O governo do Paraná, sob o comando de Carlos Massa Ratinho Júnior (PSD) e de seu secretário da Educação, Roni Miranda, institucionalizou uma política de perseguição que vai muito além de um simples “corte orçamentário”. É um ataque calculado que tem como alvo principal as professoras mulheres, colocando a maternidade no centro de uma disputa política crucial. Através de um decreto desumano, o governo não apenas penaliza a categoria docente, mas especificamente criminaliza a condição feminina, atingindo mulheres em seus momentos de maior vulnerabilidade: a maternidade e o tratamento de saúde grave.
O cerne dessa ofensiva é o Decreto 8222/24, que alterou as regras da Gratificação de Tecnologia e Ensino (GTE). A medida transformou um direito em instrumento de punição, determinando a suspensão total do pagamento da gratificação para docentes em licenças legais – como maternidade ou tratamento de saúde – com duração superior a 15 dias, cobrando inclusive os retroativos.
Os impactos são devastadores e pessoais. É o caso da professora Thamiris Langue Mysczak, que em plena licença-maternidade, amamentando seu bebê de três meses, foi surpreendida com um desconto retroativo de R$ 1.146,78. “É uma situação desesperadora”, desabafa, sentindo-se punida por ser professora, mulher e mãe. A crueldade se repete com Silvana Raquel Sarmento, em tratamento oncológico, que viu R$ 1.692,64 serem descontados de seu salário, obrigando-a a contrair empréstimos.
Esta não é, porém, uma mera questão trabalhista isolada. Ela exemplifica dramaticamente um vazio político apontado em artigo da jornalista e especialista em política pública para igualdade de gênero, Ana Clara Ferrari, para a Fundação Perseu Abramo. Para Ferrari, há uma relutância do campo progressista em colocar a maternidade na centralidade da agenda política. A especialista avalia que enquanto a direita conservadora idealiza e romantiza a maternidade como forma de controle, oferecendo saídas individuais e falsas como as “tradwifes” (do inglês "traditional wife", ou "esposa tradicional", é a mulher que vive de acordo com papéis de gênero conservadores, focando no lar, no marido e nos filhos, muitas vezes sem trabalhar fora de casa), a esquerda frequentemente a fragmenta em pautas diluídas – trabalho, saúde, educação – sem articulá-la como um eixo estratégico único de emancipação.
O governo Ratinho Jr. explora este vazio com precisão cirúrgica. Ao sancionar um decreto que retira o sustento de mães, ele opera na mesma lógica patriarcal histórica que usa a função reprodutiva da mulher como mecanismo de controle e subjugação. A fala de Thamiris é reveladora: “me sinto dois passos atrás de meus pares, homens, que não entram em licença-maternidade”. O decreto, portanto, não é apenas econômico; é uma violência de gênero institucionalizada que aprofunda a desigualdade e cerceia a autonomia das mulheres.
A pergunta que Ferrari levanta ecoa com urgência a partir do caso paranaense: é possível construir uma maternidade emancipadora numa sociedade que pune as mulheres por exercê-la? A resposta do governo é um sonoro "não". A resposta das professoras e de entidades como a APP-Sindicato, que protocolou denúncia no Ministério Público do Trabalho, é de resistência.
A situação desesperadora vivida por Thamiris, Silvana e centenas de outras professoras é a face concreta de uma crise social. Ela exige mais do que a revogação de um decreto; exige uma reinvenção das políticas públicas de direitos democráticos. Ferrari propõe que o campo progressista elabore respostas que coloquem a maternidade no centro, não como uma armadilha, mas como uma ferramenta de luta por direitos. O que está em jogo no Paraná é a dignidade de milhares de mães, mas também a capacidade de resposta de um projeto político que deseja, de fato, representar e emancipar as mulheres mães – que, não por acaso, são 75% da população feminina brasileira, em sua esmagadora maioria, muito distante da perspectiva das “tradwifes”. A complexidade das experiências das mulheres em relação à maternidade exige que as pressões e desvalorização do papel feminino no mundo do trabalho sejam enfrentadas pela sociedade como um todo, que deve assumir, a partir da criação de políticas públicas, a responsabilidade pela vida das crianças.
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