvalorização massiva do funcionalismo. Substitui-se a profissionalização, assegurada pelo concurso público, por uma lógica de precariedade e rotatividade, na qual experiência e expertise são sacrificadas. A justificativa de combate a privilégios serve como “cortina de fumaça” para um corte generalizado de direitos, uma vez que os chamados "supersalários" atingem menos de 0,5% do funcionalismo, enquanto a maioria dos servidores não recebe sequer cinco mil reais por mês.

O projeto ainda impõe um modelo de gestão baseado em metas abusivas e bônus por resultados – mecanismos perversos que intensificam a carga de trabalho e ignoram a natureza complexa e social dos serviços públicos. A meritocracia anunciada na proposta ignora o fato de que as pessoas nascem em contextos sociais e econômicos diferentes, com acesso desigual a recursos como educação de qualidade, saúde, moradia, transporte público, entre outras condições, conforme destacou a Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (Proifes). Trata-se também da caracterização de uma visão privada do que necessariamente é público. A consequência direta é o adoecimento dos profissionais, como ilustrado tragicamente pela morte de ao menos onze servidores do INSS nos últimos dois meses, vítimas da intensificação desumana do trabalho, do aumento do assédio institucional e de políticas de metas de produtividade, entre outras medidas infralegais impostas aos servidores.

Como afirma o presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior - ANDES-SN, Cláudio Mendonça, “a luta contra a Reforma Administrativa tem que ter uma centralidade, pois não é somente um ataque ao funcionalismo público, é um ataque a uma concepção de Estado, a uma concepção que permite um serviço público de atendimento universal, ao qual toda a população trabalhadora possa ter acesso”.

Para o presidente do Sindicato Intermunicipal dos Professores de Instituições Federais de Ensino Superior do Rio Grande do Sul (ADUFRGS-Sindical), Jairo Bolter, com a Reforma,busca-se enfraquecer servidores que fiscalizam e executam políticas públicas, mas pouco se faz para combater a corrupção e sonegação fiscal. O debate deveria priorizar a melhoria da gestão, o fortalecimento de mecanismos de integridade e a proteção do Estado contra o uso indevido da máquina pública”.

É crucial entender que o prejuízo ultrapassa os muros do serviço público. A descontinuidade nas políticas, a perda de quadros qualificados e o desmonte de carreiras essenciais – como as da saúde, educação e previdência – atingirão fortemente a população, especialmente a mais vulnerável. Esta não é uma Reforma que “moderniza”, é uma contrarreforma que desmonta. Não se limita a ajustar gastos; altera a própria concepção de Estado, substituindo um modelo público e universal por outro frágil, terceirizado e orientado para o lucro.

A mobilização contra essa proposta é, portanto, uma defesa não apenas dos servidores, mas de um Estado verdadeiramente capaz de garantir direitos e dignidade para todos. Neste sentindo, o Setor das Instituições Federais de Ensino (Ifes) do Andes-SN aprovou um calendário de lutas contra a Reforma, com o objetivo de intensificar a mobilização. A agenda teve início no último dia 3 de setembro, com o Ato das e dos Servidores Públicos na Comissão Geral da Câmara dos Deputados, e se encerrará com a Jornada Nacional de Lutas contra a Reforma Administrativa, de 22 a 27 de setembro, com o indicativo de construção de caravanas a Brasília.

À Luta contra a Reforma Administrativa!

Foto: 
Divulgação/UFF


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